O presente artigo, através de pesquisa
bibliográfica, objetiva mostrar que a Biblioterapia possui uma função social relevante
e que através da Literatura, temas como o da diversidade, podem ser
desenvolvidos a partir de encontros biblioterapêuticos, gerando conhecimento,
empatia, escuta e afetuosidade, de maneira ética e respeitosa. Considerando que
a Biblioterapia tem como base fundamental de seu trabalho, a utilização da
palavra no universo literário, entendo que é relevante iniciar o texto, a
partir do significado da palavra “diversidade”. Diversidade, diferença,
variedade, pluralidade etc., é um conceito fundamental para o estabelecimento
da vida, em seus variados e maravilhosos aspectos, em um mundo rico em
estruturas e pessoas que se destacam, justamente por suas singularidades e especificidades.
A diversidade se caracteriza por registrar tudo aquilo que
possui múltiplas facetas e que, em função desta multiplicidade, se diferenciam
entre si. Assim, podemos pensar nas diferentes formas de diversidade, ou seja,
a cultural, a biológica, a étnica, a linguística, a religiosa etc. Em função
desta pluralidade de humanos e não-humanos, acabamos por vivenciar situações
que, infelizmente, traduzem o que podemos chamar, na falta de um termo melhor,
de preconceito, ou seja, um conceito julgado previamente, sobre algo ou alguém,
que na concepção do outro, por ser diferente, não pode ser validado e
confirmado como elemento de existência e/ou subjetividade, gerando muitas
vezes, a discriminação.
Em
termos conceituais, podemos distinguir ainda preconceito de discriminação. O preconceito
está relacionado a questões afetivas, a uma preferência por um grupo em
detrimento de outro. A discriminação, por sua vez, consiste em um
comportamento. Na discriminação racial, portanto, pessoas que fazem parte de
grupos raciais não dominantes (p. ex., pretos e pardos) são tratadas de forma
distinta em virtude de sua cor da pele. (SACCO, COUTO, KOLLER, 2016)
Dentro
deste contexto, podemos perceber uma categoria de preconceito caracterizada por
ocorrer em relação à aparência, isto é, quando toma por pretexto
para as suas manifestações os traços físicos do indivíduo, a fisionomia, os
gestos, o sotaque, as atitudes, práticas e comportamentos sociais etc., o que é
o caso, entre outros, de pessoas deficientes, mulheres, pessoas obesas e a
comunidade LGBTQIA+, ou seja, minorias que não se enquadram nas expectativas
estéticas hegemônicas, em que padrões pré-estabelecidos caracterizam o outro
como “diferente”. Em contrapartida, é verificada também. outra forma de preconceito,
ou seja, quando basta a suposição de que o indivíduo descende de certo grupo
étnico, para sofrer as suas consequências, como no caso da população preta, das
comunidades indígenas, de grupos de imigrantes, quilombolas, refugiados,
ciganos etc.
Há séculos, grupos sociais vistos como
diferentes, sofrem exploração e são segregados, visto que passam a não
constituir o universo do “nós”, mas sim do “eles”, numa atitude desumanizadora
e excludente, em que lhes é imposta a distância de suas culturas e de suas ancestralidades.
Em função desta realidade, podemos constatar o desrespeito e a humilhação de
indivíduos pertencentes a esses grupos, que chegam a procurar a devida
adequação social, para terem a sensação de serem inseridos e aceitos. É o caso,
por exemplo, de algumas mulheres pretas, que insistem em alisar seus cabelos,
para se sentirem valorizadas com os parâmetros estéticos determinados pela
cultura ocidental branca. Em diferentes produções literárias, voltadas
principalmente para o público infanto-juvenil, vários escritores já expressam
suas preocupações e ideias a respeito deste assunto, em função das novas
gerações. Podemos citar um trecho do livro O cabelo de Lelê, de Valéria Belém.
Puxado,
armado, crescido, enfeitado, torcido, virado, batido, rodado, São tantos
cabelos, tão lindos, tão belos! Lelê gosta do que vê! Vai à vida, vai ao vento.
Brinca e solta o pensamento. Descobre a beleza de ser como é. Herança trocada
no ventre da raça. Do pai, do avô, de além-mar, até. (BELÉM,2012)
A produção literária, se alicerça na
narração do mundo vivido, empírico, isto é, a partir da ficção ou de narrativas
reais, apresenta ao leitor a possibilidade de, através do partilhar de
experiências, despertar emoções, sentimentos, memórias e reflexões. Desta
forma, a prática da Biblioterapia, seja a Clínica ou a de Desenvolvimento, abre
uma gama de possibilidades para a conexão com esse público, que necessita desta
mediação para alcançar novos horizontes cognitivos, psicológicos e
socioculturais próprios. É nesse contexto que o outro pode ser visto e
valorizado em sua alteridade.
