Por Selma Lessa RJ-PE
slessa.rj@terra.com.br
Este texto é a segunda parte de um fragmento da minha monografia da Pós Graduação em Psicologia Junguiana intitulada “INTERFACES ENTRE CRIATIVIDADE E OPUS ALQUÍMICO SOB O VIÉS DA PSICOLOGIA ANALÍTICA”. Para acessar a primeira parte CLIQUE AQUI
Mircea Eliade fala que tudo que existe é criado por um mito, o mito é
uma narrativa da criação e está presente em todas as mitologias seja ela Grega,
Asteca, Babilônica, Judaica, Yorubá, Egípcia, Mitos Yanomani, etc.
Neumann (2014), na História da Origem da Consciência, faz um relato
acerca do mito da criação ser o primeiro ciclo do mito, a saber:
A mitologia, no entanto, é produto do inconsciente coletivo e quem
conhece a psicologia primitiva deve ficar estupefato diante da sabedoria
inconsciente que se eleva das profundezas da psique humana em resposta a essas
dúvidas inconscientes. (NEUMANN, 2014, p. 30)
No livro História da Origem da Consciência, Neumann (2014, p. 26), cita
Cassirer, mostrando que, em todos os povos e religiões, a criação aparece como
a criação da luz. Daí o advento da consciência, manifesta como luz em contraste
com a treva do inconsciente, ser o verdadeiro “objeto” da mitologia da criação.
Tomando como base o Livro do Gênesis,
no seu capítulo primeiro, as origens do mundo e da humanidade, sendo a primeira
referência ao ato criativo: “No princípio, criou DEUS os céus e a terra” (Gen.
1:1) – onde o termo “princípio” nos remete a ideia de ponto de partida.
Ao pensarmos na evolução do homem, a criatividade esteve sempre presente
toda vez que precisou se utilizar dos recursos do ambiente para sobreviver e
construir o seu entorno. Impossível
determinar o momento em que o homem teve o insight
de começar a responder às necessidades que o meio ambiente lhe solicitava, ou
seja, encontrando soluções do cotidiano da vida, mas foi sem dúvida um grande
avanço e uma tomada de controle do homem sobre os demais animais, a
criatividade foi e é o diferencial nessa dinâmica de desafios e encontro de
soluções.
Para tornar mais claro o que quero dizer com criatividade, trago uma
cena do filme 2001- Uma Odisséia no Espaço, em que o macaco pega um osso e bate
até transformá-lo numa ferramenta e na seqüência, joga o osso para cima até
aparecer uma nave interestelar, esta cena especificamente mostra com destreza a
evolução do homem.
Para explicitar o que quero
demonstrar sobre criatividade, vou me ater ao primeiro ato.
2001 - Uma Odisséia no Espaço
começa exibindo o primeiro momento em que o macaco descobre o poder da
ferramenta através da transformação do osso e, logo em seguida, mostra a
espaçonave em contraposição ao osso: a primeira ferramenta, querendo dizer que
o macaco/homem estava em sua mais avançada jornada em busca do conhecimento,
mas lembrando que esta busca se revolvia aos primórdios da humanidade.
Esta cena
do filme talvez seja uma das mais lindas já filmadas: um hominídeo evolui e se
“transforma” no Homem. Aquele ser observa uma carcaça de ossos no chão e, aos
poucos, muito hesitante, pega um dos ossos mais robustos e começa a bater no
chão e nos demais ossos. É a primeira vez que uma ferramenta é usada por ele ou
por qualquer outro ser. Assim, acaba-se a fome da tribo, pois as antas passam a
ser abatidas para alimentá-los e, quando a tribo inimiga invade o território
novamente, o osso é usado como ferramenta de dominação, marcando a tribo
vencedora como a que, em alguns milhões de anos, tomaria o planeta Terra.
É nesse
momento que, literalmente, acontece o nascimento do Homem. E o que ele faz ao
nascer? Ora, ele usa um instrumento de violência e morte, instrumento esse que,
em uma brilhante transição, se transforma em um satélite militar orbitando a
Terra. Somos definidos pela capacidade de criar, de transformar a matéria em
algo que possa nos servir e nos ajudar a viver melhor.
Naqueles poucos segundos em que aquele osso é lançado para cima, e
transformado numa espaçonave, podemos visualizar ali, todo o processo criativo
da humanidade, em uma evolução que perpassa desde o homem das cavernas ao
astronauta, do osso à nave estelar. Toda a existência dos processos criativos
culmina na tecnologia, naquela época, mais avançada: uma nave espacial, onde o
homem ainda poderia continuar sua busca por desbravar novas fronteiras do
Universo.
Esta é uma cena que condensa toda a atividade humana e contém todos os
elementos criativos. É uma cena mítica, é in
illo tempore (naquele tempo), que
possui desafios, inovações, erros, acertos, todas as nuances da trajetória
mítica da criatividade, sendo uma síntese do mais alto grau de arrebatamento da
tomada de consciência.
A absurdamente brilhante síntese dessa cena se caracteriza pelo, recorte
histórico proposto por Kubrick, de um avanço de milhões de anos em segundos com
a câmera transitando do osso rodopiando no céu para uma nave estelar flutuando
no espaço. De forma extraordinária, a história da humanidade é contada, através
da demonstração do uso da tecnologia como criação humana. Mostro aqui o aspecto
mítico que Mircea Elíade (2000) fala da criação e os mitos da criação estão
contidos nesta cena.
Neste recorte, demonstro que a criatividade é a capacidade de dar forma
e ressignificar. Nesta cena, o macaco apresenta uma nova forma de uso do osso,
transformando-o em ferramenta. Neste momento sublime, nasce, na obra, o homem e
todas as potencialidades inatas a ele.
REFERÊNCIAS
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Sobre a autora: Selma Lessa
Psicóloga/ Arteterapeuta/Artista visual/ Instrutora de Yoga Integral
Pós-Graduada em Arteterapia
Pós-Graduanda em Psicologia Analítica
Colaboradora e professora do Ateliê de Artes e Terapias Eveline Carrano.
É sempre oportuno um outro olhar que nos leve a refletir, a deixar em suspenso nossas"certezas", a procurar aprofundar no confronto de diferentes conceitos. Obrigada Selma , por enriquecer o espaço de discussão - sempre salutar.
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