segunda-feira, 7 de dezembro de 2020

É PITANGA!

 

Pitangas

 

Por Claudia Maria Orfei Abe - São Paulo/SP

leonardo.claudia@gmail.com

 

Minha amiga Rita Maria me presenteou pitangas!

Na mesma noite fiquei pensando: esta pitanga pode dar uma sessão de arteterapia. Separei uma parte e levei comigo até a casa de meu pai.

Iniciamos a sessão arteterapêutica como sempre; meu pai aos 86 anos e minha tia materna com 93 anos em 08/09/2020. Coloquei algumas pitangas em dois pratinhos, um para cada. Falei que iriam desenhar e pintar pitangas, e que as frutinhas verdadeiras serviriam de inspiração. Cada um escolheu um material. Pai escolheu pincéis, papel e pastilhas para aquarela. Tia escolheu papel canson e lápis de cor aquarelável (ofereci este por ser mais macio).

Minha tia ainda tem pânico ao ver folha em branco, sem desenho, então olhamos algumas fotos de ramos de pitangueira no Google, pelo celular, até ela escolher uma foto. Eu me baseei na foto escolhida e fiz um desenho parecido à lápis e ela foi apontando onde acrescentar alguma folha verde no desenho. Desenhei também as pitangas distribuídas ao longo do galho. Já o meu pai, preferiu ele mesmo fazer o desenho enorme da suposta pitanga.

Durante a sessão, lembrava-os que deveriam olhar para as pitangas reais para se inspirarem.

Para a minha surpresa, meu pai acabou trocando a aquarela pelo lápis aquarelável. Pintava, retocava, voltava, acrescentava, pintava mais forte. Minha tia numa velocidade uniforme foi pintando em tom suave, percorrendo todo o desenho. Demorou-se apenas na primeira folha verde.

De repente, quando olho, meu pai tinha comido uma pitanga !

Ao terminarem a pintura, sugeri uma nova experiência que eles toparam no mesmo instante: colocar água na pintura por meio de pincel e ver o que aconteceria. Ofereci primeiramente um pincel fino. Logo em seguida, meu pai trocou sem eu perceber, por um pincel bem mais grosso. E assim foram surgindo as cores vibrantes.




Ele optou por não pintar a parte verde que ele caprichou tanto passando várias vezes três tons de verde. Ela, por outro lado, colocou água em todo o desenho.

Esta atividade nos remete ao movimento artístico Impressionismo, no qual o pensamento analítico do artista foi sendo substituído pela visão:

Os impressionistas ocupavam-se exclusivamente da sensação visual, e defendiam que a experiência da realidade que se realiza com a pintura é uma experiência plena e legítima. (MORAES, 2019, pág 149)

Eis que chegou o momento de colocar o título nos trabalhos.

Quando fomos para o compartilhamento, minha tia falou seu título em voz alta: “Ramo com folhas e cerejas”. “Tia, eu falei o tempo todo PITANGAS!” - Ela caiu na risada.

Meu pai sentiu dificuldade em dar o nome. Quando eu falei que eram PITANGAS, ele disse: “Não era maçã?” - E terminou dando o título de “Tomate”!

“a pintura não deve representar o que está diante dos olhos, e, sim, o que está na retina do pintor”. (MORAES, 2019, pág.154)

 


Pai: “Tomate”

Tia: “Ramo com folhas e cerejas”

 

Olhei o pratinho dele, restaram apenas os caroços, ele comeu todas as pitangas!

Para a palavra final, minha tia simplesmente definiu toda a sessão: “Confusão”.

Esses dois estão me deixando maluca!!!

Nota: Este texto serve de alerta para todas as pessoas que fazem atividades com idosos. Evitem deixar objetos pequenos sobre a mesa de trabalho durante a atividade, para evitar riscos de deglutição, engasgo e/ou possível aspiração do objeto. Fiquem bastante atentos pois quando vai ver, já foi!

 

Bibliografia

MORAES, Eliana – Pensando a Arteterapia: volume 2 / Eliana Moraes. 1. ed. – Divino de São Lourenço, ES: Semente Editorial, 2019.

