milolmedeiros@gmail.com
O filme serve para exercitar o homem nas novas percepções e reações exigidas por um aparelho técnico cujo papel cresce cada vez mais em sua vida cotidiana. Fazer do gigantesco aparelho técnico do nosso tempo o objeto das enervações humanas – é essa a tarefa histórica cuja realização dá ao cinema o seu verdadeiro sentido. (BENJAMIN, 1996, p.174).
Dando continuidade à tônica como a arte do cinema, em Películas Cinematográficas, pode, como recurso, influenciar no processo arteterapêutico, o primeiro texto comunicou como introdução: o Cinema, a Sétima Arte e o que ela representou na Sociedade. O texto de hoje, parte 2 da série, informará em recortes temáticos a cronologia sobre a Cinematerapia e as primeiras experimentações sobre o processo terapêutico no mundo, características, modalidades e identificação de técnicas, assim como a postura terapêutica na aplicação.
Oliva, Vianna e Neto (2010), profissionais da área de Psiquiatria e Psicologia, explicam que o cinema tem sido aplicado com a proposta de intervenção psicoterápica, por meio de indicação de películas, com enfoques científico e educacional - sobre a neurologia e a psiquiatria - já no período do Cinema Mudo Alemão - final do século dezenove e início do vinte. Mas foi a partir dos anos cinquenta que se iniciaram as experiências através de películas com pacientes diversos de um hospital psiquiátrico. A reação dos pacientes passou a ser observada durante a exibição fílmica, na busca da interpretação psicanalítica e dos mecanismos de defesa do paciente, junto aos comportamentos de excitação e de silêncio.
Como resultado em seus efeitos terapêuticos de grupo, observou-se alterações positivas sobre as variáveis comportamentais da educação, da resistência e da ansiedade, entre outros. Na década de sessenta as películas começaram a ser exibidas particularmente com foco nos impactos que poderiam exercer no paciente. Nesse contexto, técnicas comportamentais eram analisadas. A partir disso, ensaios randômicos[1], com pessoas aleatórias começaram a ser realizados e os resultados demonstraram uma melhora significativa nos comportamentos analisados, inclusive, em repetições fílmicas envolvidas na estratégia em demais ensaios ao longo do tempo.
Vários outros estudiosos deram continuidade às pesquisas com a abordagem da técnica sobre o uso de películas comerciais (filmes populares) em psicoterapia, o que possibilitou a partir dos resultados, conteúdos relevantes tanto sobre a utilização da linguagem expressiva no que diz respeito ao comportamento dos pacientes, quanto sobre a postura do terapeuta.
De acordo com Berg-Cross et al. (1190, p.135-57), conforme citado por Oliva et al. (2010, p. 140), “enfatizaram que na Cinematerapia, assim como em qualquer outra tarefa de casa de um processo terapêutico, o terapeuta precisaria”: Selecionar, planejar e preparar adequadamente o paciente para a técnica; realizar o quanto antes a discussão sobre a película assistida; não indicar muitos filmes de uma só vez, correndo-se o risco de falhar a técnica; pedir ao paciente que anotasse os pensamentos e sentimentos em relação ao filme, para serem explicitados nas sessões; as películas seriam indicadas como reforço de uma ideia introduzida na terapia e como estimulo a busca de autocritica por parte do paciente e não seria fundamental que a película interira fosse discutida.
Segundo Hesley e Hesley (2001, n. p.), conforme citado por Oliva et al. (2010, p. 140), “explicitaram as vantagens peculiares da Cinematerapia: alta aderência, pelo pouco tempo cedido por parte do paciente a uma tarefa e possível interação com todo o contexto; de fácil acessibilidade; maior disponibilidade de interação do paciente com os familiares; curiosidade no paciente por descobrir quais razões de o terapeuta indicar determinada película; familiaridade com a atividade e evolução da relação terapeuta-paciente, sendo a técnica uma experiencia comum a ambos.”
Conforme Berg-Cross et al. (1190, p.135-57), citado por Oliva et al. (2010, p. 140), “indicaram que o impacto da Cinematerapia no paciente poderia acontecer de diferentes maneiras”: melhora na comunicação entre terapeuta-paciente; compreensão mais profunda de sua personalidade, a técnica capacitaria o paciente a praticar fora da terapia o que foi aprendido; progresso terapêutico, ocorrência sobre os estágios evolutivos no paciente, partindo de conceitos psicanalíticos: a dissociação, pois o paciente perceberia o retrato das pessoas no filme como distante do seu. Em seguida, a identificação e a internalização - aumentando a chance de o paciente aceitar o tratamento e observar comportamentos relevantes em outras pessoas, com problemas semelhantes, desenvolvendo assim a empatia.
Ainda segundo Hesley e Hesley (2001, n. p.), conforme citado por Oliva et al. (2010, p. 140), “foram os únicos a indicar de forma mais sistematizada os vários objetivos para os quais a Cinematerapia poderia ser utilizada”: oferecer esperança e encorajamento ao paciente por meio da narrativa fílmica; reformular problemas a partir das crises ficcionais dos personagens e fornecer modelos comportamentais de referência; identificar e reforçar forças internas; potencializar emoções; melhorar a comunicação, para pacientes que não conseguem se comunicar bem verbalmente.
