Por Eliana Moraes – MG
naopalavra@gmail.com
Bem-vindo 2024! Abre-se as portas de um novo ciclo em
nossa caminhada assim como da jornada do Não Palavra Arteterapia. Iniciamos o
décimo primeiro ano do Não Palavra, apropriados do lugar que organicamente
fomos desenhando: um espaço de formação continuada ao arteterapeuta, a formação
livre que se inicia na conclusão do curso de formação e se segue enquanto esse
profissional se mantiver em atuação.
Particularmente, sou muito motivada em colaborar para o
desenvolvimento de arteterapeutas com tanta vocação guardada no peito, mas que
necessitam de uma boa orientação para o firmar de seus passos.
Minha atuação como supervisora tem se ampliado cada vez
mais, no acompanhamento de arteterapeutas formados e também na disciplina de
Supervisão de Estágio na pós graduação do Instituto Faces- SP. Compreendo ser
necessário me aprofundar em estudos que possam colaborar para meu
desenvolvimento nessa função. Movida por esse propósito, no período do recesso
me debrucei na leitura de um livro que me foi sugerido por uma das grandes
parceiras da rede Não Palavra: “Perspectivas junguianas sobre supervisão
clínica” organizado por Paul
Kugler. Compreendendo que esta é uma literatura que discorre sobre aspectos da
supervisão no campo da formação em Psicologia Analítica, fica claro que a partir
dela podemos encontrar espelhamentos para a formação em Arteterapia.
De saída, o livro me capturou ao defender que o
supervisionando (portanto, um terapeuta) deve ser tratado como um “colega mais
novo” por seu supervisor. Que o supervisionando, naturalmente, pode aprender e
internalizar o conhecimento e manejo do supervisor, porém, este é um espaço de
debate e reflexão com o intuito de “consolidar as aptidões profissionais do
candidato à sua própria maneira única, de modo que ele se torne seu próprio
tipo de terapeuta, sem identificação grosseira com o supervisor.” (COUBETT in
KUGLER,2023, 83)
De fato, esse é um convite que com frequência faço aos arteterapeutas recém formados, que buscam iniciar sua atuação profissional. É necessária uma mudança de lugar e de postura: agora o arteterapeuta deve abrir mão de uma mentalidade de aluno e migrar para um lugar de profissional-eterno aprendiz, autorizando-se à uma postura adulta e protagonista no exercício de seu ofício. Somente assim, o profissional arteterapeuta poderá reconhecer sua singularidade, sua maneira única de ser arteterapeuta, na construção de sua identidade terapêutica e por fim, conhecer e se apropriar de seu estilo arteterapêutico.
No
capítulo “Observações históricas”, de Mary
Ann Matton, a autora revela que:
A diretriz mais útil a que fui exposta no tocante ao
trabalho de controle foi a declaração de meu analista em Zurique: “o que
conta não é o que você faz; é o que você é”. Foi assustador considerar
isso, mas essa declaração manteve o foco em meu próprio trabalho psicológico -
uma condição sine qua non para um analista - e abriu caminho para eu
desenvolver meu próprio estilo. (MATTON in KUGLER, 2023, 41)
Importante
ressaltar que no referido livro, as expressões “trabalho de controle” ou “sessões
de controle” se referem às sessões de supervisão. Assim, nesse trecho, a autora
revela que a orientação mais marcante de sua supervisão foi a consciência da
importância de quem o terapeuta é, o que inclui seu processo terapêutico
pessoal e o desenvolvimento de seu estilo próprio como terapeuta.
Além disso, a autora cita Hilman,
que defende que o mais importante para um terapeuta desenvolver seu estilo está
em sua natureza e sua experiência (MATTON in KUGLER,
2023, 43). Ou seja: quem o terapeuta é em sua essência e qual é a sua bagagem,
sua história e seu repertório.
Já
Lionel Corbett me oferece orientações de qual é em realidade, meu papel como
supervisora, mas também orienta os terapeutas-supervisionandos sobre o que
devem buscar na figura de um supervisor: um mentor sensível ao seu mentorando, que
encarna o arquétipo do iniciador e não aquele que detém o poder e a verdade:
O mentor-supervisor se lembrará que seu estilo pessoal na supervisão e o que ele julga importante não são aplicáveis universalmente [...] A fim de ser útil ou importante para o candidato, o supervisor distinguirá suas próprias necessidades nessas áreas das necessidades do candidato e procurará discernir quem o candidato é ou está tentando tornar-se [...] O que quero salientar aqui é que o mentor procura discernir como esse determinado candidato trabalha melhor e não o encaixar a força num sistema de pensamento. Para isso, o supervisor precisa ser sensível aos efeitos de seu viés teórico e também pessoal. (CORBETT in KUGLER, 2023, 91-92)
O
autor sinaliza que algo singular na perspectiva junguiana do trabalho de
supervisão é considerar que ser terapeuta é algo inserido na jornada de
individuação daquele sujeito. Consequentemente, o papel do supervisor não é
conduzir o supervisionando na direção de seu próprio caminho, mas sim, colaborar
para que terapeuta encontre quem ele foi destinado a ser:
O traço eminente do modelo de mentor que causa dificuldade é que ele estimula o candidato a desenvolver seu próprio estilo e prática e tornar-se o terapeuta que ele foi destinado à tornar-se, baseando-se na teoria da terapia que for mais adequada ao indivíduo do ponto de vista temperamental e espiritual. (CORBETT in KUGLER, 2023, 85)
Contudo o autor também
ressalta que faz parte da função do supervisor oferecer os devidos contornos
teóricos ao terapeuta-supervisionado, e assim:
Teoricamente, o mentor apoiará essa escolha se for razoável, sem insistir que o candidato adote o modelo de tratamento do próprio supervisor. (CORBETT in KUGLER, 2023, 85)
Por fim, Corbett nos sinaliza que “Algumas habilidades são importantes para todos os terapeutas, enquanto outras são uma questão de estilo pessoal [...] (CORBETT in KUGLER, 2023, 91-92). Uma citação tão simples, mas tão profunda, que me fez pensar: quais são as habilidades importantes para todos os arteterapeutas e quais são uma questão de estilo pessoal?
Essa
é uma das questões que orientará minha produção de conteúdos pelo Não Palavra,
em textos, aulas, palestras, grupos de estudos e supervisão nesse novo ciclo.
Que o leitor se sinta convidado a caminhar com a rede Não Palavra, no
desenvolvimento de cada estilo pessoal, em 2024 e sempre.
Referência Bibliográfica:
KUGLER, Paul. (Org) Perspectivas junguianas sobre supervisão clínica. Petrópolis, RJ: Vozes, 2023.
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Sobre a autora: Eliana Moraes
Este texto me abraçou! Veio ao encontro de algumas inquietações significativas da minha trajetória profissional/pessoal! Amei ler e penso que é um texto importantíssimo para os arteterapeutas de todas as abordagens!
ResponderExcluirParabéns por mais um texto esclarecedor, potente e que com certeza trará quietude aos corações de muitos colegas ao repensarem seus caminhos na formação profissional. Que venham mais conteúdos como este para nos enriquecer e clarear as nossas escolhas. Obrigada.
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