“Encontro”
Eliana
Moraes – MG
naopalavra@gmail.com
Ao
longo de minha construção continuada como arteterapeuta, tenho investido em
criar meu repertório de obras artísticas que possam dialogar com as questões
terapêuticas recorrentes na escuta clínica. Estas expressões podem advir das
mais variadas linguagens da arte, as quais poderão afetar, atravessar e
provocar o experienciador da Arteterapia:
Como técnica arteterapêutica, com este recurso, estamos explorando o fenômeno da projeção, que se dá como um processo inconsciente automático, pelo qual um conteúdo inconsciente para o sujeito é transferido para um objeto, fazendo com que este conteúdo pareça pertencer ao objeto. Segundo Jung, "a razão geral e psicológica das projeções é sempre um inconsciente ativado que busca expressão.” (SHARP, 1991, 127) e é este conteúdo inconsciente ativado que precisamos ouvir. (MORAES, 2020)
Eventualmente
elejo um artista para me debruçar sobre sua história, obras e referências,
buscando possíveis instrumentos para estímulos projetivos, disparadores de
reflexões e processos criativos. E neste contexto as imagens oníricas
surrealistas possuem um lugar especial. Elas carregam um grande potencial
de impactar o espectador porque, assim como os sonhos, provocam a sensação de
que são ao mesmo tempo familiares, porém estranhas:
... familiar em razão do estilo minuciosamente realista que permite ao espectador o reconhecimento dos objetos pintados; desconhecido, por causa da estranheza dos contextos em que eles aparecem... (BRADLEY, 1999, 34)
Sendo assim, são imagens não óbvias, não literais, ricas em simbolismos, metáforas, paradoxos, carregando um grande potencial de identificação pelo espectador, provocando variadas projeções as quais entendemos como conteúdos inconscientes ativados em busca de expressão – ainda que apareçam acompanhadas de incômodos e resistências.
Dos
pintores surrealistas mais conhecidos podemos citar Salvador Dali, René
Magritte, Max Ernst, Yves Tanguy. Porém, o que não muitas pessoas sabem é que existiram
mulheres surrealistas com obras interessantíssimas ao nosso conhecimento. E a protagonista
deste texto é uma destas mulheres as quais decidi dialogar, uma por vez.
Remedios Varo (Espanha, 1908 – México,
1963)
Diante
da perda da filha, a catalã Ignacia Uranga se viu inconsolável. Aos seus olhos,
somente outra gravidez poderia apaziguar a dor de uma mãe em luto.
Foi então que, em 1908, nasceu María de los Remedíos Varo.
Aos
15 anos, candidatou-se a uma vaga na mais próspera e conceituada academia
de artes espanhola, que tinha em seu currículo de formação pintores como
Pablo Picasso. Aceita, tornou-se
uma das primeiras mulheres da história a estudarem no instituto. Mais
tarde, em 1935, já inserida no movimento surrealista de André Breton,
dividiu mesas de discussão com o conterrâneo e colega
catalão, Salvador Dalí, e outros artistas de renome da época.
Em
uma vida conduzida por problemas cardiovasculares, também teve sua trajetória
marcada por fugas. Primeiro, da Guerra Civil Espanhola e seu ditador Francisco
Franco. Depois, quando já estabelecida em Paris, fugitiva da ofensiva
nazista de Hitler, assim como outros artistas anarquistas da época, encontrou
refúgio no México.
Sua
obra é marcada por personagens femininas, fugindo do olhar de pintores
surrealistas que ainda as objetificava. Remedios pintou misteriosas magas,
anciãs e bruxas, donas de seus mundos oníricos e pessoais. Suas pinturas são ricas em personagens mitológicos, fantasias, alquimia, magia, mundos lúdicos,
por vezes parecendo serem ilustrações de histórias e contos de fadas.
Práticas arteterapêuticas
“Les
feiulles mortes”
Tenho
utilizado algumas pinturas de Remedios Varo como estímulos projetivos em grupos
arteterapêuticos e atendimentos individuais. A partir destas experiências é
muito interessante observar que, apesar de em senso comum as pinturas da
artista transmitirem um aspecto denso e sombrio, não podemos subestimar o poder
da projeção: cada espectador enxergará nas imagens aquilo que lhe pertence e
lhe é necessário integrar à consciência, sejam aspectos desagradáveis ou
agradáveis.
Das
obras da artista, percebo que selecionei para meu repertório aquelas que fazem
um convite para a introversão, um olhar para dentro, ao encontro de conteúdos
psíquicos mais íntimos. Utilizo estas imagens quando intento convidar o
paciente para olhar para si com uma escuta mais atenta e profunda, como que
puxando um fio daquilo que precisamos ouvir e acolher no campo terapêutico.
A
partir da estimulação projetiva através da obra é possível propor uma escrita
criativa ou uma releitura da obra em desenho ou pintura. Mas uma orientação
essencial se faz em não dizer o nome da obra antes do encontro puro do olhar do
espectador, pois saber o nome poderá atravessar em muito sua projeção.
Remedios
Varo e suas imagens oníricas podem servir de grande contribuição ao repertório
do arteterapeuta e meu desejo é que este texto possa estimular ao leitor que
busque conhece-la melhor e mais de sua obra, em sua intensidade e potência!
“Insônia”
Para conhecer as obras de Revebios Varo acesse: www.remedios-varo.com
Referências Bibliográficas:
BRADLEY, Fiona. Surrealismo – Movimentos da Arte Moderna. Ed Companhia das letras, São Paulo. 1999.
MORAES,
Eliana. Expressões artísticas e as questões terapêuticas. Blog Não Palavra, 26/08/19
SHARP, Daryl. Léxico Junguiano. Ed
Cultrix, SP, 1991.
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Sobre a autora: Eliana Moraes
Excelente, Eliana! Como é bom conhecer melhor mulheres corajosas como Varos! Em um tempo de prevalência absoluta de homens nos movimentos artísticos, essa artista trouxe uma visão mais profunda, misteriosa e instigante em suas obras! Gosto demais!
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