Por
Eliana Moraes (MG) RJ
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@naopalavra
Neste texto dou continuidade
às reflexões que a exposição “Equilíbrio Instável”, que esteve em cartaz no
CCBB-RJ até o mês passado, tanto me despertou. Uma ampla exposição sobre a vida
e obra de um dos mais importantes artistas do século XX, Paul Klee, me atravessou
pessoalmente e como arteterapeuta.
No texto anterior conto um
pouco sobre a vida do artista e destaco três pontos sobre seus pensamentos, aos
quais convido ao leitor que não teve a oportunidade lê-lo, o faça antes de
seguir esta leitura. Ratifico também o convite para que busque o documentário
“O diário de um artista”, disponível no youtube, para que possa enriquecer seu
estudo.
Hoje destaco três inspirações
que Paul Klee nos oferece, mais destinadas a práticas que podem ser atualizadas
nos settings arteterapêuticos, não apenas a partir do que mais conhecemos do
artista, como as pinturas em aquarela, mas na experimentação de outras
possibilidades. Lembro aqui que as referências do texto são extraídas das
legendas da exposição e as citações foram transcritas do documentário referido.
1) As
marionetes e fantoches: o mundo imaginário
Paul Klee era antes de tudo, um pintor do sonho e da
poesia. Seu rico mundo imaginário é evidente ao longo de sua obra. Era também um
apaixonado espectador do teatro, da ópera ao popular teatro de fantoches.
Personagens de músicas e de peças dramatúrgicas como o palhaço, a marionete ou
o acrobata povoavam seu imaginário. Klee fez constantes associações entre o
teatro e a vida. Em suas obras, as representações de personagens como o
equilibrista ou o acrobata, com suas arriscadas exibições de equilíbrio e em
risco constante, assemelhavam-se à insegurança da vida do artista. Como um
espectador de teatro, Klee observava as pessoas ao seu redor e comentava os
acontecimentos nas suas obras, quase sempre com uma visão irônica e
distanciada.
A
brincadeira com marionetes começou despretensiosamente, para distrair o filho
ainda pequeno e dali nasceu um teatro de marionetes. Estas refletiam seu mundo
imaginário e o permitiam fazer uma paródia do mundo dos adultos. Criou
personagens como “O poeta coroado”, “O barbeiro de Bagdá”, “O nacionalista
alemão” e “a morte”.
“Meu pai criou umas 50
figuras. Fazia as cabeças com gesso ou com outros materiais como caixas de
fósforo, ossos de boi e papel maché. Ele mesmo dirigia as cenas e criou uma
marionete com a sua aparência.” Felix Klee
A criação de personagens
compõe o repertório do arteterapeuta. O diálogo com Paul Klee pode nos inspirar
na rica associação entre o teatro e a vida. Na criação de fantoches ou
marionetes e buscando inspirações nos acontecimentos cotidianos, de forma
lúdica nascem personagens que carregam ricas metáforas e simbolismos que
colaboram para o processo de espelhamento e autoconhecimento dos
experienciadores da Arteterapia.
Trabalho de Arteterapia
2) As
técnicas e materiais
Um dos seguimentos da
exposição muito me encantou, ao mostrar que Paul Klee era um artista que
gostava muito de fazer experiências com materiais. Ele construía suas próprias
ferramentas e como suporte para seus quadros não hesitava em explorar materiais
inusitados. Os suportes de suas pinturas
mostram uma variedade excepcionalmente grande, como diversos tipos de
papéis, madeira, tecidos variados como tela, juta, seda, algodão, musselina,
pano de camisa, tecido adamascado, ou gaze. Klee colava esses tecidos sobre um
segundo suporte rígido ou sobre um outro tecido preso em bastidor. As
superfícies das camadas de revestimento eram diversas: grossas, finas,
pastosas, enrugadas ou riscadas. Com ou sem revestimento, o tecido já servia ao
artista como elemento estrutural da superfície.
Klee desenvolveu também
técnicas próprias, até então nunca aplicadas à pintura. Por esta razão, muitos
de seus trabalhos são frágeis e sensíveis, e requerem algumas condições muito
específicas para serem expostos. Três técnicas do artista destacadas na
exposição são “Desenho transferido a óleo”, “Técnica da ranhura” e “Técnica do
borrifado”, que valem a pena uma pesquisa mais profunda.
Aqui o artista nos inspira à
criatividade na experimentação de materiais. A abertura para além dos materiais
tradicionais de arte é um dos legados da Arte Moderna que cooperam para a
Arteterapia. Acredito que investir na experimentação e crescente intimidade com
diversos materiais faz parte da construção continuada de um arteterapeuta.
Pessoalmente, esta abertura para a pesquisa da pluralidade e propriedades dos
materiais foi fundamental para a construção da minha identidade profissional,
que migrou de uma psicóloga que utilizava de técnicas expressivas, para uma
arteterapeuta propriamente dita.
Klee é uma inspiração para
nós, tanto ao experimentarmos as técnicas e materiais que ele ousou
experimentar, quanto para que cada um de nós aguce a intuição para nossas
próprias experimentações.
3) A
ligação com a natureza
Paul Klee era um artista que
mantinha uma profunda ligação com a natureza. Para ele, as leis da natureza são
parecidas com as do processo de criação artística. Ele a contemplava em seu
movimento, como por exemplo em uma folha de árvore. Ele observava os fenômenos
de crescimento mais elementares e os transpunha para a composição. Para ele uma
obra poderia nascer, se desenvolver e se organizar como uma planta.
“Quando
a necessidade surgir, leve seus alunos para a natureza. Deixe que experimentem,
como um botão se forma, como uma árvore cresce, como uma borboleta nasce. Eles
também se tornarão tão ricos e tão determinados quanto à natureza, pois a
contemplação é uma revelação. Um olhar sobre o ateliê de Deus. É no que repousa
o mistério da criação.” Klee
Paul Klee era um observador
minucioso das pequenas coisas do mundo que o rodeava, pois ele sabia que era no
detalhe que ele encontraria o que buscava. Porém, ele não ia à natureza como um
pintor que busca um motivo ou tema. Ele a observava, não para reproduzi-la, mas
para descobrir sua essência.
“Na
arte, nunca se precipita nada. É preciso sempre deixar a obra desabrochar ao
seu ritmo. E se um dia ela chegar à maturidade, melhor ainda.” Klee
Desde meus estudos sobre o impressionismo
venho refletindo sobre as aproximações da arte com a natureza inspirando a
ampliação das práticas arteterapêuticas para além das quatro paredes do
setting. Os impressionistas se deslocaram do interno da academia para pintar
suas impressões ópticas da natureza.
Klee também nos inspira ao
encontro com a natureza, porém não para pintar o que podemos ver, mas na busca
de sua essência: a criação. Pois sua contemplação nos proporciona uma
revelação.
O diálogo com Paul Klee,
outros artistas e a História da Arte com a Arteterapia, segue como uma pesquisa
e um deleite! A jornada continua.
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Sobre a autora: Eliana Moraes
Arteterapeuta e Psicóloga.
Fundadora e coordenadora do "Não Palavra Arteterapia".
Escreve e ministra cursos, palestras e supervisões sobre as teorias e práticas da Arteterapia.
Atendimentos clínicos individuais e grupais em Arteterapia. Nascida em Minas Gerais, coordena o Espaço Não Palavra no Rio de Janeiro.
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