É
preciso lembrar que é tarefa dos mediadores do livro permitir que todos tenham
acesso a seus direitos culturais. E que entre estes direitos figura,
certamente, o direito ao saber e à informação em todas as suas formas. Figura
também o direito ao acesso à própria história e à cultura de origem. Também o
direito a se descobrir ou se construir com a ajuda de palavras que talvez
tenham sido escritas do outro lado do mundo ou em outras épocas; com a ajuda de
textos capazes de satisfazer um desejo de pensar, uma exigência poética e uma
necessidade de relatos que não são exclusividade de nenhuma classe social, de
nenhuma etnia. (PETIT, 2013)
O público adulto pode ser apresentado
à muitos autores nacionais e estrangeiros, que têm como foco de suas escritas,
o tema da diversidade e consequentemente, dos entraves e consequências que
surgem a partir de sua evidência. Poderíamos citar no Brasil, Aílton Krenak,
Kaka Werá Jecupé, Eliane Potiguara, Graça Graúna, Daniel Munduruku, como alguns
dos representantes da literatura dos povos originários brasileiros; e Conceição
Evaristo, Djamila Ribeiro, Carolina Maria de Jesus, Ryane Leão, Ana Maria
Gonçalves, Patrícia Melo, mulheres a escrever sobre suas vivências e
realidades, pretas, brancas ou de outras etnias, tão necessárias ao
conhecimento do público brasileiro. No universo estrangeiro, temos também, uma
lista enorme de escritores que abordam temas referentes às variadas formas de
diversidade, como é o caso de Mia Couto, José Eduardo Agualusa, Valter Hugo
Mãe, Chimamanda Ngozi Adichie, Maya Angelou, Angela Davis, Toni Morrison, entre
tantos outros excelentes contadores de histórias escritas em livros ou não,
como é o caso das narrativas orais, que nos oferecem uma riqueza oriunda das
vivências pessoais e o estímulo à fantasia e à imaginação.
Já
vi gente a sair de dentro dos livros. Gente atarefada até com mudar o mundo.
Saem das histórias e vestem-se à pressa com roupas diversas e vão porta fora a
explicar descobertas importantes. Muita gente que vive dentro dos livros tem
assuntos importantes para tratar. Precisamos de estar sempre atentos. Às vezes,
compete-nos dar apoio. Alguns livros obrigam-nos a pôr mãos ao trabalho. Mas
sem medo. O trabalho que temos pela escola dos livros é normalmente um modo de
ficarmos felizes. (MÃE,2015)
É fundamental
que os mediadores leiam e pesquisem sobre temas que não conhecem, entendem ou que
lhes incomoda, para que possam perceber o que o outro desperta neles. Assim
como, devem se colocar em suspense, ignorando por alguns momentos, seus valores
e crenças, para se permitirem viver as histórias do outro, sem julgamentos a
priori. É preciso buscar entender uma realidade diversa, que pode ser
diferente ou até impossível de se perceber, caso não se tenha experienciado
algo semelhante. Jamais entenderemos como é ter características diferentes das
nossas, como ter uma ancestralidade específica. Mas podemos e precisamos tentar
entender, nos questionando: Como se vive isso? Como se sente isso? Como isso
afeta uma realidade? Logo, a Biblioterapia tem uma função social relevante e
pontual. Ela possui ética, escuta, afetuosidade e empatia.
Assim, é fundamental que o mediador de
Biblioterapia, tenha um acervo lido e estudado, a respeito de temas tão
relevantes. É preciso, dentro dos diferentes títulos deste repertório, que se
possa oferecer e perceber aqueles que, antes de tudo, tocaram ao profissional
que os vai levar ao público e que, em conjunto com outras possíveis
dinamizações no encontro, tragam novas ideias, esclarecimentos e, acima de
tudo, emoções e memórias, desencadeadoras de processos afirmativos e
inovadores, para o enriquecimento da subjetividade dos participantes. A partir
dos textos, dos silêncios, das narrativas orais e da interação dos envolvidos,
começam a emergir histórias que se encontravam escondidas e vão dando lugar a sonhos,
fantasias e esperanças, à grupos de pessoas que necessitam contar sua própria
história ressignificada. Essa mudança de olhar oferecida pela Biblioterapia,
aliada à empatia, ajuda o sujeito a se reaproximar de seu mundo, de sua
essência, de sua arte e de suas origens, contribuindo para a transformação
pessoal e fortalecendo os diferentes contatos e vivências.
Referências
BELÉM, V. O cabelo de Lelê.
Rio de Janeiro, IBEP,2012.
MÃE, V. H. Contos de
cães e maus lobos. Portugal, Porto Editora, 2015.
PETIT, M. Leituras: do
espaço íntimo ao espaço público. São Paulo, Editora 34, 2013.
SACCO,
A. M., COUTO, M. C. P. P., KOLLER, S. H. Revisão sistemática de estudos da
psicologia brasileira sobre preconceito racial. Temas em Psicologia, 24(1),
233-250., 2016.
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Sobre a autora: Katia Regina dos Santos
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