segunda-feira, 10 de junho de 2019

TÉCNICAS EXPRESSIVAS E SAÚDE MENTAL: A DESCOBERTA DE TESOUROS MARAVILHOSOS


Por Patricia Serrano -  RJ
patriciaserrano.psi@yahoo.com 

“É fundamental valorizar o lado saudável do cliente, e não ficar procurando sintomas para adoentá-lo cada vez mais. Ora, se você observa com desprezo o doente mental, só enxergará tristeza, miséria, decadência. No entanto, se você for mais além e conseguir olhar o outro lado do ser, descobrirá tesouros maravilhosos, incalculáveis . . . Como eu não sou boba nem nada, decidi olhar o lado mais rico. Foi exatamente desta riqueza que nasceu o meu trabalho.”
Nise da Silveira
Tive a oportunidade de trabalhar numa unidade de saúde mental e o que no início foi um desafio, ao longo do tempo se tornou uma paixão pela possibilidade de ampliar a minha escuta clínica, estar diante de um trabalho extremamente rico e de pessoas igualmente ricas no potencial criativo mesmo no momento de adoecimento.
A colocação da Dra. Nise da Silveira me sensibiliza quando ela fala desse “olhar além” sobre a doença mental e encontrar o lado mais rico do sujeito que atravessa o sofrimento psíquico. Trata-se de um trabalho que envolve entrega e sensibilidade diante de pessoas que muitas vezes não são ouvidas e ainda são tratadas à margem da sociedade pelas dificuldades que apresentam. 
Na condição de internação psiquiátrica, mesmo que de curta duração (em média 15 dias), o sujeito se vê num primeiro momento confuso e tentando entender o sentido de estar afastado da sua vida cotidiana. O estado agudo da doença faz com que ele algumas vezes não se lembre dos acontecimentos que precederam e motivaram a internação. Diante desse cenário é imperativo proporcionar ao sujeito um espaço de escuta bem como de fala sobre as suas questões psíquicas e emocionais.
Um passo importante para a construção desse espaço de escuta e fala foi a oportunidade de realizar a oficina de grupo semanal com técnicas expressivas. Pretendo nesse texto compartilhar a experiência nesses grupos e mostrar o potencial da técnica expressiva num contexto de grande sofrimento psíquico.



O formato dos grupos
Devido ao curto tempo de internação, os grupos eram compostos de forma aberta. Então a cada semana trabalhava com pacientes novos salvo algumas exceções.
Não era estabelecido um critério específico de perfil de paciente que iria participar: todos eram convidados e estimulados a compartilhar desse momento, o que tornava a dinâmica do grupo muito rica pela heterogeneidade de pessoas e suas possibilidades de expressão bem como de troca um com o outro.



Técnicas e materiais utilizados
O trabalho era proposto de forma semi-estruturada onde inicialmente era feita uma sensibilização com o recurso da leitura de uma poesia, de um texto ou uma música o que já promovia uma abertura para ideias, reflexões e trocas entre os participantes. A partir desse momento inicial passávamos para a segunda etapa voltada para o processo criativo individual.
A criação de mandalas, por exemplo, que ao trabalhar com as formas, contornos e cores possibilita uma vivência estruturante em busca de um equilíbrio auxiliando no reestabelecimento da ordem psíquica. 



