Por
Eliana Moraes (MG) RJ
naopalavra@gmail.com
Instagram:
@naopalavra
Nos
últimos tempos tenho me apropriado do percurso de estudos sobre a História da
Arte e a pesquisa sobre suas aplicabilidades na Arteterapia, nos campos teórico
e prático. Esta jornada é alimentada por cursos, livros, vídeos... e filmes.
Há
algumas semanas uma pessoa querida me soprou ao ouvido o nome do filme “Sorriso de Monalisa”, dizendo que ao
assisti-lo se lembrou de mim (quanta honra). De fato, me identifiquei com a
personagem principal, a professora de História da Arte Katherine Watson (vivida
por Julia Roberts) que em meio ao seu ofício guardava o sonho de “mudar o mundo”.
Tenho
assumido o movimento de compartilhar enquanto estudo, as diversas descobertas e
encantamentos que esta pesquisa me proporciona. Considero importante que o
arterarapeuta se aproprie da história daquilo que carrega em seu nome: arte. O
estudo de toda a linha do tempo é importante para que possamos contemplar os
diversos homens ao longo da história, compreendendo que todos eles ainda
existem em nós. Mas em especial, tenho direcionado meu estudo para a fatia da
história do século XX até os nossos dias, período da Arte Moderna e
Contemporânea.
Considero
importante este recorte por alguns motivos, dentre eles, o fato de que estes
são os movimentos artísticos mais atuais, próximos de nossa cultura e maneira
de enxergar o mundo. Estudando-os somos instrumentalizados para a escuta do
social e do indivíduo (naquele inserido) que nos procura como terapeutas.
Penso
também que as quebras de paradigmas e as novas formas de se enxergar a arte e o
mundo trazidas pela Arte Moderna, são estruturais para que a profissão da
Arteterapia pudesse ser pensada e assim se tornar possível. Ao assistir “Sorriso de Monalisa” pude associar
fragmentos do filme aos meus estudos e observar como pontos que de certa forma
parecem pacíficos hoje em dia, nem sempre foram assim. As desconstruções
conceituais que a Arte Moderna proporcionou e sustentou, não sem grande
resistência, merecem nossa atenção e aprofundamento teórico. Desconstruções
estas que apontam para nossa cultura atual e para a maneira de se enxergar e
fazer arte ao qual nós arteterapeutas bebemos de sua fonte.
O filme
“Sorriso de Monalisa” é um filme americano
de 2003, dirigido por Mike Newell, ao qual retrata os padrões socioculturais da
década de 1950. O filme conta a história de Katherine Watson, uma “boêmia da Califórnia [que] estava a caminho da mais conservadora escola
do país” para lecionar a disciplina de História da Arte. Katherine tinha um
tamanho desafio pela frente, até porque o que “... tinha de inteligência [era] o que lhe faltava em pedigree”.
Wellesley
College, tradicional escola feminina,
investia na melhor educação para suas alunas, mas orientando-as para que se transformassem
em cultas esposas e responsáveis mães.
Recebiam aulas como oratória, locução e postura. O tradicionalismo era
tamanho que em determinado momento uma enfermeira do campus foi demitida por
fornecer um método contraceptivo a uma aluna e assim encorajar a promiscuidade.
Saindo da escola, com um alto preparo intelectual, as únicas responsabilidades
das ex-alunas seriam cuidar dos maridos, filhos e casas.
Nas
primeiras cenas do filme, Katherine que viaja de trem, já demonstra seu apreço
pela Arte Moderna ao contemplar um slide da clássica obra de Picasso “Les demoiselles d’Avignon”. Quando é
recebida pela diretoria da escola é arguida sobre seu tema de dissertação:
- “’Picasso fará pelo
século XX o que Michelangelo fez pelo Renascimento’ você diz em sua tese. Então
estas telas produzidas hoje só com borrões de tinta merecem tanto nossa atenção
quanto à Capela Sistina?”
Cenas destacadas: (atenção, a partir de
agora o texto conterá muitos spoilers. Caso você não goste deles, sugiro assistir
o filme antes de concluir sua leitura)
- O início das aulas:
Para
o primeiro dia de aula da disciplina “Introdução a História da Arte” Katherine
havia preparado uma sequência de slides que remontava a linha do tempo das
expressões artísticas desde a pré-história. Para sua surpresa as alunas sabiam
citar os nomes e datas de todas as obras mostradas e assim descobriu que as
alunas haviam lido todo o conteúdo programático e o decorado antes mesmo do
início das aulas.
Após
um primeiro momento de frustração, Katherine é movida a buscar novos caminhos
para afetar suas alunas, mostrando a elas o potencial da arte e uma visão de
mundo para além dos livros e apostilas.
No
segundo dia de aula Katherine surpreende as alunas com a imagem de uma obra que
não estava no programa: “Carcaça” (1924) de Soutine.
“Ele é bom?... Vamos
moças! Não há resposta errada. Não há livro texto lhes dizendo o que pensar.”
E
o diálogo entre as alunas acontece:
“- Não, nem diria que é
arte. É grotesco.
- E a arte não pode ser
grotesca?
- Se sugere que isto é
arte, o que iremos aprender?”
