Por Claudia Maria Orfei Abe -
São Paulo/SP
Instagram: @claudia_abe_
A vida é arte do encontro embora haja tanto
desencontro pela vida. (Música: Samba da
Benção – Vinícius de Moraes)
Que tal um café na padoca*?
Sim, um café diferente.
Fiz uma proposta para uma
amiga, ao nos despedirmos na calçada em frente a uma padaria.
Em um breve instante de nossa
despedida, me veio uma ideia na cabeça: “O que você acha de fazermos uma série
de encontros aqui na padaria e ao final de cada encontro produzir um desenho?”.
Proposta inusitada e aceita
prontamente!
Após um período de reflexão e
planejamento, com a inspiração de uma cena de um filme que assisti, surgiu o
projeto “Café com Arte”. O filme em questão trazia uma cena de quatro amigas
que se encontravam para um café e ao final do encontro cada uma criava um
desenho, uma pintura. Pois é, neste momento não consigo me lembrar do nome do
filme.
O projeto foi estruturado em oito encontros, um por mês, com duração máxima de uma hora e meia.
Uma proposta
estruturada se dá quando o arteterapeuta já conhece todo o conteúdo a ser
trabalhado. Geralmente essa proposta funciona com encontros pontuais ou um
ciclo breve. Em Arteterapia, uma modalidade muito presente em nosso repertório
são as vivências ou oficinas, caracterizadas por um encontro temático ao qual o
facilitador já possui a estrutura de seu começo, meio e fim. (MORAES, 2023)
Os materiais plásticos que seriam
utilizados foram pensados para uma sequência lógica de materiais “rígidos”,
passando por materiais mais “fluidos” – materiais intermediários ou de
transição – de fácil transporte e sem causar estragos na mesa da padaria.
Durante o encontro, fazíamos a
escolha entre cappuccinos, chocolates e sucos, afinal, alimentaram o corpo a
cada encontro.
A conversa inicial durava
cerca de uma hora, onde trazíamos assuntos que nos incomodavam, planejamentos
de vida, relacionamentos, entre tantos outros temas.
Meia hora final era reservada para a nossa produção plástica, ou seja, o desenho e sua coloração, a escrita criativa e o compartilhamento. Tal e qual um encontro arteterapêutico, porém em um local mais descontraído.
Uma imagem projetada no papel ou em uma escultura, ou em um movimento do corpo, reflete a maneira pessoal de cada um relacionar-se, posicionar-se, de estar no mundo. (URRUTIGARAY, 2011)
Fui percebendo que nossas
despedidas a cada encontro, estavam acontecendo de uma forma mais leve e
alegre.
Como suporte, utilizamos folhas
de sulfite brancas com um círculo desenhado à lápis ao lado esquerdo, deixando
um espaço para escrita criativa ao lado direito da folha.
Alguns materiais de apoio,
caso fossem necessários, também foram disponibilizados: lápis preto, cotonetes,
lenços umedecidos.
Em ordem sequencial, os materiais propostos foram os seguintes: lápis de cor duro, lápis de cor aquarelável, carvão em bastão, giz pastel seco, giz de cera, giz pastel oleoso, canetinhas hidrográficas e water brush** com tinta.
Os
materiais utilizados na técnica de desenho, como o lápis de grafita, com sua
variedade de grau de dureza, os lápis de cor, o lápis de cor aquarelável, os
lápis de cera, o lápis ou bastão de carvão, o bastão de pastel seco e a óleo, a
canetinha hidrocor são instrumentos de elevada importância expressiva e
gráfica. (CARRANO E REQUIÃO, 2013)
Por questões de sigilo de nossos conteúdos trabalhados a cada encontro, colocarei aqui a título de ilustração, apenas duas fotos das produções plásticas.
O contato direto com os materiais de arte vai permitir a materialidade de formas, cores e linhas constituindo a formação do símbolo. É importante perceber como a mobilização de todos os nossos sentidos amplia a percepção visual, despertando o criativo em nosso ser. Na medida em que o ser humano percebe o mundo através do olhar da arte, ele se torna mais inteiro, mais criativo. Encanta-se com as cores e formas da natureza, sentindo prazer em pertencer a este mundo. (CARRANO E REQUIÃO, 2013)
CONSIDERAÇÕES
Ao
lerem esse texto, muitos arteterapeutas poderão se perguntar: “Como assim,
encontros arteterapêuticos numa padaria? Como fica a questão do setting arteterapêutico ?
Eu mesma me indaguei sobre esta questão, ao procurar a definição de setting, em um dos livros de arteterapia:
...precisamos entender que a arte acessa o imaginário e o simbólico e que o “setting terapêutico” é o espaço que viabiliza o local para a criação e a expansão das potencialidades adormecidas, desenvolvendo sentimentos para com questões antes inconscientes, sendo, portanto, um lugar sagrado. (URRUTIGARAY, 2011)
Então, deixo aqui um momento
de reflexão para os profissionais arteterapeutas: qual o seu entendimento sobre
o setting arteterapêutico? Seria uma
sala de atendimento composta de mesa e cadeiras, com poucos estímulos visuais
ao redor; um ateliê de arte que traga muitas possibilidades e um convite à
criatividade; um lugar aberto em meio à natureza, com sons de pássaros e folhas
ao vento?