Segundo Reis (2014), a função terapêutica de desenhar mandalas está ligada à autodescoberta, pois elas registram o estado psíquico do indivíduo em diferentes momentos, representando, a partir de linhas, cores e formas, sua energia psíquica e a organização de seu mundo interno. 
Outro recurso utilizado foi a colagem com imagens de revista, recortes de palavras ou papéis coloridos.
Moraes (2018) nos fala que o processo de colagem se dá em dois tempos, riquíssimos em simbolismos, que remontam dinâmicas tão presentes na vida cotidiana: o primeiro se refere à desconstrução, fragmentação, um caminho para a abstração; o segundo, a colagem propriamente dita, se refere à (re)construção e (re)composição como um caminho possível diante dos fragmentos físicos e/ou subjetivos.
Percebendo a demanda psíquica e emocional dos participantes que em sua maioria vêm de um processo de desconstrução, desorganização e transbordamentos optei por trabalhar com esse segundo momento da colagem que proporciona a vivência de construção de uma nova possibilidade através daquilo que está fragmentado. Nesse processo é visível o quanto a colagem é um recurso estruturante e que permite “encontrar um ‘novo possível’ (as vezes ‘não belo’, não harmonioso, não equilibrado), (re)compor, ressignificar, reinventar(-se)” (Moraes, 2018). 
Durante essa segunda etapa, onde a atividade era proposta e os materiais oferecidos, observar o movimento de cada um, sedento por se expressar e ao mesmo tempo organizar seus sentimentos é um momento que exige do terapeuta um olhar atento, delicado e inteiro para que se faça presente mas sem interferir no processo de cada um. 



Após o processo criativo individual, todos eram convidados a compartilhar no grupo a sua experiência. Momento único onde surgia a beleza e a riqueza de um espaço de fala, escuta e troca de histórias, sentimentos, dores, perdas, vitórias, conquistas, lágrimas e sorrisos. Pessoas em sofrimento psíquico acolhendo umas as outras através do que cada uma produziu plasticamente sobre a sua história e o afeto gerado aquecendo o coração de todos os presentes.
Parafraseando a Dra. Nise da Silveira, “como não sou boba nem nada” optei por olhar e acolher essa riqueza coletiva que tive a oportunidade de vivenciar. Agradeço a cada uma dessas pessoas que ao compartilhar as suas dores tocaram de forma muito especial o meu coração e certamente me conduziram nessa linda estrada que é ser terapeuta.
Obs.: Não poderia deixar de registrar o meu agradecimento especial pela presença através de supervisão da arteterapeuta e psicóloga Eliana Moraes que acreditou nesse trabalho e na minha riqueza como terapeuta para realizá-lo!

 Referências Bibliográficas:

HORTA, B.C. Nise – Arqueóloga dos Mares. Rio de Janeiro: e+a edições do autor, 2008.

MOREAS, E. A colagem na prática da arteterapia: propriedades e aplicabilidades. Blog Não palavra. Rio de Janeiro, 30/04/2018. Disponível em: http://nao-palavra.blogspot.com/2018/04/a-colagem-na-pratica-da-arteterapia.html?m=1. Acesso em 04/06/2019.

REIS, A.C. Arteterapia: a arte como instrumento no trabalho do psicólogo. Revista Psicologia: Ciência e Profissão. Santa Catarina, 34 (1), 142-157, 2014. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/pcp/v34n1/v34n1a11. Acesso em 02/06/2019.
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Sobre a autora: Patrícia Serrano




Psicóloga 
Pós-graduada em Psicologia Hospitalar pela FIOCRUZ
Gestora de materiais do Não Palavra
Atendimentos clínicos individuais 

7 comentários:

  1. Gratidão por compartilhar sua experiência e a importância da arte como possibilidade estruturante!

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  2. Patricia, parabéns pelo excelente trabalho. Sou grata por ter trabalhado com você e vivenciado experiências tão ricas que fizeram a diferença na minha carreira como assistente social.

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    1. Eu que agradeço a oportunidade de ter trabalhado com você! Me mostrou o verdadeiro significado do trabalho em equipe.

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  3. Oi Patrícia soy arteterapeuta e trabalho em um Caps no Rio Grande do Sul e quero te parabenizar e reforçar o sentinento que você narra de gratidão peka oportunidade de trabalhar com esses clientes. Amo ser arteterapeuta. Parabéns!

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  4. Trabalho desafiador e gratificante. Obrigada por compartilhar sua experiência.

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