Por Sheila Leite - RJ
entrelinhas.artepsi@gmail.com
A palavra-chave é isolamento social. Uma
retirada compulsória da vida lá fora, que chega como um convite à vida pulsante
no lado de dentro, no interno. Tanto o interior físico, que é a nossa casa e o nosso
espaço, quanto o interior do nosso eu. E é nesse espaço, no encontro de si, que
a Arteterapia chega com uma grande colaboração – sua função terapêutica pode
facilitar que conteúdos inconscientes, não assimilados e não trabalhados, sejam
trazidos para a consciência.
A questão nesse momento é: o consultório, com
mesa farta de material para uso da arteterapia na clínica, encontra-se
totalmente distante da realidade do nosso cliente. O setting terapêutico no
modo online está dividido em dois ambientes ligados virtualmente por uma tela,
seja de computador ou de celular. Dessa forma, existe o lado de lá – e é um
momento de escassez, pois o cliente, em seu isolamento social, muitas vezes não
tem material disponível para que ocorra o processo de criar.
De acordo com Philippini (2009), a arte tem um
grande potencial curativo. “Seu poder é imenso e é capaz de nos trazer fortes
experiências transformadoras e demonstrar vários aspectos da mesma realidade
simultaneamente. É uma facilitadora da criatividade e uma ponte para que
conheçamos aspectos desconhecidos de nós mesmos, que precisam ser descortinados
de forma que vivamos uma vida mais inteira, coerente com nossa Totalidade Genuína”.
Na busca constante de técnicas com utilização
de materiais de fácil acesso aos pacientes, muitas vezes nos vemos
surpreendidos com os trabalhos que surgem após o processo. Uma dessas técnicas
foi experimentada por mim mesma no grupo de estudos de Arteterapia. Procurando
maneiras de trabalhar, nesse momento de pandemia, surgiu a ideia do trabalho
com tesoura e papel, inspirada em Henri Matisse[i]. A técnica utiliza como
material uma folha de papel, que pode ser de qualquer tipo ou cor, tesoura e
cola (opcional). A gente convida o cliente a olhar para seu medo, sua angústia,
seja o que for que estiver incomodando. Pegue o papel e desenhe com a tesoura,
cortando imagens que forem surgindo de sua mente.
O corte pode ser de figuras humanas, coisas,
elementos geométricos ou outras formas. Depois de recortadas as figuras,
monta-se um cenário. As figuras podem ser coladas em outra folha ou deixadas
soltas, dando a possibilidade de serem deslocadas ou até mesmo retiradas. É
importante lembrar: o corte das figuras e a montagem dos cenários podem ser
feitos ao som de uma música ou num momento de reflexão do cliente.
Na montagem acima, optei por deixar as
figuras soltas para mostrar uma forma dinâmica, em que poderia caminhar e
escolher por onde ir. As imagens foram
surgindo à medida em que o Ego, angustiado, marginalmente consciente, começa a
se dar conta do confinamento e sente a necessidade de entrar em contato com os
conteúdos disponibilizados em forma de símbolos pelo inconsciente. O externo é
deixado para trás e migramos para esse interior, no qual temos a oportunidade
de olhar para os conflitos e até para parte de nossa sombra.
O espaço de deslocamento lá fora se reduz,
assim como as nossas perspectivas exteriores na busca de objetivos. No entanto,
as possibilidades de olhar para si descobrindo potencialidades latentes -
muitas não vividas outras esquecidas - tornam-se mais extensas. O universo de
conteúdos a serem explorados amplia-se internamente.
Como psicoterapeuta junguiana, procuro fazer da
arteterapia mais um instrumento na minha clínica e busco com o cliente uma
maneira de despertar a sua criatividade. Isso para que, de forma terapêutica,
possamos encontrar um elo para acessar conteúdos que precisam ser elaborados e
até mesmo ressignificados. A utilização de materiais expressivos, apropriados a
cada situação apresentada pelo cliente, pode dar início ao processo criativo.
Este vai conduzi-lo ao encontro da sua criação, da sua arte e dos símbolos que
chegam através de imagens.
E você, através dessa técnica, pode criar
também o seu cenário! Vamos?
Referências
bibliográficas:
Philippini,
Angela. Linguagens, materiais expressivos em arteterapia: uso, indicações e
propriedades. Rio de Janeiro: Wak Ed, 2009.
[i]Henri Matisse (1869-1954) foi um pintor
desenhista, gravurista e escultor francês. Pintar
com tesoura foi a técnica de colagem que ele criou quando ficou de
cama por conta de uma doença e não pode mais pintar.
Psicóloga e Arteterapeuta em formação
Pós Graduação em Psicologia Junguiana
Psicóloga convidada da Rádio Rio de Janeiro, 1400 AM, Programa Ouvindo Você.
Atendimento Clínico: individual e grupo. Crianças, adolescentes e adultos na Ilha do Governador
Excelente, Sheila! Obrigada por compartilhar! Bjs
ResponderExcluirExelente! Gratidão.
ResponderExcluirSheila,
ResponderExcluirMuito bom, texto gostoso de ler, já me deu vontade de aplicar essa técnica...comigo mesma !!!
Parabéns !
Abraço, Claudia Abe
Muito bom Sheila. Já sei agora como distrair minha netinha nesses tempos que estão deixando as crianças tão estressadas. Valeu!
ResponderExcluirAdorei o texto. Muito bom de ler e excelente reflexão.
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