segunda-feira, 13 de maio de 2024

CAFÉ COM ARTE – A ARTE DO ENCONTRO

 


Encontro na padaria

 

Por Claudia Maria Orfei Abe - São Paulo/SP

Instagram: @claudia_abe_

 

A vida é arte do encontro embora haja tanto desencontro pela vida.  (Música: Samba da Benção – Vinícius de Moraes)

 

Que tal um café na padoca*?

Sim, um café diferente.

Fiz uma proposta para uma amiga, ao nos despedirmos na calçada em frente a uma padaria.

Em um breve instante de nossa despedida, me veio uma ideia na cabeça: “O que você acha de fazermos uma série de encontros aqui na padaria e ao final de cada encontro produzir um desenho?”.

Proposta inusitada e aceita prontamente!

Após um período de reflexão e planejamento, com a inspiração de uma cena de um filme que assisti, surgiu o projeto “Café com Arte”. O filme em questão trazia uma cena de quatro amigas que se encontravam para um café e ao final do encontro cada uma criava um desenho, uma pintura. Pois é, neste momento não consigo me lembrar do nome do filme.

O projeto foi estruturado em oito encontros, um por mês, com duração máxima de uma hora e meia. 

Uma proposta estruturada se dá quando o arteterapeuta já conhece todo o conteúdo a ser trabalhado. Geralmente essa proposta funciona com encontros pontuais ou um ciclo breve. Em Arteterapia, uma modalidade muito presente em nosso repertório são as vivências ou oficinas, caracterizadas por um encontro temático ao qual o facilitador já possui a estrutura de seu começo, meio e fim. (MORAES, 2023)

 

Os materiais plásticos que seriam utilizados foram pensados para uma sequência lógica de materiais “rígidos”, passando por materiais mais “fluidos” – materiais intermediários ou de transição – de fácil transporte e sem causar estragos na mesa da padaria.

Durante o encontro, fazíamos a escolha entre cappuccinos, chocolates e sucos, afinal, alimentaram o corpo a cada encontro.

A conversa inicial durava cerca de uma hora, onde trazíamos assuntos que nos incomodavam, planejamentos de vida, relacionamentos, entre tantos outros temas.

Meia hora final era reservada para a nossa produção plástica, ou seja, o desenho e sua coloração, a escrita criativa e o compartilhamento. Tal e qual um encontro arteterapêutico, porém em um local mais descontraído. 

Uma imagem projetada no papel ou em uma escultura, ou em um movimento do corpo, reflete a maneira pessoal de cada um relacionar-se, posicionar-se, de estar no mundo. (URRUTIGARAY, 2011) 

Fui percebendo que nossas despedidas a cada encontro, estavam acontecendo de uma forma mais leve e alegre.

Como suporte, utilizamos folhas de sulfite brancas com um círculo desenhado à lápis ao lado esquerdo, deixando um espaço para escrita criativa ao lado direito da folha.

Alguns materiais de apoio, caso fossem necessários, também foram disponibilizados: lápis preto, cotonetes, lenços umedecidos.

Em ordem sequencial, os materiais propostos foram os seguintes: lápis de cor duro, lápis de cor aquarelável, carvão em bastão, giz pastel seco, giz de cera, giz pastel oleoso, canetinhas hidrográficas e water brush** com tinta. 

Os materiais utilizados na técnica de desenho, como o lápis de grafita, com sua variedade de grau de dureza, os lápis de cor, o lápis de cor aquarelável, os lápis de cera, o lápis ou bastão de carvão, o bastão de pastel seco e a óleo, a canetinha hidrocor são instrumentos de elevada importância expressiva e gráfica. (CARRANO E REQUIÃO, 2013)

 

Por questões de sigilo de nossos conteúdos trabalhados a cada encontro, colocarei aqui a título de ilustração, apenas duas fotos das produções plásticas. 





O contato direto com os materiais de arte vai permitir a materialidade de formas, cores e linhas constituindo a formação do símbolo. É importante perceber como a mobilização de todos os nossos sentidos amplia a percepção visual, despertando o criativo em nosso ser. Na medida em que o ser humano percebe o mundo através do olhar da arte, ele se torna mais inteiro, mais criativo. Encanta-se com as cores e formas da natureza, sentindo prazer em pertencer a este mundo. (CARRANO E REQUIÃO, 2013)

 

CONSIDERAÇÕES

Ao lerem esse texto, muitos arteterapeutas poderão se perguntar: “Como assim, encontros arteterapêuticos numa padaria? Como fica a questão do setting arteterapêutico ?

Eu mesma me indaguei sobre esta questão, ao procurar a definição de setting, em um dos livros de arteterapia: 

...precisamos entender que a arte acessa o imaginário e o simbólico e que o “setting terapêutico” é o espaço que viabiliza o local para a criação e a expansão das potencialidades adormecidas, desenvolvendo sentimentos para com questões antes inconscientes, sendo, portanto, um lugar sagrado. (URRUTIGARAY, 2011) 

Então, deixo aqui um momento de reflexão para os profissionais arteterapeutas: qual o seu entendimento sobre o setting arteterapêutico? Seria uma sala de atendimento composta de mesa e cadeiras, com poucos estímulos visuais ao redor; um ateliê de arte que traga muitas possibilidades e um convite à criatividade; um lugar aberto em meio à natureza, com sons de pássaros e folhas ao vento?