E
assim Katherine define o programa a ser estudado:
“- O que é arte? Quando
uma obra é boa ou ruim? E quem define? ‘A arte só é arte até as pessoas certas
dizerem que é'. E quem são estas pessoas?”
- Contemplando Pollock
Um
momento marcante do filme é quando Katherine leva suas alunas para uma aula
externa, onde ela as apresenta à uma autêntica obra de um dos mais importantes
artistas americanos daquela momento: Jackson Pollock.
Diante
daquela enorme tela marcada com o estilo único de Pollock, as alunas não
esconderam seus rostos de estranhamento:
“- Já ia aceitando a
carne com vermes como arte, agora isso...”
Katherine
completamente absorvida com aquela imagem, apenas diz:
- “Façam um favor a si
mesmas. Calem-se e apreciem. Não haverá nenhum ensaio sobre. Não precisam nem
gostar dele. Só precisam apreciar. É a única tarefa de hoje. Quando acabarem,
podem ir.”
- Sinais de resistência
Mas
estes conteúdos inovadores, naturalmente não passaram desapercebidos pela
direção da escola. Em determinado momento a diretora revela a Katherine que tem
recebido telefonemas sobre os métodos da professora, um tanto heterodoxos para
Wellesley e adverte:
“Somos
tradicionalistas... Então, se quer permanecer aqui... menos Arte Moderna.”
- Van Gogh e a mudança
de rumos na arte
Para
mim, o ponto alto do filme se dá quando Katherine ensina sobre Van Gogh, mas
além dos livros, mostra às alunas uma caixa como de brinquedo e fala sobre a
nova forma de “arte para a massa: uma
pintura com manual”.
“ - Ele pintava o que
sentia. Não o que via. Ninguém entendia. Achavam infantil e tosco. Levou anos
até reconhecerem sua técnica e verem como suas pinceladas faziam o céu noturno
se mexer. Ainda sim, ele não vendeu nenhum quadro em vida... Agora, 60 anos
depois, ele é tão famoso que todos têm cópias suas. A reprodução disponibilizou
a arte para as massas. [Hoje]... ninguém
precisa ter um original... eles fazem as próprias cópias.”
A
caixa continha um kit para pintura a óleo e dizia:
“Agora todos podem ter
um Van Gogh. É fácil. Siga as instruções e em minutos você se tornará um
artista.”
Katherine
segue:
“Veja o que fizemos com
um homem que se recusava a conformar seus ideais ao gosto popular. E se
recusava a comprometer sua integridade. Nós o encaixotamos e pedimos a vocês
que o copiem. A escolha é de vocês. Podem se conformar ao que esperam de vocês
ou podem ser quem vocês são.”
A
beleza da cena chega ao ápice quando ao final do ano letivo, as alunas decidem “pintar
seus Van Gogh’s” para presentear a professora, porém cada uma trazendo seus
próprios traços, cores, estilo. Este fragmento do filme traduz o simbolismo da
abertura à subjetividade na expressão artística e a possibilidades de cada um
de nós nos experimentarmos como artistas em nossas expressões, aspectos tão
característicos da Arte Moderna e consequentemente embasadores da Arteterapia.
Katherine
é convidada pela direção a continuar na escola para o ano seguinte, porém
exigiu-se o acompanhamento de todo o conteúdo curricular para que a tradição da
instituição fosse mantida. Ela, por mais que desejasse essa função, não aceitou
e dela abriu mão.
Katherine
deixa Wellesley College, mas deixa sua marca naquela turma de moças, mostrando
que não basta reproduzir o conhecimento, mas sim a capacidade de pensar, de
desenvolver o senso crítico. Assim ela demonstra que o papel do professor – e
da arte – é fazer o aluno pensar sobre sua época e questioná-la.
Ao
fim, ela recebe uma homenagem da aluna que mais resistiu ao que pretendia
transmitir:
“Dedico meu último
editorial à uma mulher extraordinária, que nos serviu de exemplo. A professora
que nos incentivou a ver o mundo com novos olhos. Quando lerem este editorial,
ela estará a caminho da Europa, onde sei que derrubará novas barreiras e
semeará novas ideias. Ela foi taxada de fracassada por partir, uma transviada e
sem rumo. Mas, nem todos que se desviam carecem de rumo. Especialmente quem
procura a verdade além da tradição, além da definição, além da imagem.
Eu nunca a esquecerei.”
________________________________________________________________________________
Sobre a autora: Eliana Moraes
Especialista em Gerontologia e saúde do idoso e cursando MBA em História da Arte.
Fundadora e coordenadora do "Não Palavra Arteterapia".
Escreve e ministra cursos, palestras e supervisões sobre as teorias e práticas da Arteterapia.
Atendimentos clínicos individuais e grupais em Arteterapia. Nascida em Minas Gerais, coordena o Espaço Não Palavra no Rio de Janeiro.
Autora do livro "Pensando a Arteterapia" CLIQUE AQUI
Esse trecho final, até gravei no meu celular. É um filme extraordinário e, para a época, inovador, revolucionário, também. O seu texto está incrível, como sempre. Parabéns! Beijos. Isabel
ResponderExcluir