Por Eliana Moraes
Concluindo a série de textos sobre a Arteterapia com idosos (ver textos anteriores), o terceiro texto abordará alguns dos benefícios cognitivos que o procedimento terapêutico da Arteterapia em suas propriedades pode estimular.
Durante o processo de envelhecimento o cérebro vai sofrendo mudanças estruturais importantes, sendo natural algum declínio nas funções cognitivas. Este declínio pode tornar-se patológico, culminando em algum tipo de demência, a mais conhecida o Alzhimer. Desta forma, é imperativa a estimulação cognitiva, seja para a prevenção ou para a “redução de danos” deste processo.
A estimulação cognitiva:
“... engloba diversas formas de exposição do indivíduo a diferentes aspectos do ambiente, tendo como resultado a manutenção ou o aprimoramento de seu desempenho cognitivo. Essa exposição pode ser a estímulos específicos ou a situações sociais complexas. ” (CONSENZA, 2013, 342)
A Arteterapia em sua riqueza de possibilidades e materiais se apresenta como um rico instrumento para a estimulação cognitiva de pacientes idosos. O processo criativo em Arteterapia propõe ao paciente a autonomia na medida em que o indivíduo se torna independente do terapeuta no fazer, mantendo-se ativo enquanto cria. Ela é eficaz também no trabalho com pacientes já com declínio cognitivo:
"Em pacientes demenciados, o uso de recursos expressivos alternativos [promove] o reforço de todas as capacidades funcionais restantes, por meio da identificação dos potenciais disponíveis." (OHY. 2013 p 143)
"O caminho da arte pode amenizar, ultrapassar ou transformar algumas destas limitações. Para tanto, o arteterapeuta precisará fazer as necessárias adaptações, escolhendo a melhor estratégia, na infinidade de diferentes modalidades expressivas possíveis e úteis, para serem utilizados com este público. Naturalmente é importante ressaltar que haverá um número significativo de idosos que não apresentará grandes limitações, podendo beneficiar-se do trabalho criativo de forma mais livre e fluente." (PHILIPPINI, 2015, 49)
"... é inegável o benefício que as estratégias expressivas podem oferecer. A ativação da sensorialidade é extremamente benéfica para auxiliar na recuperação de capacidades cognitivas perdidas, no desbloqueio de potencialidades e na ampliação da comunicação... E o fazer arteterapêutico dispõe destas estratégias estimuladoras apresentadas de muitas formas, linguagens e técnicas. As novas experimentações plásticas ativam sinapses e conexões neuronais, cujo bom funcionamento é decisivo para que pessoas mantenham ou recuperem a memória." (PHILIPPINI, 2015, p 66-67)
Durante a execução de um trabalho em Arteterapia, o paciente mantém-se atento e concentrado, analisando, planejando, buscando estratégias e soluções criativas para a materialização daquilo que tem em mente. Durante este processo, naturalmente ocorre a estimulação de diversas funções cognitivas. Aqui serão abordadas as seguintes funções: sensação e percepção, linguagem, memória, funções executivas e praxia.
1) Sensação e Percepção
A sensação é o primeiro contato com os estímulos e ela se dá através dos órgãos dos sentidos: visão, paladar, audição, olfato e tato. Já a percepção consiste na aquisição, interpretação, seleção, e a organização das informações obtidas pelos sentidos, ou seja, é o processo de organização da informação sensorial. Assim, a percepção é a função do cérebro que atribui significado aos estímulos sensoriais a partir do histórico de vivências do indivíduo.
Através da Arteterapia:
"A experimentação de diversos materiais auxilia o desenvolvimento da sensorialidade, da sensibilidade e da percepção..." (OHY. 2013. 146)
"As experiências sinestésicas reunindo em uma só atividade expressiva a estimulação múltipla e ativação simultânea de vários canais sensoriais, que podem ser muito benéficas para ativar o processo arteterapêutico." (PHILIPPINI, 2015, 62)
Vale ressaltar que através do estímulo das sensações e percepções, o arteterapeuta poderá trabalhar também as questões subjetivas, emocionais e sociais, do cotidiano e da história do indivíduo.
2) Linguagem
A linguagem se apresenta como uma importantíssima função cognitiva pois dela depende comunicação interpessoal, o suporte do pensamento, a constituição do eu e a expressão. Quando falamos em linguagem, naturalmente pensamos na forma verbal. Entretanto, não podemos negligenciar a linguagem não verbal que tanto compõe a comunicação humana, como a expressão corporal e gestos, as expressões faciais, os sons e as entonações vocais, além da imagem como um todo.
Através das técnicas expressivas em Arteterapia abrimos canais de comunicação para além da expressão verbal. Através da arte, fazemos um convite especial para as linguagens não verbais em suas variadas apresentações estimulando e apurando suas expressões e escutas.
A alteração ou a perda da linguagem se configura uma grande preocupação quanto à saúde cognitiva do idoso. E através dos seus estímulos, a Arteterapia coopera para a capacidade de expressão e compreensão oral, escrita e corporal, além da capacidade de interação social, autogestão e autonomia do indivíduo.
3) Memória
Ao longo da vida cada ser humano vai construindo seu acervo de memórias. E sendo ele único e pessoal, é o que o converte em um “indivíduo”. A memória é um processo complexo que começa na captação de informações pelos sentidos e a partir daí envolve diferentes habilidades e estágios.
Assim, a memória é uma faculdade cognitiva extremamente importante sendo a base de todas as outras funções psíquicas e cognitivas. Os distúrbios a ela acometidos levam à progressiva perda da identidade, prejuízo na capacidade de interagir e de gerenciar a própria vida até o adoecimento físico e emocional.
