Por
Eliana Moraes (MG) RJ
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A jornada de estudo sobre
grandes artistas e suas aplicabilidades, diretas ou indiretas, nas práticas da
Arteterapia cada vez mais torna-se fascinante. Recentemente mergulhei em um
diálogo com Paul Klee a propósito da exposição “Equilíbrio Instável” que esteve
no CCBB-RJ de 15 de maio a 12 de agosto de 2019. Particularmente, conhecia
algumas poucas informações sobre este artista, pois sabia de sua convivência e
afinidade com Wassily Kandinsky, um artista que tanto admiro e estudo. A
exposição veio para me apresentar Paul Klee com muita riqueza e profundidade e
hoje trago alguns fragmentos do meu diálogo com este artista, na intenção de
contribuir para o diálogo entre História da Arte e Arteterapia.
Paul Klee (1879-1940), um dos
artistas mais importantes do século XX, nasceu em Berna, capital da Suíça e
ainda jovem sentiu-se atraído por Munique, cidade alemã que era um dos mais
importantes polos artísticos da época. Entre 1916 e 1918, foi recrutado para
servir na Primeira Guerra Mundial, mas como não foi destacado para os campos de
batalha, sobrava-lhe tempo para continuar sua trajetória artística.
Klee era um artista rico,
transitava entre pintura, escrita e música. Tinha o hábito de registrar em seu
diário memórias de sua infância, sonhos, reflexões sobre a pintura e música,
narrativas de viagens... Este diário tornou-se fonte de muito do que hoje
podemos ter acesso de seus pensamentos e teorias.
Em 1921 passou a lecionar na
Bauhaus, uma escola vanguardista alemã de desing e arquitetura, mas as
atribuições como professor aos poucos foram se tornando insuportáveis, pois
sobrava-lhe pouco tempo para a criação individual.
Após a tomada de poder pelos
nacional-socialistas, Paul Klee, como muitos artistas, foi perseguido e
boicotado. Em 1933, bastante confrontado com o cotidiano alemão daqueles
tempos, o artista e sua esposa retornam para Berna, depois de ter sido atacado
pelos meios de comunicação e sua casa ter sido revistada. Na Suíça, Klee passou
os últimos anos de sua vida, bastante consternado com o cenário político que se
desenhava. Observando suas obras deste período, descobrimos um homem aflito,
que se isolava, sofria, mas que reagia e se exprimia em silêncio através de seu
trabalho. Sua arte se transformou em figurações rabiscadas, nervosas, as vezes
violentas, produzindo 245 desenhos somente neste ano.
A última fase criativa de Klee,
em seus trabalhos tardios, é marcada por seu estado de saúde precário. Ele foi
acometido por esclerodermia, que fez endurecer seus tecidos conjuntivos, a pele
e os órgãos internos. Em seus últimos anos de vida criou uma obra multifacetada
e rica até sua morte em 1940.
A exposição “Paul Klee –
Equilíbrio Instável” apresentou-nos uma completa retrospectiva sobre o artista,
exibindo ainda o documentário “The silence of an angel”, que posteriormente descobri disponível no
youtube em português como “Diário de um artista” – documentário ao qual sugiro
que o leitor assista com bastante atenção.
Em uma série de dois textos,
destaco alguns pontos que as teorias e as práticas de Paul Klee me tocaram e inspiraram como
arteterapeuta. As fontes são as legendas da exposição e as citações do artista
são extraídas de seu diário, recitadas no documentário referido.
1) O caminho para o interior, caminho para a
abstração
A citação mais conhecida de
Paul Klee é: “A arte não reproduz o visível, ela torna visível.” Este pensamento
se transformou em um dos princípios fundamentais da arte moderna e esta
declaração sintetiza claramente o movimento de inversão que a arte fazia
naquele momento histórico, deslocando-se do olhar exterior. Em suas reflexões
sobre a arte do retrato, técnica inventada e popularizada não há muito tempo em
seus dias, dizia: “... a minha intensão não é refletir a superfície assim
como a chapa fotográfica, mas penetrar no interior.”
Klee cresce em uma época em
que o desenvolvimento da ciência e das técnicas amplia os limites da percepção
e propõe novas representações de mundo. O acesso ao que até então era
invisível, se torna possível. E ele faz destas descobertas uma transposição
artística. Seu interesse não estava nas
coisas exteriores, mas na busca da essência:
“Antigamente
pintávamos as coisas que podíamos ver na terra, que gostávamos de ver ou que
gostaríamos de ver. Hoje em dia, a relatividade do visível se tornou uma
evidência e aceitamos ver uma simples partícula na totalidade do universo.” Klee
Assim como Kandinsky, este
caminho para o interior nas expressões artísticas, teve como estímulo a relação
com a música, inspirando-os principalmente em suas obras abstratas. Kandinsky
dizia que a música tinha um acesso direto à alma. Conta-se que antes de pintar,
Klee tocava violino por uma hora, em seguida partia para seu ateliê e “pintava
como um músico”. Em suas experimentações perguntou-se: seria a aquarela a
transição ideal entre figuração e abstração? Uma passagem secreta aberta na
transparência?
