segunda-feira, 23 de maio de 2022

A PRÁTICA DA CINEMATERAPIA COM RELATOS DE GRUPO - PELÍCULA “CHOCOLAT” (PARTE 3)

 

Por Milena Medeiros - Volta Redonda - RJ

milolmedeiros@gmail.com

Com o intuito de levar você leitor(a) a uma experiência mais detalhada sobre a aplicabilidade da técnica da Cinematerapia no Setting de Arteterapia, a série se estenderá por mais um episódio. Dessa forma, o relato de caso que irá acompanha-lo(a) nesse terceiro encontro tratar-se-á da aplicabilidade da técnica, realizada como “estímulo gerador” - uma das fases estruturantes do estágio de Pós Graduação em Arteterapia - em um grupo de seis pessoas, em ambiente corporativo e na modalidade presencial.

 

          O direcionamento e proposta de utilização de um filme em uma das sessões da fase mencionada, partiu após uma sessão de supervisão de estágio pela necessidade de um Estímulo Gerador que pudesse colaborar com todo o processo arteterapêutico grupal até aquele momento experenciado. A tônica de grupo e os insumos trabalhados no Setting até aquele momento orientou a escolha. Assim, películas foram testadas e enredos fílmicos avaliados até a tomada de decisão. Partindo do princípio de que tal exposição pudesse proporcionar através do recurso fílmico, a possibilidade de influência sobre o comportamento do grupo, considerou-se como instrumentos para o estímulo: A disponibilidade de interação com o conteúdo, considerando a imagem, a sonoridade e o enredo; a criatividade por imagens em movimento; a familiaridade com o cotidiano e posturas de encorajamento, como a exemplificação de modelos de comportamento frente a situações aversivas.

 

          Segundo Joya Eliezer[1] (2008, n.p) “[...]cada cena conduz a uma direção emocional. Assim, o filme é um re médio dentro da Arteterapia.” Sobre o processo da relação projeção e identificação diante da técnica aplicada, a Arteterapeuta ressalta que a intenção é a de que o Paciente/Cliente seja acercado por um enredo salutar e que nesse contexto identifique-se e considere, para que a partir de então, possa se comunicar de forma verbal.  Eliezer explica ainda que: 

 

A escolha do filme deve ter sempre uma proposta acolhedora, que vislumbre um final que possa trazer consequências positivas e ressalta que a cautela se faz necessária: A Cineterapia ou filmeterapia deve ser feita por Arteterapeutas. É preciso escolher as obras equilibrando-as ao estado do paciente e, então discutir os efeitos da obra com ele. 

 Chocolat[2] , uma Película comercial do ano de 2001, foi a escolhida. Uma história que comunica a quebra de paradigmas diante das tradições exercidas por uma sociedade que apresenta duas realidades distintas. Uma, a rigidez movida pela tradição e escravizada por normas, com anseios e desejos reprimidos; a outra, uma estrangeira, mãe solteira, livre e sem preconceitos, que chega à cidade expressando-se por meio de seu chocolate, produto fabricado e vendido por ela, numa nova chocolateria que abre durante a quaresma. Um período em que o jejum se faz presente, desencadeando a estranheza decorrente da opressão moral exercida por parte dos moradores de uma cidade pequena e fictícia da França. 

 

 A Linguagem expressiva foi dividida em quatro sessões.  Três sessões fílmicas de quarenta minutos cada com roda de conversas para análise de relatos de grupo, seguida da quarta e última sessão destinada a modalidade expressiva.  A seguir uma síntese acompanhada das sessões fílmicas aos preparativos do Setting Arteterapêutico que se transformou no período, em uma sala de Cinema.

 

A Primeira Sessão foi marcada pela surpresa de um Setting Arteterapêutico temático. O ambiente cinematográfico deu espaço a curiosidade sobre o tema da película a ser explorado. Na mesa posta, um jogo de porcelana compunha o cenário. Chocolate quente cremoso e caseiro, acompanhado de pequenas barras de chocolate, utilizando a matéria prima como fixador psicológico no plano emocional, ligando-o ao enredo fílmico a uma exata cena da narrativa em que cozer o chocolate deixou todo o grupo com “água na boca”.    O interesse em cada cena se mostrou relevante, assim como a atenção aos detalhes, conforme comentários do grupo durante a projeção da película. Após a sessão, um momento foi aberto para que as impressões pudessem ser relatadas. Tradição, mudança de paradigmas, a rejeição dentro de um contexto interno e como os temas reverberaram em cada uma das integrantes, foram os comentários mais relevantes. “A possibilidade de se olhar para o novo”, foi a frase escolhida pelo grupo com referência a narrativa da primeira sessão.

 

  Na segunda sessão, o grupo foi recebido com waffles de chocolate e frutas frescas, uvas e morangos, que foram degustados no decorrer da película. Uma pausa foi feita durante a exibição, pois o grupo não se continha em tecer comentários sobre os comportamentos de alguns personagens, evidenciando a opressão contida em um deles.  O grupo demonstrou curiosidade e ansiedade com a terceira e última parte, que seria apresentada no encontro próximo. Insistências para uma sessão extra no decorrer da semana fecharam o término desta que se deu entre risos e animação.

