Eliana Moraes
Estamos em um
momento crucial para a Arteterapia em nosso país, em meio ao processo de sua
profissionalização. Uma das implicações desta nova perspectiva é o movimento
que a Arteterapia fará para que constitua sua identidade, seu corpo teórico e
campo de atuação próprios.
Uma das
especificidades da Arteterapia como técnica terapêutica é o manejo do fenômeno
da transferência, uma vez que por definição se baseia no uso das técnicas expressivas
no processo terapêutico. Este “pequeno detalhe” acarreta uma série de
desdobramentos ao qual faz-se necessário que a Arteterapia teorize e
instrumentalize o arteterapeuta para sua atuação profissional.
No texto publicado
no dia dezoito de maio de 2015, dei início a esta reflexão em um texto chamado
“O manejo do fenômeno da projeção em Arteterapia (Parte I)” e hoje darei
seguimento.
Retomando a
questão, a projeção é um fenômeno inconsciente, natural e automático, ao qual um conteúdo inconsciente para
o sujeito é transferido para um objeto, fazendo com que este conteúdo pareça
pertencer ao objeto. Aqui entendemos “objeto” da forma mais ampla possível,
sendo uma outra pessoa, um objeto material, até mesmo uma obra de arte em suas
mais variadas linguagens...
Fazendo um recorte deste fenômeno para a
clínica, voltamos o olhar para a projeção de um sujeito (o paciente) à outro
ser humano (o terapeuta), e
assim é denominado o fenômeno da transferência. A outra via deste fenômeno, do
terapeuta ao paciente, contratransferência. Entretanto, se estamos na clínica
da Arteterapia, apresenta-se a especificidade da inclusão de um terceiro
elemento nesta dinâmica, formando-se a tríade “terapeuta-paciente-material” –
entendendo material em um sentido amplo como o material plástico, a técnica
expressiva, a imagem.
A entrada deste terceiro elemento altera
toda a dinâmica do processo terapêutico uma vez que ele divide com o terapeuta
o fenômeno da projeção. Nas palavras de Claudia Brasil:
“Na relação terapêutica, as projeções são diretamente feitas ao
terapeuta, que, como uma tela em branco, ocupa esse lugar de ser alguém muito bom ou muito ruim,
dependendo dos conteúdos que foram projetados pelo cliente... É no encontro
analítico e precisamente na relação de transferência e contratransferência que
a ferida será tocada... para que possa ser o
espelho para o outro.” (BRASIL, 2013 p 51)
“Nessa perspectiva é preciso entender que qualquer novo elemento que
permeie essa relação pode provocar mudanças
significativas no processo de espelhamento e da formação da consciência, o
que colabora com a ideia de que os materiais podem ser considerados esse
terceiro elemento. Um objeto que se relaciona com o terapeuta e com o cliente,
não apenas como depositário das imagens, mas como troca significativa, na qual
é imposto ao cliente um movimento, uma ação e um olhar para que possa se fazer
entender no processo de criação.” (BRASIL, 2013 p 53)
Neste contexto
apresenta-se uma nova configuração no setting terapêutico:
“... a ideia de um terceiro elemento...
canaliza certas projeções, bem como uma quantidade de energia para os
materiais... Logo percebemos que os materiais tomam uma dimensão, adquirem
importância para o cliente e também para o terapeuta... tornam-se o centro do processo, e, em muitas situações, o cliente
volta-se para sua obra de forma intensa, como uma mãe volta-se para o filho que
nasce. (BRASIL, 2013 p 55-56)
Esta perspectiva
desafia o arteterapeuta à uma mudança de lugar.
“a relação tríade não exclui o terapeuta, mas inclui os materiais e a
obra como cocatalizadores”. (BRASIL, 2013 p 56)
“O terapeuta fica em uma posição lateral, preservado e menos solicitado
afetivamente.” (BRASIL, 2013 p 56)
“Ao terapeuta, cabe a tarefa de, na relação de transferência, propiciar
um campo de acolhimento para essas manifestações autônomas do inconsciente.”
(BRASIL, 2013 pag 50)
Na prática, o que
isto significa? É natural a pergunta: qual é o papel do terapeuta que compõe a
tríade?
Basicamente e
essencialmente a importância do terapeuta está em sua presença! Estar ao lado
do paciente enquanto ele trilha seu caminho de autoconhecimento. Vale ressaltar
que esta dinâmica traz uma responsabilização ao paciente por seus próprios
passos, convocando-o a ser autor de sua obra e protagonista de sua jornada. Ao
terapeuta caberá dar sustentação para este caminhar através de seu afeto na
relação de transferência.
Durante este
processo o terapeuta fará uso de sua técnica propondo os materiais, as técnicas
expressivas. Desta forma é necessário primeiramente que ele tenha
instrumentalização teórica e experiência com a riqueza de materiais, técnicas e
suas propriedades para que saiba oferecê-los durante o processo terapêutico. Em
segundo lugar é essencial que o arteterapeuta desenvolva uma escuta refinada e
uma observação atenta para seu paciente
em seu processo, e perceba em que momento se presentificar ou apenas
permitir que seu paciente caminhe, enquanto desempenha seu papel principal:
estar ao lado.
A relação
terapêutica baseada na tríade é conhecida por outros campos de saber como a
Terapia Ocupacional. E foi teorizada por grandes referências como a Doutora
Nise da Silveira. Entretanto estes são corpos teóricos que não são
especificamente Arteterapia. Que através da prática e da pesquisa, a
Arteterapia permaneça caminhando na construção de sua própria identidade e
corpo teórico próprios.
Caso tenha dificuldades em postar seu comentário, nos envie por e-mail que nós publicaremos no blog: naopalavra@gmail.com
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BRASIL, Claudia. Cores, Formas e Expressão: Emoção de
lidar e Arteterapia na Clinica Junguiana. Ed. Wak. Rio de Janeiro, RJ. 2010.
Muito bom, grata pela partilha. Sempre abrindo outros olhares e encantamentos para com o set. Gratidão!
ResponderExcluirObrigada por compartilhar...
ExcluirAbraço
Ariclê
Ótima leitura fiz agora! Com certeza acrescentou bastante, pois a partir de uma contextualização interna da concepção acerca de outras pessoas ou situações,estamos sujeitos a julgar erradamente ou não, confirmando assim, ser um fato psíquico e subjetivo.
ResponderExcluirSerá que consegui explicar-me ? Agradeço este momento de leitura e reflexão.
Ótima leitura fiz agora! Com certeza acrescentou bastante, pois a partir de uma contextualização interna da concepção acerca de outras pessoas ou situações,estamos sujeitos a julgar erradamente ou não, confirmando assim, ser um fato psíquico e subjetivo.
ResponderExcluirSerá que consegui explicar-me ? Agradeço este momento de leitura e reflexão.