O fato de o espaço escolhido ter sido uma padaria, com todos os ruídos e estímulos locais, e a presença de tantos clientes ocupando e circulando pelo espaço, não interferiram de maneira alguma durante todo o processo.

Da mesma forma que percorremos o processo com os materiais plásticos numa sequência que sugeria partir do rígido para o flexível, tivemos também a percepção do nosso caminhar. Nosso olhar perante o mundo pode ter sido ampliado e modificado, nossos padrões internos podem ter descoberto a possibilidade da flexibilidade, a nossa percepção de caminhos difíceis, árduos, e por vezes complicados, puderam se transformar em caminhos mais leves acompanhados de alegria.

Nossa própria rigidez precisou ser trabalhada, nos momentos em que foram necessárias alterações de datas de encontros, devido festas de final de ano, emergências com entes queridos etc., o que causou alteração no cronograma e na previsão do término do projeto.

Enfim, foi uma experiência muito interessante e criativa em concordância mútua.

Fica aqui uma dica para arteterapeutas: convide alguém para um café diferente e use seu conhecimento arteterapêutico para uma experiência incrível! E depois, me conte como foi.

 

Nota 1: padoca* – nos referimos à padaria assim, aqui em São Paulo.

Nota 2: water brush** – um tipo de pincel.

Nota 3: a participante fez a revisão deste texto e autorizou sua publicação, inclusive da foto de seu trabalho.

 

Bibliografia:

CARRANO, Eveline e REQUIÃO, Maria Helena – Materiais de arte: sua linguagem subjetiva para o trabalho terapêutico e pedagógico. – Rio de Janeiro: Wak Editora, 2013.

URRUTIGARAY, Maria Cristina. Arteterapia: a transformação pessoal pelas imagens. 5ª. Ed. Rio de Janeiro: Wak,2011.

Internet:

https://nao-palavra.blogspot.com/2023/11/ Acessada em 26/03/2024. Práticas Arteterapêuticas e suas Diversas Modalidades – MORAES, Eliana.

 

Se você quiser ler meus textos anteriores neste blog, são eles:

21- Vivência: Uma Experiência de Encantamento – 06/11/2023

20- O Uso do Giz Pastel Seco na Art Nouveau de Mucha – 26/09/22

19- Tô Vivo! – 22/08/22

18- A Massa Caseira como Recurso Arteterapêutico – 18/07/22

17- As Bailarinas de Degas – 16/05/22

16- Degas e as Mulheres – 21/03/22

15- Ah, o Tempo... – 14/02/22

14- As Cores em Marilyn Monroe – 13/12/21

13- Um Desafio – 11/10/21

12- O Branco no Branco – 23/08/21

11- Tudo Começa em Pizza – 28/06/21

10- Um Material Inusitado – O Carimbo de Placenta – 10/05/21

9- As Vistas do Monte Fuji – 22/03/21

8- É Pitanga! – 07/12/20

7- O que é que a Baiana tem? – 26/10/20

6- Escrita prá lá de criativa – 27/09/20

5- Fazer o Máximo com o Mínimo – 01/06/20

4- Tempo de Corona Vírus, Tempo de se reinventar – 13/04/20

3- Minha Origem: Itália e Japão – 17/02/20

2- Salvador Dalí e “As Minhas Gavetas Internas” – 11/11/19

1- “’O olhar que não se perdeu’: diálogos arteterapêuticos entre pai e filha” – 19/08/19

_____________________________________________________________

Sobre a autora: Claudia Maria Orfei Abe


 
 

Arteterapeuta e Farmacêutica-Bioquímica

Esta sou eu, apenas uma pessoa querendo ajudar pessoas a transformarem suas próprias vidas, fã de Salvador Dalí e agora aprendendo a dançar com as castanholas. Olé !!

21 comentários:

  1. Claudia, adorei a ideia! Parabéns! Mas fiquei curiosa pra saber o nome do filme: já lembrou? Bjo

    ResponderExcluir
  2. Muito legal essa idéia!👏👏

    ResponderExcluir
  3. Que bela proposta. Sempre questiono e ME questiono sobre o setting terapêutico. A mágica pode acontecer em qq lugar, se vc permitir. Parabéns pela proposta. Bj

    ResponderExcluir
  4. Muito boa a proposta, resultado e a explicação. O mais importante é a proposta consistente e organização das emoções e consciência. Parabéns. Rosália

    ResponderExcluir
  5. Adorei a ideia do café com arte na padoca. Sempre muito criativa!

    ResponderExcluir
  6. Parabéns Querida Cláudia 👏
    Ideia excelente!
    Como gostava de ir aí á Padoca!
    Abraço muito apertado e com muitas saudades 🤗

    ResponderExcluir
  7. Amei o texto e a ideia! A palavra é "inspiração"!!!

    ResponderExcluir
  8. Clau, que proposta mais inspiradora!

