Por Lucia Palermo - RJ
llpalermo5@gmail.com
INTRODUÇÃO
Meu
Interesse pela cerâmica na Fundação Mokiti Okada, no Rio de Janeiro, há alguns
anos, começou quando eu ainda não era da área de educação. Não só a trajetória
de vida, mas também a formação acadêmica levaram-me a praticar e entender a
Arte Cerâmica como um elemento que, num processo intencional de significação,
contribuiria para o crescimento do ser humano de forma inter e intrapessoal. E
foi a partir dos Projetos de Pesquisa da Pós-graduação em Arteterapia, que
coloquei em prática aquilo em que eu acreditava.
A
partir do desenvolvimento do Projeto Caminhos Facilitadores, é possível
descrever a proposta consciente de um paradigma não linear permeando o objetivo
de uma visão pedagógico da matéria prima barro/argila, como uma ferramenta de
auxílio na alfabetização de crianças e
adolescentes cegos e baixa visão, do Instituto Benjamin Constant - IBC, o qual
é um Centro de Referência, a nível nacional para questões da deficiência
visual. O IBC tem uma Estrutura
Regimentar, integra vários Departamentos e Atividades.
O
Deficiente Visual, seja cego ou
com baixa visão, tem com todos os recursos possíveis, pouco acesso às
informações visuais e, portanto, sua necessidade educacional especial é ter
disponível outras fontes adaptadas de informação para que o conteúdo acessível
a ele seja o mesmo daqueles que enxergam (NUNES; SAIA; TAVARES, 2014)
A
Oficina Inclusiva de Cerâmica com Fins Pedagógicos, que é parte integrante do
Projeto Caminhos Facilitadores, procurou desenvolver ao longo do processo, como
a Arte e a Arteterapia poderiam contribuir, para minimizar e/ou facilitar a
dificuldade da leitura e da escrita dos alunos Deficiente Visuais do IBC, com vivências
da linguagem visual e tátil. E assim, foram desenvolvidas com os alunos,
adaptações curriculares, que são estratégias que favorecem o desenvolvimento do
estudante no contexto de sua escola, considerando suas individualidades,
através do princípio de atenção à diversidade, pois nesse aspecto centrado na
aprendizagem, a informação é arquitetada e reconstruída continuamente (JOSÉ E
COELHO, 1989. In CARLOU, 2018).
Quando
existe uma falha no ato de aprender, segundo Ciasca, 2004, esta exige uma
modificação dos padrões aquisição, assimilação e transformação, seja por vias
internas ou externa do indivíduo (NERES; CORRÊA, 1992-2017).
“A
matéria-prima formada pela energia psíquica antes difusa e fugidia ganha um
continente. Assim, à etapa de dar forma, segue-se a possibilidade de In-Formar,
cumprindo-se a função transcendente. A forma permite que surja a
compreensão, a codificação e a atribuição gradual de significado pela
consciência. O deslocamento seguinte é que, da informação, surge a
possibilidade de transformação, ou seja, a ‘ação de atravessar a forma’
e já está pronto para um novo estágio de funcionamento, comunicação e expressão.”
(Philippni, 2008, pg. 51).
Ao
atravessar as transformações, o homem se configura, se recria.
DESENVOLVIMENTO
Crianças com dificuldade de aprendizagem não apresentam distúrbios neurobiológicos, isto quer dizer que os problemas apresentados têm caráter provisório e suas causas podem ser localizadas em diferentes dimensões do processo de aprendizagem do indivíduo. Consideramos que, estas dimensões são: a) social; b) pedagógica; c) psico-afetiva; d) psico-cognitiva; e) orgânica (WEISS & CRUZ, 2011).
No início
do Projeto, ainda explorando o espaço físico, foi observado, que os alunos
cegos da Oficina Inclusiva de Cerâmica com Fins Pedagógicos, não tinham uma
noção adequada dos conceitos espaciais e por isso, para que se locomovessem de
forma mais independente no ambiente da sala, iniciamos a prática oral e tátil,
conscientizando-os da localização da posição do mobiliário já existente na
sala, onde estavam os materiais a serem utilizados por eles, o local onde os
aventais se encontravam pendurados, onde se colocavam as mochilas, localização
da pia e de como encontrar a bica através do tato, ou seja, fazendo o
reconhecimento de todo o ambiente, pois como afirma Gil (org. N1/2000), os recursos fundamentais de
que dispõe para ajudar a integrar as informações recolhidas no ambiente, é a
percepção tátil e a sonora, além da afetividade.
Com o
passar do tempo, de forma gradativa e respeitando o tempo de cada aluno, fomos
observando o que poderia estimular ainda mais a capacidade de cada um. Fui
observando que preferiam o tom de voz baixo e a forma exploratória tátil e
individualizada para todas as orientações prévias necessárias ao
desenvolvimento das atividades artísticas/pedagógicas.