A cada proposta reflexiva em Arteterapia e o contato com a diversidade de materiais, naturalmente o indivíduo é estimulado a resgatar suas memórias pessoais como suas experiências e biografia. Em paralelo:
"Ao trabalharmos a singularidade de cada material expressivo, possibilitamos o despertar de habilidades esquecidas, “adormecidas”, por meio das propriedades terapêuticas destes materiais." (OHY. 2013. 146)
4) Funções executivas e praxia
Sendo a Arteterapia por definição um convite ao criar, naturalmente implica em um convite ao fazer. Neste contexto é feita a estimulação das funções executivas e da praxia, tão importante no olhar para a saúde do idoso.
As funções executivas são responsáveis por planejamentos, controle inibitório, tomada de decisões, flexibilidade cognitiva, memória operacional, atenção, categorização, fluência e criatividade.
Já a praxia caracteriza-se como uma função complexa que corresponde aos movimentos em função de um resultado, é a capacidade de executar os movimentos ou gestos de maneira precisa de forma intencional com um fim. Ou seja, é a capacidade de realizar atos voluntários no plano prático.
No ato de criar, são acessadas as habilidades para formular objetivos e estratégias, planejar e organizar ações, resolver problemas e buscar soluções, inibir ou iniciar comportamentos apropriados ao contexto e tomar decisões, comparar os planos com as possibilidades de sucesso na execução e corrigir quando necessário. Assim, através do criar são estimulados os pensamentos complexos e o pensamento abstrato além dos movimentos precisos para sua execução.
O estímulo das funções executivas e da praxia é primordial devido à recorrência do comprometimento funcional e sócio-ocupacional, o que acarreta problemas significativos para a adaptação social, a organização das atividades da vida diária e também a saúde emocional.
Através do estímulo ao criar/fazer, a Arteterapia coopera para a preservação da autonomia do indivíduo e adiar o declínio nas atividades do cotidiano. Ao ser estimulado frequentemente ao criar, buscar novas estratégias, soluções, práticas e habilidades, o indivíduo será convidado a uma postura proativa e criativa que certamente refletirá em sua atitude perante a vida.
Assim concluímos que:
"... o fazer arteterapêutico dispõe destas estratégias estimuladoras apresentadas de muitas formas, linguagens e técnicas.
Os desafios da criação artística suprem de forma adequada exercícios de ativação neuronal, chamados genericamente de oficina de memória, e que, às vezes, constituem de práticas muito repetitivas. Já os exercícios de estimulação sensorial no contexto arteterapêutico podem ser simples e produtivos, mas muito diversos entre si, criando um contexto sensorial gerador, ativador e fortalecedor da saúde do cérebro, sendo que um dos correlatos fisiológicos mais importantes é cooperar na ativação do sistema imunológico, já que tendem a retirar os participantes de estados de humor depressivo." (PHILIPPINI, 2015 66-67)
SERIE ARTETERAPIA COM IDOSOS: CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante do exposto, conclui-se que a Arteterapia traz em essência um olhar integral para o ser humano, considerando sua saúde física, psíquica, cognitiva, social e espiritual. Na atuação com idosos especificamente, apresenta-se como um instrumento abrangente e bastante potente pois por definição contempla dois aspectos que demandam a atenção no cuidado com este público: os aspectos psíquico e cognitivo. Em uma sessão de Arteterapia, enquanto trabalha-se questões terapêuticas pertinentes ao paciente ou grupo, simultaneamente, estimula-se as mais variadas funções cognitivas. A participação continuada desta proposta naturalmente contribuirá para a evolução de um processo de envelhecimento com qualidade de vida, dentro da perspectiva da promoção da saúde integral e prevenção de doenças.
Neste contexto o arteterapeuta engajado no trabalho com idosos deverá se instrumentalizar teoricamente sobre os diversos potenciais que possui em suas mãos através da Arteterapia, desenvolvendo seu olhar para cada um dos aspectos aqui abordados e outros, no momento de compor a sessão de Arteterapia. As técnicas, matérias e propostas escolhidas não são feitas de forma aleatória, mas cuidadosamente pensadas em seus variados potenciais e em seguida ele atuará como um grande maestro de uma orquestra numerosa de instrumentos.
Referências Bibliográficas:
COSENZA, Ramon M. et al. Declínio cognitivo, plasticidade cerebral e o papel da estimulação cognitiva na maturidade. In: Neuropsicologia do Envelhecimento: Uma abordagem multidimensional. Ed Artmed. Porto Alegre, RS. 2013.
OHY, Juliana. A doença de Alzheimer e a Arteterapia: benefícios terapêuticos trazidos pelo grupo e a experimentação de recursos plástico. In: Estudos em Arteterapia: A arte e a criatividade promovendo saúde. Ed Wak. Rio de Janeiro, RJ. 2013.
PHILIPPINI, Ângela. Caminho da Arte: Construindo um envelhecimento ativo. Ed Wak. Rio de Janeiro, RJ. 2015.
Caso você tenha se identificado com a proposta do “Não palavra abre as portas” e se sinta motivado a aceitar o nosso convite, escreva para naopalavra@gmail.com
Assim poderemos iniciar nosso contato para maiores esclarecimentos quanto à proposta, ao formato do texto e quem sabe para um amadurecimento da sua ideia.
A Equipe Não Palavra te aguarda!
olá, Elaine. Gostaria de saber quando haverá cursos no Méier para Arteterapia com idosos. Obrigada
ResponderExcluirOlá querida! Eu ainda não tenho previsão de voltar ao Meier.
ResponderExcluirMas posso te indicar um curso na tijuca. Me diga seu email que poderemos falar melhor!
Aguardo. Um beijo
Já vou fazer o curso sobre grupos na Tijuca, mas continuo aguardando algo sobre idosos. Nos vemos lá 😉
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