segunda-feira, 23 de novembro de 2020

EXPLORANDO O DESCONHECIDO: PERSONA E SOMBRA

Por Sheila Leite - RJ

entrelinhas.artepsi@gmail.com

“Todo individuo é acompanhando por uma sombra e quanto menos ela estiver incorporada à sua vida consciente, tanto mais escura e espessa ela se tornará.” (Dicionário Junguiano, 2002)                                                                                                                      

Todos temos questões pendentes, conteúdos escondidos, esquecidos, afetos ignorados ou mesmo desconhecidos dentro de nós. Temos também potencialidades adormecidas, sentimentos contidos e negligenciados. Todos esses conteúdos podem ser destrutivos ou construtivos, dependendo da maneira que vamos lidar com eles. 

Estamos falando da sombra. Ela se encontra em seu esconderijo, em algum lugar do inconsciente. Sua natureza é se manter fora da consciência e age de forma impulsiva, às espreitas, aos pares, por exemplo, com uma piada de mau gosto ou um comportamento repetitivo. 

É um dos arquétipos ligado aos padrões psicológicos. Assim como a persona, é um arquétipo da personalidade e se inicia no ser humano a partir do momento em que ele começa a lidar com o mundo, que precisa usar uma persona para se adequar ao ambiente. É o lado da personalidade que incomoda, porque traz conteúdos que não são tão agradáveis e que acabam sendo empurrados, deixados de lado e escondidos. São tendências não aceitas pelas pessoas que nos rodeiam e por isso não são bem-vindas. Com a intenção de sempre sermos reconhecidos e valorizados, deixamos de lado o que nos caracteriza realmente, abrindo mão também de potencialidades e possibilidades que são relegadas ao inconsciente. 

“A sombra, um complexo funcional complementar, é uma espécie de contra pessoa. Ela pode ser pensada como uma subpersonalidade que quer o que a persona não permitirá.” (STEIN, 2006). 

     Não é uma tarefa fácil quando o indivíduo se propõe ir ao encontro dos seus conteúdos pertencentes ao campo da sombra, no inconsciente. A fuga desses conteúdos pode levar o sujeito a consequências mais funestas, principalmente quando se recusa a entrar em contato com tais questões represadas internamente. 

 No instante em que percebe a necessidade da mudança de comportamento, existe todo um movimento voltado para dentro de si, um olhar para o interior para admitir, de forma verdadeira, a natureza das emoções e dos sentimentos. Admitir que também faz parte de si, a raiva, a mágoa, o ressentimento e muitos outros sentimentos inferiores e destrutivos, que fazem parte da sombra.

 O autocontrole sobre a sombra abre caminho para o nosso processo de transformação. Conseguir vislumbrá-la é um passo importante. Traze-la para a consciência e conseguir seduzi-la é um processo na caminhada de cada um.

 Como psicoterapeuta e na formação de arteterapia, descrevo abaixo uma técnica utilizada num trabalho feito por mim sobre persona e sombra, no qual pude adentrar um pouco nesse inconsciente que se projeta em imagens simbólicas.

 O material utilizado foram duas folhas de papel camurçado, um branco e um preto. Era opcional a cor para a representação de cada uma, sombra e persona.


 Ao analisar o resultado do trabalho, a escolha da folha branca como persona me remeteu àquilo que sou e que gostaria de passar. Ser clara no que gosto de fazer para mim e para os que convivem comigo.

 O preto é a sombra, portanto aquilo que faz parte de mim e que se encontra no meu íntimo e que muitas vezes nem sei que existe, mas está ali. Imagens que foram surgindo e sendo colocadas ali, como símbolos a serem decifrados. Coisas que me estruturaram como uma árvore, com raízes profundas que me fortalecem e fazem até com que surjam flores em meios não tão propícios.

 Uma ampulheta, simbolizando o tempo, traz a imagem de Cronos, devorando tudo e nos compelindo a fazer escolhas a todo momento. Muitas vezes sem refletir, nos remetendo ao confronto com monstros que na realidade são fragilidades mal interpretadas.

 As pessoas simbolizam afetos que fizeram parte dessa caminhada e outros que permanecem contribuindo para que o caminho seja menos denso.

Já a visão focada numa imagem de espiral convida a uma viagem interna para que tudo seja elaborado e refletido.

 Um convite a um passeio por esse universo ainda a ser explorado é o que deveríamos ter como proposta quando se trata de autoconhecimento. Muitos territórios a serem descobertos e visitados na procura do nosso verdadeiro eu.

 Enfim, conforme Jung, tomar consciência de que o essencial para uma existência é aceitar o que se é. Tendo consciência de que jamais será aquilo que os outros querem.

 Qual aspecto da sua sombra te visita de vez em quando? Vale a pena dar uma espiada e tentar descobrir.

 

Referências:

 

PIERI, Paolo Francesco. Dicionário Junguiano. São Paulo: Editora Paulus, 2002.

Stein, Murray. Jung: o Mapa da Alma.5. Ed – São Paulo:  Editora Cultrix 2006

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Sobre a autora: Sheila Leite



Psicóloga e Arteterapeuta em formação

Pós Graduação em Psicologia Junguiana
Psicóloga convidada da Rádio Rio de Janeiro, 1400 AM,  Programa Ouvindo Você.
Atendimento Clínico: individual e grupo. Crianças, adolescentes e adultos na Ilha do Governador

2 comentários:

  1. Obrigada pelo texto e pela partilha de sua expressão. 💫💫💫

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  2. Obrigada pelo texto e pela partilha de sua expressão. 💫💫💫

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