segunda-feira, 9 de setembro de 2019

GRANDES ARTISTAS NA PRÁTICA DA ARTETERAPIA: PAUL KLEE – PARTE 2




Por Eliana Moraes (MG) RJ
naopalavra@gmail.com
Instagram @naopalavra

Neste texto dou continuidade às reflexões que a exposição “Equilíbrio Instável”, que esteve em cartaz no CCBB-RJ até o mês passado, tanto me despertou. Uma ampla exposição sobre a vida e obra de um dos mais importantes artistas do século XX, Paul Klee, me atravessou pessoalmente e como arteterapeuta.

No texto anterior conto um pouco sobre a vida do artista e destaco três pontos sobre seus pensamentos, aos quais convido ao leitor que não teve a oportunidade lê-lo, o faça antes de seguir esta leitura. Ratifico também o convite para que busque o documentário “O diário de um artista”, disponível no youtube, para que possa enriquecer seu estudo.

Hoje destaco três inspirações que Paul Klee nos oferece, mais destinadas a práticas que podem ser atualizadas nos settings arteterapêuticos, não apenas a partir do que mais conhecemos do artista, como as pinturas em aquarela, mas na experimentação de outras possibilidades. Lembro aqui que as referências do texto são extraídas das legendas da exposição e as citações foram transcritas do documentário referido.

1) As marionetes e fantoches: o mundo imaginário


Paul Klee era antes de tudo, um pintor do sonho e da poesia. Seu rico mundo imaginário é evidente ao longo de sua obra. Era também um apaixonado espectador do teatro, da ópera ao popular teatro de fantoches. Personagens de músicas e de peças dramatúrgicas como o palhaço, a marionete ou o acrobata povoavam seu imaginário. Klee fez constantes associações entre o teatro e a vida. Em suas obras, as representações de personagens como o equilibrista ou o acrobata, com suas arriscadas exibições de equilíbrio e em risco constante, assemelhavam-se à insegurança da vida do artista. Como um espectador de teatro, Klee observava as pessoas ao seu redor e comentava os acontecimentos nas suas obras, quase sempre com uma visão irônica e distanciada.

A brincadeira com marionetes começou despretensiosamente, para distrair o filho ainda pequeno e dali nasceu um teatro de marionetes. Estas refletiam seu mundo imaginário e o permitiam fazer uma paródia do mundo dos adultos. Criou personagens como “O poeta coroado”, “O barbeiro de Bagdá”, “O nacionalista alemão” e “a morte”.

“Meu pai criou umas 50 figuras. Fazia as cabeças com gesso ou com outros materiais como caixas de fósforo, ossos de boi e papel maché. Ele mesmo dirigia as cenas e criou uma marionete com a sua aparência.” Felix Klee

A criação de personagens compõe o repertório do arteterapeuta. O diálogo com Paul Klee pode nos inspirar na rica associação entre o teatro e a vida. Na criação de fantoches ou marionetes e buscando inspirações nos acontecimentos cotidianos, de forma lúdica nascem personagens que carregam ricas metáforas e simbolismos que colaboram para o processo de espelhamento e autoconhecimento dos experienciadores da Arteterapia. 

Trabalho de Arteterapia

     2) As técnicas e materiais

Um dos seguimentos da exposição muito me encantou, ao mostrar que Paul Klee era um artista que gostava muito de fazer experiências com materiais. Ele construía suas próprias ferramentas e como suporte para seus quadros não hesitava em explorar materiais inusitados. Os suportes de suas pinturas  mostram uma variedade excepcionalmente grande, como diversos tipos de papéis, madeira, tecidos variados como tela, juta, seda, algodão, musselina, pano de camisa, tecido adamascado, ou gaze. Klee colava esses tecidos sobre um segundo suporte rígido ou sobre um outro tecido preso em bastidor. As superfícies das camadas de revestimento eram diversas: grossas, finas, pastosas, enrugadas ou riscadas. Com ou sem revestimento, o tecido já servia ao artista como elemento estrutural da superfície.

Klee desenvolveu também técnicas próprias, até então nunca aplicadas à pintura. Por esta razão, muitos de seus trabalhos são frágeis e sensíveis, e requerem algumas condições muito específicas para serem expostos. Três técnicas do artista destacadas na exposição são “Desenho transferido a óleo”, “Técnica da ranhura” e “Técnica do borrifado”, que valem a pena uma pesquisa mais profunda.  

Aqui o artista nos inspira à criatividade na experimentação de materiais. A abertura para além dos materiais tradicionais de arte é um dos legados da Arte Moderna que cooperam para a Arteterapia. Acredito que investir na experimentação e crescente intimidade com diversos materiais faz parte da construção continuada de um arteterapeuta. Pessoalmente, esta abertura para a pesquisa da pluralidade e propriedades dos materiais foi fundamental para a construção da minha identidade profissional, que migrou de uma psicóloga que utilizava de técnicas expressivas, para uma arteterapeuta propriamente dita.

Klee é uma inspiração para nós, tanto ao experimentarmos as técnicas e materiais que ele ousou experimentar, quanto para que cada um de nós aguce a intuição para nossas próprias experimentações.

3) A ligação com a natureza

Paul Klee era um artista que mantinha uma profunda ligação com a natureza. Para ele, as leis da natureza são parecidas com as do processo de criação artística. Ele a contemplava em seu movimento, como por exemplo em uma folha de árvore. Ele observava os fenômenos de crescimento mais elementares e os transpunha para a composição. Para ele uma obra poderia nascer, se desenvolver e se organizar como uma planta.

“Quando a necessidade surgir, leve seus alunos para a natureza. Deixe que experimentem, como um botão se forma, como uma árvore cresce, como uma borboleta nasce. Eles também se tornarão tão ricos e tão determinados quanto à natureza, pois a contemplação é uma revelação. Um olhar sobre o ateliê de Deus. É no que repousa o mistério da criação.” Klee

Paul Klee era um observador minucioso das pequenas coisas do mundo que o rodeava, pois ele sabia que era no detalhe que ele encontraria o que buscava. Porém, ele não ia à natureza como um pintor que busca um motivo ou tema. Ele a observava, não para reproduzi-la, mas para descobrir sua essência.  

“Na arte, nunca se precipita nada. É preciso sempre deixar a obra desabrochar ao seu ritmo. E se um dia ela chegar à maturidade, melhor ainda.” Klee

Desde meus estudos sobre o impressionismo venho refletindo sobre as aproximações da arte com a natureza inspirando a ampliação das práticas arteterapêuticas para além das quatro paredes do setting. Os impressionistas se deslocaram do interno da academia para pintar suas impressões ópticas da natureza.

Klee também nos inspira ao encontro com a natureza, porém não para pintar o que podemos ver, mas na busca de sua essência: a criação. Pois sua contemplação nos proporciona uma revelação.

O diálogo com Paul Klee, outros artistas e a História da Arte com a Arteterapia, segue como uma pesquisa e um deleite! A jornada continua.


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Sobre a autora: Eliana Moraes



Arteterapeuta e Psicóloga.
Especialista em Gerontologia e saúde do idoso e cursando MBA em História da Arte.

Fundadora e coordenadora do "Não Palavra Arteterapia".
Escreve e ministra cursos, palestras e supervisões sobre as teorias e práticas da Arteterapia. 
Atendimentos clínicos individuais e grupais em Arteterapia. Nascida em Minas Gerais, coordena o Espaço Não Palavra no Rio de Janeiro.
Autora do livro "Pensando a Arteterapia" CLIQUE AQUI

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