A
interação propiciada pelas temáticas sugeridas muitas vezes por eles mesmos,
tendo como ponto de partida a vida social e cultural da História da Cerâmica e
a da Cerâmica Marajoara e sua Geometrização, contada de forma contextualizada e
com interação, enriquecia a busca do processo de aprendizagem e o desejo deles
construírem suas obras/cerâmica. Eles respondiam não só concretamente, mas
também cognitivamente. Era maravilhoso. Quando percebemos que já se fazia
presente a evolução da aprendizagem dos alunos, resolvi (como proponente do
projeto e docente da Oficina Inclusiva) continuar a desenvolver o projeto por
mais um ano, logicamente após ter
conversado e acordado com a Chefe da Divisão de
Ensino/IBC.
Segundo
Assman (2004), o Tempo Pedagógico é o tempo dedicado a produzir vivências do
prazer de estar aprendendo. O tempo da escola só se transforma em tempo
pedagógico quando seu transcurso cria um espaço e um clima organizativo propício às
experiências de aprendizagem e como afirma Gil (org.
N1/2000), o aprendizado da leitura e da escrita em
Braille requer um elevado desenvolvimento das habilidades motoras finas, além
da flexibilidade nos punhos e agilidade nos dedos.
A
linguagem visual/tátil da geometrização da Cerâmica Marajoara, como proposta
para o desenvolvimento do processo de alfabetização, através da argila como
recurso tátil, teve subjacente o desenvolvimento psicomotor; o desenvolvimento
das habilidades básicas necessárias ao preparo da leitura e da escrita como diz
José e Coelho (1989); o desenvolvimento de uma diversidade de noções
conceituais de forma concreta, como afirma Nascimento (1997), empregadas no
processo inicial da alfabetização permitindo uma compreensão mais fácil e o uso
flexível de conceitos; o desenvolvimento da percepção tátil.
Constatei
através do diálogo com os alunos, com observação constante e com as informações
passadas pelos seus responsáveis, que as limitações não eram apenas da falta da
visão e da parte motora. E foi permeando as experiências sensoriais,
perceptivas e reflexivas nas construções concretas, de forma individual e em
grupo, inicialmente através da argila e posteriormente de outros recursos
materiais que iniciei o caminho para minimizar também as outras limitações.
Iniciamos
com a exploração das mãos como identificação de si próprio, que como afirma
Ostrower (2002), a percepção de si mesmo dentro do agir é um aspecto relevante
que distingue a criatividade humana. [...] o ato intencional pressupõe existir
uma mobilização interior, não necessariamente consciente, que é orientada para
determinada finalidade antes mesmo de existir a situação concreta para a qual a
ação seja solicitada.
Alguns
alunos apresentavam algumas dificuldades por não terem podido ser estimulados
quando ainda menores, então a partir do vínculo afetivo, foi promovido a
re-significação do desenvolvimento das sensações tátil-cinestésicas. E foi de
forma gradativa e em vários momentos, que cada elemento da natureza ou material
diferenciado proposto para as atividades, foram explorados de forma tátil
(cegos) e visual (ampliados através da lente de aumento para o aluno baixa
visão).
Após estes momentos de sensações e de identidades, durante o processo de ensino aprendizagem, de forma oral e dentro da fase de entendimento de cada um, foi feita uma analogia das silhuetas das mãos dos alunos com a Arte Rupestres da Pré-História procurando passar para eles, que significava uma forma de expressão e interação entre o homem e a natureza, transformando-a e transformando-se. Faziam muitas perguntas. Mostravam-se interessados e queriam tatear as paredes para sentirem como era. De acordo com PHILIPPINI (2008), [...] neste universo de mãos e materialidade construímos nossa autonomia expressiva e ativamos nosso processo criativo, deste modo, estas mãos são instrumentos potenciais de germinação e construção. Também, afirmam JOSÉ e COELHO (1989), que o preparo para iniciar a leitura e a escrita (alfabetização) depende de uma complexa integração dos processos neurológicos e de uma harmoniosa evolução de habilidades básicas. Assim, sendo o esquema corporal uma das várias habilidades básicas, e que implica o conhecimento do próprio corpo, de suas partes, dos movimentos, das posturas e das atitudes, deve ser estimulado. Continua afirmando, que a criança que não consegue desenvolver bem o seu esquema corporal pode ter sérios problemas em orientação espacial e temporal, no equilíbrio e na postura; dificuldade de se locomover num espaço [...].