O fato de o espaço escolhido
ter sido uma padaria, com todos os ruídos e estímulos locais, e a presença de
tantos clientes ocupando e circulando pelo espaço, não interferiram de maneira
alguma durante todo o processo.
Da mesma forma que percorremos
o processo com os materiais plásticos numa sequência que sugeria partir do
rígido para o flexível, tivemos também a percepção do nosso caminhar. Nosso olhar
perante o mundo pode ter sido ampliado e modificado, nossos padrões internos
podem ter descoberto a possibilidade da flexibilidade, a nossa percepção de
caminhos difíceis, árduos, e por vezes complicados, puderam se transformar em
caminhos mais leves acompanhados de alegria.
Nossa própria rigidez precisou
ser trabalhada, nos momentos em que foram necessárias alterações de datas de
encontros, devido festas de final de ano, emergências com entes queridos etc.,
o que causou alteração no cronograma e na previsão do término do projeto.
Enfim, foi uma experiência
muito interessante e criativa em concordância mútua.
Fica aqui uma dica para
arteterapeutas: convide alguém para um café diferente e use seu conhecimento
arteterapêutico para uma experiência incrível! E depois, me conte como foi.
Nota 1:
padoca* – nos referimos à padaria assim, aqui em São Paulo.
Nota
2:
water brush** – um tipo de pincel.
Nota 3: a
participante fez a revisão deste texto e autorizou sua publicação, inclusive da
foto de seu trabalho.
Bibliografia:
CARRANO, Eveline e REQUIÃO,
Maria Helena – Materiais de arte: sua linguagem subjetiva para o
trabalho terapêutico e pedagógico. – Rio de Janeiro: Wak Editora, 2013.
URRUTIGARAY, Maria Cristina. Arteterapia:
a transformação pessoal pelas imagens. 5ª. Ed. Rio de Janeiro: Wak,2011.
Internet:
https://nao-palavra.blogspot.com/2023/11/
Acessada em 26/03/2024. Práticas Arteterapêuticas e suas Diversas
Modalidades – MORAES, Eliana.
Se você quiser ler meus textos
anteriores neste blog, são eles:
21- Vivência: Uma Experiência
de Encantamento – 06/11/2023
20- O Uso do Giz Pastel Seco
na Art Nouveau de Mucha – 26/09/22
19- Tô Vivo! – 22/08/22
18- A Massa Caseira como
Recurso Arteterapêutico – 18/07/22
17- As Bailarinas de Degas –
16/05/22
16- Degas e as Mulheres –
21/03/22
15- Ah, o Tempo... – 14/02/22
14- As Cores em Marilyn Monroe
– 13/12/21
13- Um Desafio – 11/10/21
12- O Branco no Branco –
23/08/21
11- Tudo Começa em Pizza –
28/06/21
10- Um Material Inusitado – O
Carimbo de Placenta – 10/05/21
9- As Vistas do Monte Fuji –
22/03/21
8- É Pitanga! – 07/12/20
7- O que é que a Baiana tem? –
26/10/20
6- Escrita prá lá de criativa
– 27/09/20
5- Fazer o Máximo com o Mínimo
– 01/06/20
4- Tempo de Corona Vírus,
Tempo de se reinventar – 13/04/20
3- Minha Origem: Itália e
Japão – 17/02/20
2- Salvador Dalí e “As Minhas
Gavetas Internas” – 11/11/19
1- “’O olhar que não se
perdeu’: diálogos arteterapêuticos entre pai e filha” – 19/08/19
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Sobre a autora: Claudia Maria
Orfei Abe
Arteterapeuta e
Farmacêutica-Bioquímica
Esta sou eu, apenas uma pessoa
querendo ajudar pessoas a transformarem suas próprias vidas, fã de Salvador
Dalí e agora aprendendo a dançar com as castanholas. Olé !!
Claudia, adorei a ideia! Parabéns! Mas fiquei curiosa pra saber o nome do filme: já lembrou? Bjo
ResponderExcluirAmei....Café com ARTE !!!!
ResponderExcluirMuito legal essa idéia!👏👏
ResponderExcluirQue bela proposta. Sempre questiono e ME questiono sobre o setting terapêutico. A mágica pode acontecer em qq lugar, se vc permitir. Parabéns pela proposta. Bj
ResponderExcluirMuito boa a proposta, resultado e a explicação. O mais importante é a proposta consistente e organização das emoções e consciência. Parabéns. Rosália
ResponderExcluirAdorei a ideia do café com arte na padoca. Sempre muito criativa!
ResponderExcluirParabéns Querida Cláudia 👏
ResponderExcluirIdeia excelente!
