Páginas

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016

O MANEJO DO FENÔMENO DA PROJEÇÃO EM ARTETERAPIA (PARTE II)


Eliana Moraes

Estamos em um momento crucial para a Arteterapia em nosso país, em meio ao processo de sua profissionalização. Uma das implicações desta nova perspectiva é o movimento que a Arteterapia fará para que constitua sua identidade, seu corpo teórico e campo de atuação próprios.

Uma das especificidades da Arteterapia como técnica terapêutica é o manejo do fenômeno da transferência, uma vez que por definição se baseia no uso das técnicas expressivas no processo terapêutico. Este “pequeno detalhe” acarreta uma série de desdobramentos ao qual faz-se necessário que a Arteterapia teorize e instrumentalize o arteterapeuta para sua atuação profissional.

No texto publicado no dia dezoito de maio de 2015, dei início a esta reflexão em um texto chamado “O manejo do fenômeno da projeção em Arteterapia (Parte I)” e hoje darei seguimento.

Retomando a questão, a projeção é um fenômeno inconsciente, natural e automático, ao qual um conteúdo inconsciente para o sujeito é transferido para um objeto, fazendo com que este conteúdo pareça pertencer ao objeto. Aqui entendemos “objeto” da forma mais ampla possível, sendo uma outra pessoa, um objeto material, até mesmo uma obra de arte em suas mais variadas linguagens...

Fazendo um recorte deste fenômeno para a clínica, voltamos o olhar para a projeção de um sujeito (o paciente) à outro ser humano  (o terapeuta), e assim é denominado o fenômeno da transferência. A outra via deste fenômeno, do terapeuta ao paciente, contratransferência. Entretanto, se estamos na clínica da Arteterapia, apresenta-se a especificidade da inclusão de um terceiro elemento nesta dinâmica, formando-se a tríade “terapeuta-paciente-material” – entendendo material em um sentido amplo como o material plástico, a técnica expressiva, a imagem.

A entrada deste terceiro elemento altera toda a dinâmica do processo terapêutico uma vez que ele divide com o terapeuta o fenômeno da projeção. Nas palavras de Claudia Brasil:

“Na relação terapêutica, as projeções são diretamente feitas ao terapeuta, que, como uma tela em branco, ocupa esse lugar de  ser alguém muito bom ou muito ruim, dependendo dos conteúdos que foram projetados pelo cliente... É no encontro analítico e precisamente na relação de transferência e contratransferência que a ferida será tocada... para que possa ser o espelho para o outro.” (BRASIL, 2013 p 51)

“Nessa perspectiva é preciso entender que qualquer novo elemento que permeie essa relação pode provocar mudanças significativas no processo de espelhamento e da formação da consciência, o que colabora com a ideia de que os materiais podem ser considerados esse terceiro elemento. Um objeto que se relaciona com o terapeuta e com o cliente, não apenas como depositário das imagens, mas como troca significativa, na qual é imposto ao cliente um movimento, uma ação e um olhar para que possa se fazer entender no processo de criação.” (BRASIL, 2013 p 53)

Neste contexto apresenta-se uma nova configuração no setting terapêutico:
“... a ideia de um terceiro elemento... canaliza certas projeções, bem como uma quantidade de energia para os materiais... Logo percebemos que os materiais tomam uma dimensão, adquirem importância para o cliente e também para o terapeuta... tornam-se o centro do processo, e, em muitas situações, o cliente volta-se para sua obra de forma intensa, como uma mãe volta-se para o filho que nasce. (BRASIL, 2013 p 55-56)

Esta perspectiva desafia o arteterapeuta à uma mudança de lugar.
“a relação tríade não exclui o terapeuta, mas inclui os materiais e a obra como cocatalizadores”. (BRASIL, 2013 p 56)
“O terapeuta fica em uma posição lateral, preservado e menos solicitado afetivamente.” (BRASIL, 2013 p 56)
“Ao terapeuta, cabe a tarefa de, na relação de transferência, propiciar um campo de acolhimento para essas manifestações autônomas do inconsciente.” (BRASIL, 2013 pag 50)

Na prática, o que isto significa? É natural a pergunta: qual é o papel do terapeuta que compõe a tríade?

Basicamente e essencialmente a importância do terapeuta está em sua presença! Estar ao lado do paciente enquanto ele trilha seu caminho de autoconhecimento. Vale ressaltar que esta dinâmica traz uma responsabilização ao paciente por seus próprios passos, convocando-o a ser autor de sua obra e protagonista de sua jornada. Ao terapeuta caberá dar sustentação para este caminhar através de seu afeto na relação de transferência.

Durante este processo o terapeuta fará uso de sua técnica propondo os materiais, as técnicas expressivas. Desta forma é necessário primeiramente que ele tenha instrumentalização teórica e experiência com a riqueza de materiais, técnicas e suas propriedades para que saiba oferecê-los durante o processo terapêutico. Em segundo lugar é essencial que o arteterapeuta desenvolva uma escuta refinada e uma observação atenta para seu paciente em seu processo, e perceba em que momento se presentificar ou apenas permitir que seu paciente caminhe, enquanto desempenha seu papel principal: estar ao lado.

A relação terapêutica baseada na tríade é conhecida por outros campos de saber como a Terapia Ocupacional. E foi teorizada por grandes referências como a Doutora Nise da Silveira. Entretanto estes são corpos teóricos que não são especificamente Arteterapia. Que através da prática e da pesquisa, a Arteterapia permaneça caminhando na construção de sua própria identidade e corpo teórico próprios.

Caso tenha dificuldades em postar seu comentário, nos envie por e-mail que nós publicaremos no blog: naopalavra@gmail.com
______________________________________________


BRASIL, Claudia. Cores, Formas e Expressão: Emoção de lidar e Arteterapia na Clinica Junguiana. Ed. Wak. Rio de Janeiro, RJ. 2010.

4 comentários:

  1. Muito bom, grata pela partilha. Sempre abrindo outros olhares e encantamentos para com o set. Gratidão!

    ResponderExcluir
  2. Ótima leitura fiz agora! Com certeza acrescentou bastante, pois a partir de uma contextualização interna da concepção acerca de outras pessoas ou situações,estamos sujeitos a julgar erradamente ou não, confirmando assim, ser um fato psíquico e subjetivo.
    Será que consegui explicar-me ? Agradeço este momento de leitura e reflexão.

    ResponderExcluir
  3. Ótima leitura fiz agora! Com certeza acrescentou bastante, pois a partir de uma contextualização interna da concepção acerca de outras pessoas ou situações,estamos sujeitos a julgar erradamente ou não, confirmando assim, ser um fato psíquico e subjetivo.
    Será que consegui explicar-me ? Agradeço este momento de leitura e reflexão.

    ResponderExcluir