 

     Na terceira sessão, assim da preparação do setting arteterapêutico para a exibição da parte final da Película Chocolat, vários problemas técnicos surgiram com a estrutura de rede local.  A exibição foi terminada pelo laptop e por consequência, a materialidade expressiva que seria realizada nesse encontro, teve de ser prorrogada para o próximo e também quarto encontro sobre o tema. Sobre contratempos vivenciados no setting, Philippini (2013, p.40) insere que “os deslocamentos por vários espaços para desenvolver o processo terapêutico, às vezes, oferecem interessantes desafios”.

 

Apesar dos contratempos técnicos ocorridos, a sessão aconteceu acompanhada por risos e apreensões de acordo com as cenas exibidas no decorrer do enredo final. Os relados e comentários sobre o desdobrar da história deixou o grupo animado.  Foi solicitada a cada integrante uma palavra ou expressão sobre a experiência referente ao enredo, considerando o filme completo: P1: “punição”; P2: “não ter medo”; P3: “não à religiosidade”; P4: “escolha”; P5: “nada é absoluto, tudo é relativo”; P6: “omissão”;

 

EXPRESSÃO PLÁSTICA: O DOCE ATELIÊ

 

A ideia foi a de recriar uma das cenas da película Chocolat no setting arteterapêutico e proporcionar por meio da potencialidade sensorial do alimento, experiências ativadoras dos sentidos do corpo humano: olfato, visão, audição, tato e paladar; e das emoções: o chocolate como fixador psicológico no plano emocional, ligando-se ao enredo fílmico experenciado. Para tal, o material específico foi providenciado, além dos usuais pincéis: pastilhas de chocolate comestível, folhas individuais de papel manteiga, fogão elétrico e panela de vidro. Com o setting organizado e a mesa posta - a quarta sessão sobre o tema Cineterapia foi iniciada.

 

TRANSFORMANDO SÓLIDO EM LÍQUIDO NO TERRRITÓRIO SAGRADO: com setting devidamente preparado, deu-se início à atividade de pintura:  o chocolate se fez tinta em uma base de papel manteiga. A trilha sonora da Película Chocolat fez parte do momento junto a risos altos do grupo. O setting foi tomado pela alegria junto ao cheiro de chocolate exalado em cada pincelada, que por sua vez, foram-se constituindo em formas e símbolos.

 

  DA ALQUIMIA DA TINTA DE CHOCOLATE À MATÉRIA-PRIMA DA SIMBOLOGIA: Terminada a experimentação com o alimento - chocolate, pelo tempo estipulado, chegou o momento de interação com a imagem construída. Cada integrante acolheu a sua produção plástica com concentração e seriedade. Fez-se silêncio de forma impecável em todo o ambiente.     O grupo ficou impressionado com uma surpresa preparada pela dupla. A materialidade expressiva tornou-se comestível pós secagem da tinta(chocolate) sobre o papel manteiga. Nutrindo-se, então, da própria construção simbólica em chocolate comestível, os relatos individuais foram iniciados:

 

P1: “Fui lá no filme com esse cheiro, a música tocando”. Comentou sobre a importância de se permitir voar e de se liberar.

P.2: comentou sobre a necessidade de estar bem com o corpo, que se sente tranquila e feliz “eu me aceito como sou”, mas comentou sobre a necessidade de estar mais preparada fisicamente para o dia a dia, acompanhando, sem incômodos, a filha pequena nas suas brincadeiras e complementou: “Iniciei academia há duas semanas”, após a segunda sessão da Película.

P.3: “Eu comi tanto, é tudo tão gostoso”. Comentou sobre a chuva, o medo de se molhar e ficar doente, pois já está “velha para se permitir a tais alegrias. Ela (personagem do filme) não tem medo! Mas eu tenho!”. Concluindo nesse momento sua angustia interna.

P.4: Ainda tímida em suas colocações, falou superficialmente sobre sua criação: “Também fiz borboleta, coração... fui fazendo e comendo. (entre risos)

P.5: “Eu fiz casa e flores... acho que é a minha”. Compartilhou com o grupo sobre a conquista da casa própria que por medo do julgamento da família, não concluía o seu sonho. “O filme me deu um novo despertar. Ela (personagem principal da película Chocolat) queria e fazia! Não tinha medo! Eu decidi acreditar e fechei a compra de meu apartamento um dia após a terceira sessão do filme Chocolat”.

P.6: Comentou sobre o fluxo contínuo do Universo e de suas infinitas possibilidades com a necessidade de se abrir para isso. Iniciou o trabalho colocando muita tinta sobre o papel e ao final foi livremente deixando pingos caírem pelo pincel à medida que se sentia “internamente confortável”; P6, já havia expressado a todos do grupo que seu sonho era o de viver em uma cidade pequena.  Percebeu que poderia ir atrás desse sonho e, durante o Ciclo, participou de um concurso público, com a disponibilidade de uma vaga apenas, em uma cidade do interior de Minas Gerais. O primeiro lugar foi o dela e somente partiu após o término da fase do estágio concluída.

