segunda-feira, 20 de setembro de 2021

GRANDES ARTISTAS NAS PRÁTICAS DA ARTETERAPIA: REMEDIOS VARO

 


                                                                            “Encontro”

Eliana Moraes – MG

naopalavra@gmail.com

Ao longo de minha construção continuada como arteterapeuta, tenho investido em criar meu repertório de obras artísticas que possam dialogar com as questões terapêuticas recorrentes na escuta clínica. Estas expressões podem advir das mais variadas linguagens da arte, as quais poderão afetar, atravessar e provocar o experienciador da Arteterapia:

Como técnica arteterapêutica, com este recurso, estamos explorando o fenômeno da projeção, que se dá como um processo inconsciente automático, pelo qual um conteúdo inconsciente para o sujeito é transferido para um objeto, fazendo com que este conteúdo pareça pertencer ao objetoSegundo Jung, "a razão geral e psicológica das projeções é sempre um inconsciente ativado que busca expressão.” (SHARP, 1991, 127) e é este conteúdo inconsciente ativado que precisamos ouvir.  (MORAES, 2020) 

Eventualmente elejo um artista para me debruçar sobre sua história, obras e referências, buscando possíveis instrumentos para estímulos projetivos, disparadores de reflexões e processos criativos. E neste contexto as imagens oníricas surrealistas possuem um lugar especial. Elas carregam um grande potencial de impactar o espectador porque, assim como os sonhos, provocam a sensação de que são ao mesmo tempo familiares, porém estranhas:

... familiar em razão do estilo minuciosamente realista que permite ao espectador o reconhecimento dos objetos pintados; desconhecido, por causa da estranheza dos contextos em que eles aparecem... (BRADLEY, 1999, 34) 

Sendo assim, são imagens não óbvias, não literais, ricas em simbolismos, metáforas, paradoxos, carregando um grande potencial de identificação pelo espectador, provocando variadas projeções as quais entendemos como conteúdos inconscientes ativados em busca de expressão – ainda que apareçam acompanhadas de incômodos e resistências.   

Dos pintores surrealistas mais conhecidos podemos citar Salvador Dali, René Magritte, Max Ernst, Yves Tanguy. Porém, o que não muitas pessoas sabem é que existiram mulheres surrealistas com obras interessantíssimas ao nosso conhecimento. E a protagonista deste texto é uma destas mulheres as quais decidi dialogar, uma por vez.

Remedios Varo (Espanha, 1908 – México, 1963)


Diante da perda da filha, a catalã Ignacia Uranga se viu inconsolável. Aos seus olhos, somente outra gravidez poderia apaziguar a dor de uma mãe em luto. Foi então que, em 1908, nasceu María de los Remedíos Varo.

Aos 15 anos, candidatou-se a uma vaga na mais próspera e conceituada academia de artes espanhola, que tinha em seu currículo de formação pintores como Pablo Picasso. Aceita, tornou-se uma das primeiras mulheres da história a estudarem no instituto. Mais tarde, em 1935, já inserida no movimento surrealista de André Breton, dividiu mesas de discussão com o conterrâneo e colega catalão, Salvador Dalí, e outros artistas de renome da época. 

Em uma vida conduzida por problemas cardiovasculares, também teve sua trajetória marcada por fugas. Primeiro, da Guerra Civil Espanhola e seu ditador Francisco Franco. Depois, quando já estabelecida em Paris, fugitiva da ofensiva nazista de Hitler, assim como outros artistas anarquistas da época, encontrou refúgio no México.

Sua obra é marcada por personagens femininas, fugindo do olhar de pintores surrealistas que ainda as objetificava. Remedios pintou misteriosas magas, anciãs e bruxas, donas de seus mundos oníricos e pessoais. Suas pinturas são ricas em personagens mitológicos,  fantasias, alquimia, magia, mundos lúdicos, por vezes parecendo serem ilustrações de histórias e contos de fadas.

 

Práticas arteterapêuticas

“Les feiulles mortes”

Tenho utilizado algumas pinturas de Remedios Varo como estímulos projetivos em grupos arteterapêuticos e atendimentos individuais. A partir destas experiências é muito interessante observar que, apesar de em senso comum as pinturas da artista transmitirem um aspecto denso e sombrio, não podemos subestimar o poder da projeção: cada espectador enxergará nas imagens aquilo que lhe pertence e lhe é necessário integrar à consciência, sejam aspectos desagradáveis ou agradáveis.

Das obras da artista, percebo que selecionei para meu repertório aquelas que fazem um convite para a introversão, um olhar para dentro, ao encontro de conteúdos psíquicos mais íntimos. Utilizo estas imagens quando intento convidar o paciente para olhar para si com uma escuta mais atenta e profunda, como que puxando um fio daquilo que precisamos ouvir e acolher no campo terapêutico.

A partir da estimulação projetiva através da obra é possível propor uma escrita criativa ou uma releitura da obra em desenho ou pintura. Mas uma orientação essencial se faz em não dizer o nome da obra antes do encontro puro do olhar do espectador, pois saber o nome poderá atravessar em muito sua projeção.

Remedios Varo e suas imagens oníricas podem servir de grande contribuição ao repertório do arteterapeuta e meu desejo é que este texto possa estimular ao leitor que busque conhece-la melhor e mais de sua obra, em sua intensidade e potência!

“Insônia”

Para conhecer as obras de Revebios Varo acesse: www.remedios-varo.com


Referências Bibliográficas:

BRADLEY, Fiona. Surrealismo – Movimentos da Arte Moderna. Ed Companhia das letras, São Paulo. 1999. 

MORAES, Eliana. Expressões artísticas e as questões terapêuticas. Blog Não Palavra, 26/08/19

SHARP, Daryl. Léxico Junguiano. Ed Cultrix, SP, 1991.

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Sobre a autora: Eliana Moraes



Arteterapeuta e Psicóloga.


Pós graduada em História da Arte
Especialista em Gerontologia e saúde do idoso.
Fundadora e coordenadora do "Não Palavra Arteterapia".
Escreve e ministra cursos, palestras e supervisões sobre as teorias e práticas da Arteterapia. 
Dá aula em cursos de formação em Arteterapia em SP e MS. 
Atendimentos clínicos individuais e grupais em Arteterapia online, sediada em Belo Horizonte, MG. 

Autora dos livros "Pensando a Arteterapia" Vol 1 e 2

Organizadora do livro "Escritos em Arteterapia - Coletivo Não Palavra"

Um comentário:

  1. Excelente, Eliana! Como é bom conhecer melhor mulheres corajosas como Varos! Em um tempo de prevalência absoluta de homens nos movimentos artísticos, essa artista trouxe uma visão mais profunda, misteriosa e instigante em suas obras! Gosto demais!

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