Esta inversão de olhar do
exterior para o interior e da arte da representação para a arte da expressão se
faz em essência a concepção de arte que nós arteterapeutas nos embasamos e
bebemos da fonte. Penso que sem esta mudança de percepção histórica, a Arteterapia
não poderia ter sido concebida como prática, saber e profissão.
Como consequência na imagem,
esta que era figurativa, foi se transformando em direção a arte abstrata. Ao
estudarmos a História da Arte nos primórdios da Arte Moderna, constatamos que quanto
mais os artistas se dirigiam para o interior e sua expressão, mais suas imagens
se tornavam abstratas. Esta é a razão pela qual cada vez mais tenho estudado a
arte abstrata e estimulado que os experienciadores da Arteterapia experimentem
expressar suas emoções mais profundas unicamente através da potência das cores
e das formas.
2) A relação com a cor
Em 1914, Klee fez uma viagem
para a Tunísia que mudou sua vida como pintor. Estimulado por tudo o que estava
a sua volta, recebeu uma espécie de revelação e assim desenvolveu uma linguagem
visual própria, afastando-se do modelo da natureza que havia estudado intensamente
na juventude. A Tunísia expandiu seu repertório artístico e assim pôde criar
uma linguagem visual abstrata em aquarelas de pequenos formatos, onde a cor era
experimentada e sentida de uma maneira especial:
“A
atmosfera penetra em mim com tal suavidade que se notar, sinto com cada vez
mais segurança: a cor me possui. Não preciso procurá-la, ela me possui, eu sei
disso. Eis a sensação do momento feliz. A cor e eu somos um, eu sou pintor.”
Klee
A profunda relação com a cor
vai ganhando proporção a medida que ela vai se tornado protagonista na imagem.
No caminho para a abstração, a cor vai ganhando autonomia em relação a figura
ou ao tema:
“Robert
Delanoy encontrou uma solução radical, surpreendente. Seus quadros são
inteiramente abstratos, sem nenhum motivo figurativo conhecido, mas com a
própria cor como assunto. Elas parecem ter uma existência autônoma.” Klee
Ao longo deste processo, desde
suas aquarelas tunisianas, Klee aprofundou suas descobertas cromáticas a partir
de estruturas quadriculadas. Através de múltiplas variações, ele explorou
incessantemente estas possibilidades.
As expressões de “sentimentos
puros” – como nos diz Kandinsky – torna-se cada vez mais possível quando nos
deixamos afetar pela vibração das cores. Para além disto, Klee nos mostra o
caminho para sermos possuídos por ela e assim nos encontrarmos como
pintores.
Estimular, cada vez mais, que
os experienciadores da Arteterapia mergulhem em um profundo diálogo com as
cores, os tornarão mais seguros para explorar esta forma de expressão. Neste
sentido, o contato com os sentimentos se tornará mais direto e segundo Klee,
consequentemente na imagem, a cor ganhará cada vez mais autonomia.
3) O equilíbrio instável
O ensino estimulava Klee. Na
Bauhaus, era encarregado das aulas teóricas de composição pictórica. Interessava-se,
em particular, pelos jogos de equilíbrio e para tanto, se inspirava nas leis da
física. Ele as estudava e depois as transpunha para sua pintura, e para
preparar suas aulas construía móbiles com astes flexíveis, elásticos e
fios.
“Exercícios
de equilíbrio e de movimento aprendem a se ligar ao essencial à função e não à
impressão exterior. Aprende-se a reconhecer as forças subjacentes. Aprende-se
da pré-história do visível.” Klee
A partir destes experimentos,
Klee acreditava que a mão deve ser levada pela linha assim como o equilibrista
deve ser levado como uma corda bamba.
Kandinsky nos dizia que a arte
deveria respeitar o “Princípio da Necessidade Interior” do artista. Klee
mostra-nos sua necessidade interior: o equilíbrio. Ele acreditava que ao buscarmos o diálogo com o equilíbrio
da vida, que não é estático, mas instável, podemos reconhecer nossas forças
subjacentes e o que é essencial. Todo este movimento de diálogo com o
equilíbrio interno nos moveria ao traço na imagem, gerando o visível.
O fascinante diálogo com Klee
continua em um próximo texto, abordando aspectos de sua prática que podem nos
estimular como arteterapeutas!
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Sobre a autora: Eliana Moraes
Arteterapeuta e Psicóloga.
Fundadora e coordenadora do "Não Palavra Arteterapia".
Escreve e ministra cursos, palestras e supervisões sobre as teorias e práticas da Arteterapia.
Atendimentos clínicos individuais e grupais em Arteterapia. Nascida em Minas Gerais, coordena o Espaço Não Palavra no Rio de Janeiro.
Autora do livro "Pensando a Arteterapia" CLIQUE AQUI
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