Oliva et al. (2010) complementa que o recurso da Cinematerapia seria indicado para pacientes que apresentassem problemas de relação interpessoal. As contraindicações estariam designadas para os grupos de primeira e segunda infâncias, pacientes com transtornos mentais graves, casal com histórico de violência, históricos traumáticos que de alguma maneira se inserem na narrativa fílmica e para as situações de vulnerabilidade que, por sugestão dos autores, as cenas emocionalmente fortes, poderiam ser descritas pelo terapeuta para que o próprio paciente desistisse de assistir a narrativa no caso de se sentir mal e perturbado com o relato.
Muitos estudos intercederam a favor da técnica sobre o uso da Cinematerapia, alguns limitando-se apenas a relatos pessoais e estudos de casos, outros como evidenciados, mais fundamentados apontando para a eficácia do seu uso. Desde então, muitos são os profissionais da área da Psicologia e Desenvolvimento Humano que se utilizam da técnica seja no formato individual ou de grupo. Marcelo Gianini[2], psico-oncologista e especialista em luto utilizam essa técnica em seu trabalho e explica que tal estratégia apoia cognitivamente situações experenciadas pelas pessoas, concluindo que: “elas aprendem a pensar em novas maneiras de agir e isso ajuda na reflexão sobre os padrões comportamentais adotados na atualidade”. São variados os temas abordados nas sessões de cinema desde nascimento, conflitos, enfoques sociais como o preconceito a espiritualidade, adoecimento, envelhecimento chegando ao luto.
Denise Deschamps (2008), psicóloga e autora de Cinematerapia: Entendendo Conflitos, explica que as indicações que realiza aos seus pacientes acontecem após as questões apresentadas em seus atendimentos e ressalta que a técnica como ferramenta auxilia, funcionando como um recurso extra no processo terapêutico. Deschamps complementa que a Cinematerapia pode ser aplicada com foco em variados transtornos psicológicos.
Para a eficácia da técnica, a discussão sobre o conteúdo que marcou e/ou revelou algo ao paciente pós sessão é primordial. Chamando a atenção para o processo de identificação entre paciente e narrativa fílmica a psicóloga Walnei Arenque destaca: “[...] a pessoa deve estar atenta às sensações e aos sentimentos que foram despertados ao assistir ao filme”, pois a narrativa pode fazer com que o paciente passe pelo processo que ela chama de catarse cinematográfica:
A finalidade da indicação de películas no processo psicoterapêutico é o de alcançar junto ao paciente uma possível alteração sobre determinada situação vivenciada, colaborando para o processo terapêutico.A Catarse se dá num processo no qual o expectador sofre uma descarga de desordens emocionais, obtidas por meio da personagem com a qual ele se identificou no filme, e pode se libertar, ou mesmo ter uma melhor compressão de seus conflitos pessoais, revivendo suas experiencias. (PERIN e SILVA, 2010, p.951).
E a técnica da Cinematerapia em um Setting Arteterapêutico? Você deve estar curioso(a) sobre como ocorre a aplicação da técnica e o que ela pode implicar no processo arteterapêutico com suas expressões simbólicas de referência e ênfase sobre todo o processo - como um fator de ativação à compreensão a consciência grupal e individual - certo? Afinal, há em nosso escopo de trabalho o mediador, o que compõe a tríade junto ao Arteterapeuta e o Paciente/Cliente: o material! E com ele uma das funções do Arteterapeuta, a de facilitar o caminho do agir criativo pela materialidade, essa criada pelo paciente/cliente a partir do contexto fílmico trabalhado.
Por essa perspectiva, convido você para a terceira e última parte da série, com enfoque na aplicação das sessões Cinematográficas no setting de Arteterapia. Conheceremos dois cases: O primeiro, pela película britano-estadunidense Chocolat (2001) que apresentará o percurso de um processo arteterapêutico breve, aplicado em um grupo de colaboradores em ambiente empresarial e na modalidade presencial. A segunda, pelo filme A Odisseia, baseado na Odisseia de Homero e levada às telas americanas em maio de 1997. Essa aplicada em ambiente online, no processo arteterapêutico de modalidade continuada, durante a pandemia COVID-19, no ano de 2021.
Espero então, vê-lo(a) em breve!
Até lá!
[2] GIANINI, Marcelo. Os
Segredos da Cineterapia. Guia da Semana, São Paulo, 10, abril
2012.Disponível em:<https://www.guiadasemana.com.br/compras/noticia/os-segredos-da-cinematerapia>. Acesso em
27/08/20.
REFERÊNCIAS
GONÇALVES, Renata. Revista Eletrônica do Grupo PET - Ciências Humanas, Estética e Artes, São Joao Del Rei, Ano 4, n 4, jan/ dez 2008. Disponível em: <https://ufsj.edu.br/portal2- repositorio/File/existenciaearte/Edicoes/4_Edicao/renata_goncalves.pdf>Acesso em:20 jul.2020.
OLIVA, Vitor; VIANNA, Andréa; NETO, Francisco. Cineterapia como Intervenção psicoterápica: características, aplicações e identificação de técnicas cognitivo-comportamentais. Revista Psiquiatria Clínica, São Paulo, v.37, n.3, 2010. Disponível em: < https://doi.org/10.1590/S0101-60832010000300008 > Acesso em: 20 jul.2020.
SILVA, Maria Isabel; PERIN, Laís. Cinema é Considerado Terapia - Rudge Ramos Jornal - Universidade Metodista de São Paulo, ed. 951, 2010. Disponível em:< http://www.metodista.br/rronline/rrjornal/2010/ed-951/cinema-e-considerado-terapia>Acesso em:27jul.2020.
Nenhum comentário:
Postar um comentário