 

Se você quiser ler meus textos anteriores neste blog, são eles:

O que é que a Baiana tem? – 26/10/20

Escrita prá lá de criativa – 27/09/20

Fazer o Máximo com o Mínimo – 01/06/20

Tempo de Corona Vírus, Tempo de se Reinventar – 13/04/20

Minha Origem: Itália e Japão – 17/02/20

Salvador Dali e “As Minhas Gavetas Internas” - 11/11/19

“’O olhar que não se perdeu’: diálogos arteterapêuticos entre pai e filha” – 19/08/19

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Sobre a autora: Claudia Maria Orfei Abe

 


Arteterapeuta – atuei em instituição com o projeto “Cuidando do Cuidador”, para familiares e acompanhantes dos atendidos. Atuei também em instituição de longa permanência para idosos com o projeto “Mandalas”, sua maioria com Doença de Alzheimer.

Atendo em domicílio e on line.

14 comentários:

  1. Sensacional a sua proposta! Quanta criatividade. Adorei.

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  2. Proposta excelente! Ri, com o desenvolvimento da atividade, mas sem dúvida, existe um pacto amoroso entre vocês. Resultado delicioso: tomate e cerejas... Parabéns pelo trabalho!

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  3. Gostei muito da atenção e carinho com eles , lendo o texto parece que que estamos presenciando a sessão , parabéns 🌷

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  4. Muito divertido, esse processo, assim que senti ao ler sua vivência com eles , realmente a percepção é pessoal... Parabéns, fico encantada com está proposta.

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  5. Cereja, maçã, tomate ou pitanga, o importante foi o processo de construção, as sensações experimentadas e os momentos felizes que tiveram!! Parabensss

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  6. Cláudia Abe, como é divertido ler seus textos.A definição da "tia"sobre a sessão foi demais!!! Novamente, parabéns e grata por compartilhar a riqueza destas experiencias!

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  7. Cláudia, seu texto é leve e divertido como você. Seu pai e sua tia com certeza passam momentos ótimos com suas sessões. Parabéns! Beijos

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  8. Que delícia ler seus textos... sua linda arte como as pitangas!!!

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  9. O mais legal, além de todo o processo arte terapêutico, foi a liberdade e satisfação (acredito eu) dos dois pacientes-artistas darem o título que veio do coração! Pitangas, maçãs, cerejas, etc...tá tudo maravilha! Beijos, Cláudia! 😘💚

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  10. Que sessão!
    A dedicação do seu pai e da sua tia são admiráveis.
    O seu texto dá a clara sensação que estamos na sessão ao vivo... acompanhando.
    Parabéns! Este seu trabalho com o seu pai e tia é muito lindo!
    E no fim tudo certo.
    Que venham mais cerejas, maçãs e pitangas para a alegria deles e a nossa...
    Do maridão,

    Leonardo

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  11. Que Delícia ler o seu texto e como mencionaram, tive a sensação de estar lá com eles e tem mais, eu seria uma que cometia as pitangas, essa feirinha tão pequenina é carregada de memórias afetivas. Parabéns Cláudia, a sua dedicação para com eles é admirável!

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  12. Dígito e sai tudo errado. Eu comeria , também, essa frutinha carregada de memórias

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  13. Kkkkkk Ainda bem que foi engraçado e não trágico seu pai comer as pitangas!!!
    Nossa tem muita aqui no rancho!
    E que interessante, no começo eles tinham a intenção de pintar pitangas mesmo, né?Mas no final ambos não viram suas obras como pitangas, perceberam que ficaram um pouco diferentes. E dá pra sentir que se divertiram...Gostei de ver!!!Agora é temporada de mangas Cláudia, que tal?Beijos a todos vocês!

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  14. Mais uma vez parabéns pelo belo e dedicado trabalho que você realiza com seus amados entes. Quiçá todas as pessoas que lidam com idosos tivessem essa pré disposição para em primeiro lugar, entender o quadro que se encontram. Segundo, procurar estabelecer uma conexão com estes idosos de forma harmônica, mesmo sabendo das dificuldades, e terceiro, ter o senso de gratidão e retribuição aos mesmos pelo legado que eles deixaram de amor, compaixão e generosidade! Feliz Natal a todos vocês e fiquem com Deus!

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