Eliana Moraes
elianapsiarte@gmail.com
Estou Tonto
Estou tonto,
Tonto de tanto dormir ou de tanto pensar,
Ou de ambas as coisas.
O que sei é que estou tonto
E não sei bem se me devo levantar da cadeira
Ou como me levantar dela.
Fiquemos nisto: estou tonto.
Afinal
Que vida fiz eu da vida?
Nada.
Tudo interstícios,
Tudo aproximações,
Tudo função do irregular e do absurdo,
Tudo nada.
É por isso que estou tonto ...
Agora
Todas as manhãs me levanto
Tonto ...
Sim, verdadeiramente tonto...
Sem saber em mim e meu nome,
Sem saber onde estou,
Sem saber o que fui,
Sem saber nada.
Mas se isto é assim, é assim.
Deixo-me estar na cadeira,
Estou tonto.
Bem, estou tonto.
Fico sentado
E tonto,
Sim, tonto,
Tonto...
Tonto.
Álvaro de Campos, em "Poemas"
(Heterónimo de Fernando Pessoa)
Tonto de tanto dormir ou de tanto pensar,
Ou de ambas as coisas.
O que sei é que estou tonto
E não sei bem se me devo levantar da cadeira
Ou como me levantar dela.
Fiquemos nisto: estou tonto.
Afinal
Que vida fiz eu da vida?
Nada.
Tudo interstícios,
Tudo aproximações,
Tudo função do irregular e do absurdo,
Tudo nada.
É por isso que estou tonto ...
Agora
Todas as manhãs me levanto
Tonto ...
Sim, verdadeiramente tonto...
Sem saber em mim e meu nome,
Sem saber onde estou,
Sem saber o que fui,
Sem saber nada.
Mas se isto é assim, é assim.
Deixo-me estar na cadeira,
Estou tonto.
Bem, estou tonto.
Fico sentado
E tonto,
Sim, tonto,
Tonto...
Tonto.
Álvaro de Campos, em "Poemas"
(Heterónimo de Fernando Pessoa)
Não é raro recebermos na clínica pacientes com a queixa de que se
sentem improdutivos, inúteis ou estagnados naquilo que entendem que deveriam
estar desenvolvidos. São pessoas que possuem projetos, que muitas vezes têm em
mente onde querem chegar, que transitam bastante no campo da ideia. Porém, não
conseguem iniciar, concluir ou têm dificuldade de encontrar soluções dentro dos
recursos disponíveis.
Certa vez ouvi de alguém angustiado, que gostava de ir a praia
porque lá podia relaxar sua mente,
pensava naquilo que desejava conquistar e disse “então imagino que estou fazendo...”. Imagino que estou fazendo.
Esta frase gritou aos meus ouvidos.
Para a psicoterapia, esta questão terapêutica seria colocada
através da fala do paciente. O processo se daria visando a tomada de
consciência e elaboração deste hiato entre o pensamento e a ação, e a discussão
sobre novos caminhos possíveis. E não há dúvidas que esta é uma técnica que tem
seu lugar. Entretanto, as vezes me pergunto se permanecer no campo da palavra
não seria cooperar com engodo do “falar sobre” a questão ao invés de justamente
sair do ciclo vicioso do pensamento.
Uma de minhas grandes motivações profissionais para este ano é
pensar a Arteterapia em suas especificidades teóricas e práticas. Estive
pensando sobre o manejo do fenômeno da projeção/transferência no setting
arteterapêutico pela especificidade da entrada do terceiro elemento: o
material. Nesta articulação escrevi alguns textos para este blog, que foram
estruturados para uma palestra do Ciclo de Palestras Não Palavra, e hoje este ensaio teórico será lançado como mini curso on line. Deixo o
convite àqueles que desejam se aprofundar mais na teoria da Arteterapia, que
conheçam este material.
Hoje trago a reflexão sobre outra especificidade da Arteterapia: o agir criativo como objeto de trabalho
do Arteterapeuta. Quando compreendemos que o agir criativo é objeto de nossa
escuta, observação e manejo, uma gama de articulações teóricas são necessárias
para que o arteterapeuta se instrumentalize para trabalhar. E é sobre este tema
que agora desejo mergulhar e compartilhar com os interessados e curiosos pela
Arteterapia.
Inicialmente, penso que quando recebemos um paciente/cliente com a
queixa e angústia tão bem ilustrada por Fernando Pessoa, de estar tonto em meio
aos pensamentos, eis aqui uma oportunidade para a Arteterapia! Ao ter como
objeto de trabalho o agir criativo, a Arteterapia proporciona ao paciente a
chance de romper com o aprisionamento dos pensamentos e observar-se em ato.
Fayga Ostrower é uma grande teórica da arte, mas que tem muito a
contribuir para nosso estudo como arteterapeutas, diz que “A percepção de si mesmo dentro do agir é um aspecto relevante que distingue a criatividade
humana.” E defende que:
“Criar não representa um relaxamento ou
um esvaziamento pessoal, nem uma substituição imaginativa da realidade; criar
representa uma intensificação do viver, um vivenciar-se no fazer; e, em
vez de substituir a realidade, é a realidade; é uma realidade nova que
adquire dimensões novas pelo fato de nos articularmos, em nós e perante nós
mesmos, em níveis de consciência mais elevados e mais complexos.”
(OSTROWER)
Dentro do setting arteterapêutico, o paciente tem a oportunidade de sair do ponto zero (fonte de angústia) e entrar em movimento. O agir criativo se dá como um convite para que ele saia da inércia e faça movimentos
(físicos, psíquicos e cognitivos) que serão ensaios para movimentos que fará na
própria vida, abrindo espaço para o novo:
“Criar é basicamente formar. É poder dar uma
forma a algo novo. [...] novas coerências que se estabelecem para a mente
humana, fenômenos relacionados de modo novo e compreendidos em termos novos.”
(OSTROWER)
Fayga diz que o criar é um movimento produto das
necessidades humanas:
Movido por necessidades
concretas sempre novas, o potencial criador do homem surge na história como um
fator de realização e constante transformação. Ele afeta o mundo físico, a
própria condição humana e os contextos culturais. (OSTROWER)
O agir amparado
pelo continente do setting arteterapêutico é uma espeficifidade da Arteterapia dentre as técnicas
terapêuticas. Desta forma, o setting se configura como um ambiente suportado
pela transferência com o arteterapeuta para que o paciente vivencie-se no fazer. Que perceba-se em suas dificuldades e
resistências e tenha a oportunidade de enfrentá-las. Que em meio a esta
experiência ele possa tomar decisões sobre este enfrentamento (ou não) e que
assim ele se responsabilize por ela e por si como autor e protagonista da sua obra/história.
De toda forma, ao ouvirmos o relato angustiado “... imagino que estou fazendo...” o sutil
convite do arteterapeuta é apenas (apenas?) “Então
vamos fazer?”.
OSTROWER, Fayga. Criatividade e Processos de Criação.
Petrópolis, RJ: Vozes, 2014.
Para saber mais sobre o mini curso on line "O fenômeno da projeção em Arteterapia" acesse www.centrodehumanas.com.br
Gostei muito da idéia de mini curso online.
ResponderExcluirEsclarecendo o processo criativo,em arteterapia.
Ótimo texto. Sim! É este um dos poderes da arte.
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