Como gostava de ir aí á Padoca!
Abraço muito apertado e com muitas saudades 🤗
Amei o texto e a ideia! A palavra é "inspiração"!!!
ResponderExcluirClau, que proposta mais inspiradora!
ResponderExcluirQue ideia legal a ideia Claudia!!! Parabéns!!!
ResponderExcluirParabéns Cláudia por manter acesa a vontade de aprender novas habilidades e do autoconhecimento ajudando outros no processo
ResponderExcluirParticipei de uma vivência de arteterapia com a Cláudia e a Rita Maria, foi incrível, muitas emoções, conhecimento e compartilhamento de alegrias.
ResponderExcluirAdorei à ideia .. Clau ! Também fiquei curiosa qto ao nome do filme inspirador rsrs ! Parabéns por sua iniciativa . Bjos
ResponderExcluirAmei essa ideia de Arte Terapia!!! Novos espaços e diferentes medidas ,trazem compreensão e entendimento preciosos!!!
ResponderExcluirClaúdia, que texto legal! Concordando com todas as postagens acima: amei a ideia. Voce é essa pessoa que nos inspira a ir além das quatro paredes, seja em relação ao "setting", seja em relação aos materiais plásticos (basta reler os textos anteriores e constatar a variedade e criatividade no uso de materiais), seja na flexibilidade e leveza em propor maneiras diferentes e criativas de levar à Arteterapia. Parabéns! Já aceitei o convite de fazer "Arte na Padoca". Agora é agendar a viagem . kkkkk Beijos, amiga! Tania Moreira
ResponderExcluirQue texto maravilhoso!!! Concordo e muito com essa possibilidade de usar da nossa criatividade para fazer as coisas "acontecerem"! Uma possibilidade de trazer a arteterapia para "tomar café" de forma leve, onde sentimentos foram acolhidos, envolvendo o olhar mais profundo sobre cada uma, deixando fluir o que certamente estava guardado no mais intimo de cada coração!!! É bem assim!!! Fluiu!!! Bora realizar com responsabilidade já que se tem o conhecimento sobre os benefícios da arteterapia!! Amei!!!!
ResponderExcluirMuitooo legal está idéia Claudia!!!
ResponderExcluirQuer melhor oportunidade para dar asas a imaginação e projetar sentimentos depois de saborear um gostoso chocolate?
O fato da descontração do lugar e ambiente tornou tudo mais leve e espontâneo.🤗
Eu adoro arte, adoro padaria e adoro uma conversa franca com bons amigos.Sua ideia para mim foi tudo de bom. Qualquer dia também quero ir!! Saudades. Bjs.❤️❤️❤️
ResponderExcluirConheço a Cláudia há alguns anos e sempre que a encontro ou leio algo que escreveu, é motivo de inspiração!
ResponderExcluirEla é uma caçadora de começos e recomeços. Seus olhos brilham com o mundo. Está sempre em estado de alumbramento e alegria com as possibilidades de novidades e símbolos.
É como se a vida dela estivesse começando a cada dia.
Com uma trajetória longa na arteterapia, é mestre e discípulo ao mesmo tempo. O que vai além do conhecimento e torna-se... Sabedoria!
Sim, todos os questionamentos que ela levanta tão generosamente e com delicada irreverência são fundamentais. O consultório do próprio Freud era cheio de estátuas antigas e incontáveis símbolos e deuses gregos, romanos ou egípcios.
Não há mais espaço para ensinamentos tacanhos e engessados, só há espaço para a ... LIBERDADE ABSOLUTA DE CRIAÇÃO!!!
MUITO OBRIGADO, CLÁUDIA!!!
Forte abraço!!!
Arthur Blade
Parabéns Cláudia, sempre muito interessante os seus trabalhos.
ResponderExcluirPodemos sim tornar nosso dia dia melhor e mais belo. Obridada por compartilhar.i
Claudia, eu não sou arteterapeuta mas tenho a arte como terapia há anos - cantar, pintar e mais recentemente aprender a tocar castanholas. Por isso adorei a foto: ela me fez lembrar que preciso me dedicar mais às castanholas pois o equilíbrio, para mim, vem da arte. Penso, então, que o setting pode ser qualquer lugar no qual esse equilíbrio aconteça, onde eu me religo comigo, olho para os meus limites e possibilidades. Havia um regente de orquestra, cujo nome me foge agora, que gostava de reger na rua, no vão livre do Masp, em uma escadaria aberta e dizia que a música deve estar inserida no contexto da cidade e não em uma sala fechada, para um público seleto.
ResponderExcluirPenso que a possibilidade de expressão/reflexão que a arte propicia pode e deve acontecer em qualquer lugar - um galpão emprestado, uma praça, uma obra(!). A padaria, com seus sons, seus aromas, seus personagens é mais um espaço plural, o que não inviabiliza tocar nas questões pessoais/internas de modo individualizado.
Adoro marcar encontros com amigos na padaria e nunca tinha pensado no porqur...adorei a ideia!!!