E
foi a partir dessa conscientização de suas identidades e do valor que cada uma
das mãos representava, que começamos um caminho constante, gradativo e
agradável do ensino aprendizagem dos elementos básicos que permitissem apreender as noções básicas de
geometria, exercícios psicomotores, técnicas básicas da modelagem da argila, e
[...] outras estratégias de ensino flexível e diferenciadas de modo a
proporcionarem experiências de aprendizagem adequadas e desafiantes [...] (CARLOU,
2018), resultando mais tarde na evolução
dos alunos, propiciando a aprendizagem.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Entendendo,
que uma aprendizagem se faz necessária e que através de materiais expressivos,
tendo a Arte Terapia dialogando com o desenvolvimento dos conceitos básicos
necessários à alfabetização, com a articulação dos conceitos da metodológica
trazida por Ana Mae Barbosa: fazer artístico, apreciação/tátil significativa e
construção do conhecimento, aliado à afirmação de que os alunos com Deficiência
Visual, utilizando estratégias pedagógicas adaptadas e dando ênfase às suas
potencialidades e não às dificuldades, os alunos, conseguiram no final do
projeto, alcançar uma harmoniosa evolução da leitura e da escrita, em Braile e
em Tinta. O Projeto contou com uma equipe multidisciplinar da área de saúde,
com a colaboração da Supervisão de Ensino – DEN do IBC, das estagiárias do
Curso de Pedagogia da Universidade Veiga de Almeida-UVA/RJ, de voluntárias.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ASSMAN,
Hugo. Reencantar a Educação. Ed. Vozes, 2004.
BARBOSA,
Ana Mae. Inquietações e Mudanças no Ensino da Arte. São Paulo: Coprtez, 2002.
CARLOU,
Amanda. Estratégias Pedagógicas para Ensino-Aprendizagem de Estudantes com
Necessidades Educacionais Especiais. Revista Espaço Acadêmico
–n.205-Junho/2018- mensal – ANO XVII.
CIASCA,
Sylvia Maria. Dificuldade de Aprendizagem: compreender para melhor educar.
Simpro, Ano5 - nº 6 – Maio, Rio, Rio de Janeiro: 2004
GIL, Marta
(org). Deficiência Visual. Caderno da TV Escolaa.Brasília: Mec. Secretaria de
Educação a Distância, N1/2000. 80.:Il (Cadernos da TV Escola.1.ISSN 1518-4692)
JOSÉ,
Elizabete da Assunção; COELHO, Maria Teresa, ET al. Problemas de Aprendizagem.
São Paulo: Ática, 1989.
NASCIMENTO,
Regina Maria do, ET al. Arteterapia Revista Imagens da Transformação. R.J.: Clínica
Pomar, 1997. Vol.4/6.
NERES, Celi Corrêa; CORRÊA, Nesdete Mesquita.
Análise dos Artigos na área da Deficiência Visual Publicados na Revista
Brasileira de Educação Especial (1992-2017).
NUNES,
Sylvia da Silveira; SAIA, Ana Lucia; TAVARES, Rosana Elizete. Artigo Educação
Inclusiva: Entre a História, OS Preconceitos, a Escola e a Família.
Universidade Federal de Alfenas; Universidade Federal de Itajubá, 2014.
PHILIPPINI,
Ângela. Imagens da Transformação. Revista de Arteterapia. Agosto/1996-N.3-Vol.3
PHILIPPINI,
Angela. Para entender Arteterapia: cartografias da coragem. 4 ed. – Rio de
Janeiro: Wak: Ed., 2008.
OSTROWER,
Fayga. Criatividade e processos de criação. 16ª ed. Petrópolis:Vozes, 2002.
____________________________________________________________________________
Sobre a autora: Luigina Lucia Palermo Antas
Formação:
Arteterapeuta AARJ
672/0515
Graduação em
Pedagogia/ Licenciatura Plena
Graduação em
Educação Artística - Artes Visuais
Pós graduada em
Arteterapia em Educação e Saúde
Pós graduada em
Psicopedagogia
Formação Clínica em
Arteterapia na Clínica POMAR
Área de
atuação/projetos/trabalho:
Professora
de Artes Plásticas no Município do Rio de Janeiro, no âmbito da Secretaria
Municipal de Educação. Servidora Pública Ativa na Escola Municipal Vital
Brasil/ RJ e na Escola Municipal Albert Schwheitzer/RJ.
Proponente,
coordenadora e docente do Projeto Caminhos Facilitadores do Desenvolvimento
Humano – Publicado no site Instituto
Arte na Escola em Relato de Experiencia; Publicado no Caderno de Resumo
dos Anais do CEDERJ , após conclusão do Curso de Aperfeiçoamento em Educação
Especial e Inclusiva para Professores de Educação Básica/Fundação CECIERJ.
Querida Lucia, que alegria ver este texto tão rico em conteúdo e possibilidades, ampliando a atuação do Arteterapeuta em contextos diferenciados e promovendo inclusão com tanta potência. Espero que seja o primeiro de muitos outros textos. Parabéns e seja bem vinda à Rede Não Palavra. Com carinho, Tania Moreira
ResponderExcluir