    ResponderExcluir
  9. Que ideia legal a ideia Claudia!!! Parabéns!!!

    ResponderExcluir
  10. Parabéns Cláudia por manter acesa a vontade de aprender novas habilidades e do autoconhecimento ajudando outros no processo

    ResponderExcluir
  11. lygualberto@gmail.com14 de maio de 2024 às 06:50

    Participei de uma vivência de arteterapia com a Cláudia e a Rita Maria, foi incrível, muitas emoções, conhecimento e compartilhamento de alegrias.

    ResponderExcluir
  12. Adorei à ideia .. Clau ! Também fiquei curiosa qto ao nome do filme inspirador rsrs ! Parabéns por sua iniciativa . Bjos

    ResponderExcluir
  13. Stella Maris de Morais14 de maio de 2024 às 09:09

    Amei essa ideia de Arte Terapia!!! Novos espaços e diferentes medidas ,trazem compreensão e entendimento preciosos!!!

    ResponderExcluir
  14. Claúdia, que texto legal! Concordando com todas as postagens acima: amei a ideia. Voce é essa pessoa que nos inspira a ir além das quatro paredes, seja em relação ao "setting", seja em relação aos materiais plásticos (basta reler os textos anteriores e constatar a variedade e criatividade no uso de materiais), seja na flexibilidade e leveza em propor maneiras diferentes e criativas de levar à Arteterapia. Parabéns! Já aceitei o convite de fazer "Arte na Padoca". Agora é agendar a viagem . kkkkk Beijos, amiga! Tania Moreira

    ResponderExcluir
  15. Que texto maravilhoso!!! Concordo e muito com essa possibilidade de usar da nossa criatividade para fazer as coisas "acontecerem"! Uma possibilidade de trazer a arteterapia para "tomar café" de forma leve, onde sentimentos foram acolhidos, envolvendo o olhar mais profundo sobre cada uma, deixando fluir o que certamente estava guardado no mais intimo de cada coração!!! É bem assim!!! Fluiu!!! Bora realizar com responsabilidade já que se tem o conhecimento sobre os benefícios da arteterapia!! Amei!!!!

    ResponderExcluir
  16. Muitooo legal está idéia Claudia!!!
    Quer melhor oportunidade para dar asas a imaginação e projetar sentimentos depois de saborear um gostoso chocolate?
    O fato da descontração do lugar e ambiente tornou tudo mais leve e espontâneo.🤗

    ResponderExcluir
  17. Eu adoro arte, adoro padaria e adoro uma conversa franca com bons amigos.Sua ideia para mim foi tudo de bom. Qualquer dia também quero ir!! Saudades. Bjs.❤️❤️❤️

    ResponderExcluir
  18. Conheço a Cláudia há alguns anos e sempre que a encontro ou leio algo que escreveu, é motivo de inspiração!

    Ela é uma caçadora de começos e recomeços. Seus olhos brilham com o mundo. Está sempre em estado de alumbramento e alegria com as possibilidades de novidades e símbolos.

    É como se a vida dela estivesse começando a cada dia.

    Com uma trajetória longa na arteterapia, é mestre e discípulo ao mesmo tempo. O que vai além do conhecimento e torna-se... Sabedoria!

    Sim, todos os questionamentos que ela levanta tão generosamente e com delicada irreverência são fundamentais. O consultório do próprio Freud era cheio de estátuas antigas e incontáveis símbolos e deuses gregos, romanos ou egípcios.

    Não há mais espaço para ensinamentos tacanhos e engessados, só há espaço para a ... LIBERDADE ABSOLUTA DE CRIAÇÃO!!!

    MUITO OBRIGADO, CLÁUDIA!!!

    Forte abraço!!!

    Arthur Blade

    ResponderExcluir
  19. Parabéns Cláudia, sempre muito interessante os seus trabalhos.
    Podemos sim tornar nosso dia dia melhor e mais belo. Obridada por compartilhar.i

    ResponderExcluir
  20. Claudia, eu não sou arteterapeuta mas tenho a arte como terapia há anos - cantar, pintar e mais recentemente aprender a tocar castanholas. Por isso adorei a foto: ela me fez lembrar que preciso me dedicar mais às castanholas pois o equilíbrio, para mim, vem da arte. Penso, então, que o setting pode ser qualquer lugar no qual esse equilíbrio aconteça, onde eu me religo comigo, olho para os meus limites e possibilidades. Havia um regente de orquestra, cujo nome me foge agora, que gostava de reger na rua, no vão livre do Masp, em uma escadaria aberta e dizia que a música deve estar inserida no contexto da cidade e não em uma sala fechada, para um público seleto.
    Penso que a possibilidade de expressão/reflexão que a arte propicia pode e deve acontecer em qualquer lugar - um galpão emprestado, uma praça, uma obra(!). A padaria, com seus sons, seus aromas, seus personagens é mais um espaço plural, o que não inviabiliza tocar nas questões pessoais/internas de modo individualizado.
    Adoro marcar encontros com amigos na padaria e nunca tinha pensado no porqur...adorei a ideia!!!

    ResponderExcluir