 

A Película escolhida revelou-se um estímulo Gerador de potência naquele momento que, aliado às demais sessões experenciadas e seus conteúdos emergidos e trabalhados no setting arteterapêutico, com a finalidade de um novo modo de se perceber e de estar na vida, que contribuísse para uma possível mudança de paradigma, impulsionou as participantes para a tomada de decisões seguida de ações. Cinquenta porcento, na visão grupal, apresentou resultados concretos em sua mudança de postura com objetivos definidos e apresentados após vivência da Cineterapia aplicada neste Processo Arteterapêutico breve. Estatística essa, que demonstra de forma positiva a aplicação da Película, como recurso Arteterapêutico, utilizada dentro de uma dinâmica técnica planejada pelos conteúdos experenciais relacionados nesta pesquisa.

 

 O psicólogo Gary Solomon, autor do livro The Motion Picture Prescription (O Cinema como Remédio) diz que “filmes são o verdadeiro exemplo de como a arte pode imitar a vida[...]se uma pessoa assistir a um filme que se encaixa em sua problemática pessoal, é muito provável que se identifique e encontre um jeito de aprender e crescer com ele, obtendo resultados positivos com essa interação.” (PERIN; SILVA apud SOLOMON, 2010, n.p.)

 

  Espero que você tenha apreciado cada detalhe de toda a aplicabilidade!  No próximo texto “A Odisseia” será relatado em seu contexto fílmico, já no Setting Arteterapeutico em ambiente digital.

 

Espero por você! Até lá!

 

 

 

[1] Psicóloga e Diretora do Instituto Brasileiro de Arte terapia - IBART ELIEZER, Joya. Cineterapia. O Tempo, Belo Horizonte, 28, novembro 2008. Disponível em <https://www.otempo.com.br/pampulha/estilo/cinematerapia-1.10182>Acesso em: 09/07/2020.

[2] Película Comercial: Chocolat Disponível em: https://popcorntime.app/pt_BR/Acesso em: 09/07/2020.

REFERÊNCIAS

 

ELIEZER, Joya. Cineterapia. O Tempo, Betim Super Notícia, Ed. Sempre, Belo Horizonte, 28, novembro 2008. Disponível em <https://www.otempo.com.br/pampulha/estilo/cinematerapia-1.10182>Acesso em: 09 jul.2020. 

PHILIPPINI,  Angela. Grupos em Arte terapia: Redes Criativas para Colorir Vidas. Rio de Janeiro. WAK editora, 2011. 

SILVA, Maria Isabel; PERIN, Laís. Cinema é Considerado Terapia -  Rudge Ramos Jornal - Universidade Metodista de São Paulo, ed. 951, 2010. Disponível em:< http://www.metodista.br/rronline/rrjornal/2010/ed-951/cinema-e-considerado-terapia>Acesso em:27jul.2020.

 ___________________________________________________________________________

Sobre a autora: Milena Medeiros



Arteterapeuta AARJ1122

Olá, Sou Milena Medeiros, uma arteterapeuta com mais de 15 anos de experiência em Gestão de Pessoas no mercado Corporativo. Decidi-me por unir ambas as experiências e hoje atuo, além dos atendimentos individuais arteterapêuticos online, com a Arteterapia no ambiente empresarial.

Algumas formações como preparação a minha profissão de arteterapeuta foram concretizadas e hoje também as utilizo como abordagem no settingPracticioner em PNL (Programação Neuro Linguística); Análise Transacional - UNAT Brasil - Abordagem psicológica de Erick Berne que trata de maneira prática e compreensível os aspectos importantes da personalidade e das relações entre as pessoas; Visão Sistêmica pessoal e Organizacional com base psicoterapêutica de Bert Hellinger. Também sou Colagistas Digital e analógica, processo que aprendi pós introdução à técnica de Soul Collage®. Como Hobbie, tenho a alimentação Viva no coração, também conhecida como crudivorismo que aplico no setting como técnica expressiva com o foco na memória afetiva por meio dos sentidos sensoriais. A pintura com aquarela faz parte de minha vida e por meio dessa técnica estou finalizando a ilustrações de um livro infantil. 

Maior do que um prazer é a alegria por estar no espaço “Não Palavra”! Esses são os meus contatos: (24)999619963, Instagram: @milenaoliveiramedeiros. 

 

3 comentários:

  1. Este comentário foi removido por um administrador do blog.

    ResponderExcluir
  2. Milena, estou encantada com seu texto ! Fui ficando com água na boca ao ler sobre o chocolate quente cremoso, as barras de chocolate, waffles, uvas e morangos. E uma vontade de assistir novamente o filme Chocolat.
    Além de trazer a prática, o que me inspira a fazer essa técnica, seu texto me remeteu às obras de Vik Muniz, que faz também pinturas em chocolate e fotografa depois, para poder expor.
    Parabéns !!!!!
    Abraços, Claudia Abe

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Obrigada, Claudia! Nao resisti e assisti novamente o filme! Rss. Essa técnica me encanta demais!!!!

      Excluir