segunda-feira, 9 de outubro de 2023

A IMPORTÂNCIA DO GRUPO DE ESTUDOS ARTETERAPÊUTICO

 


Por Eliana Moraes

naopalavra@gmail.com

@naopalavra 

Diante da proposta do projeto Não Palavra em se consolidar como um espaço de formação continuada livre em Arteterapia, temos como orientação de produção de conteúdos e eventos o que acreditamos ser “o quadripé” que sustenta o arteterapeuta. Tomando como inspiração o o modelo da psicanálise que sugere um tripé para a sustentação de um bom analista, acreditamos que o arteterapeuta necessita de quatro bases que o sustentem:  terapia pessoal, o estudo teórico (individual e em grupo) e em específico, a experiência pessoal com seu processo criativo e a própria produção de imagens. Como modelo orientador dessa proposta, e consequentemente do Não Palavra Arteterapia, desenvolvi o esquema abaixo:

 


Esquema de autoria de Eliana Moraes 

Cada base que compõe o quadripé sustentador do arteterapeuta merece um aprofundamento teórico em si. No presente texto pretendo me aprofundar na terceira perna: a continuidade do estudo teórico ao longo da prática arteterapêutica, mas em específico na modalidade grupal.

Compreendemos que em todo curso formação profissional, é apresentado ao aluno as bases teóricas que compõem aquele saber. E no decorrer de seu desenvolvimento, o profissional tem como autorresponsabilidade buscar especializações que possam lapidar sua atuação. Em Arteterapia, entretanto, acreditamos que esse processo adquire outras ramificações uma vez que ela possui a característica de dialogar e fazer interseções com diversos outros saberes, tanto da Psicologia em suas várias teorias, mas também de outras disciplinas além desta.

Nesse sentido acreditamos ser fundamental ao arteterapeuta aquilo que chamamos de formação continuada, aquela que se estende de forma livre e autogestiva, mantida pelo profissional ativo.

Para tanto, compreendemos que a modalidade de estudos grupais faz-se como um excelente recurso de desenvolvimento e amadurecimento, teórico e prático, ao arteterapeuta. Porém, a partir da experiência dos últimos anos com a rede de arteterapeutas inserida nos territórios do Não Palavra, observamos que, para além de uma lapidação técnica, o grupo de estudos proporciona aos profissionais uma experiência de ancoramento, pertencimento, vínculo e coperação mútua.

Fazer parte de um grupo de estudos pós formação coopera para um maior comprometimento do estudo continuado através da relação com o outro. A regularidade dos encontros promove o desenvolvimento do raciocínio e do manejo clínicos, experimentando em si o compartilhamento teórico e prático do outro semelhante. Mas sobretudo, constatamos que a consolidação desse território de relações gera um desenvolvimento do sujeito-terapeuta, integrando a persona profissional com sua pessoalidade. 

Vale destacar que a consolidação do Não Palavra como um espaço de formação continuada só foi e é possível contando com algumas parcerias, em especial, do Espaço Crisântemo-SP, regido pela batuta da maestra Regina Célia Rasmussen. Por esse motivo, o presente texto é escrito na primeira pessoa do plural, pois ele só existe como “nós”. Nesse território virtual construímos um grande grupo de estudos aberto, através do qual são oferecido diversos encontros teóricos e/ou práticos que, mesmo tendo a proposta de participação a medida da disponibilidade de cada participante, conquistamos um núcleo de arteterapeutas que se relacionam, aprendem, debatem, se desenvolvem e trocam entre si, continuamente.

Para embasar nossas percepções práticas, encontramos eco nas palavras de Beatriz Cardella em seu tão belo livro “De vonta para casa”, especialmente no capítulo “Grupo de estudos e pertencimento: caminhos para a formação continuada em Gestalt-terapia”. Natualmente observamos que a autora orienta sua escrita para seu campo de atuação, qual seja, psicoterapeutas orientados pela Gestalt Terapia. Entretando, nossa proposta é beber da fonte de sabedoria da autora e aplicar suas reflexões em nossos contornos arteterapêuticos.

Grupos de estudos e seus benefícios

Um primeiro ponto que gostaríamos de destacar se refere justamente à passagem de uma vivência profissional no singular, para uma experiência plural. A profissão de terapeuta por muitas vezes se constrói como uma jornada solitária pois em seu ofício, o comprometimento ético com o sigilo de tudo aquilo que ouve, fala e vivencia dentro do setting terapêutico, é imperativo. Porém, em sua humanidade, o terapeuta ainda guarda suas necessidades fundamentais de inclusão, troca e pertencimento:

As necessidades de pertencimento e inclusão são necessidades fundamentais da pessoa humana, dando sentido ao papel dos Grupos de Estudos e Pertencimento não só como possibilidade de ampliação  e aprofundamento do conhecimento em Psicoterapia, mas de troca viva de experiências entre psicoterapeutas, cujo ofício é caracterizado por uma solidão decorrente do imperativo ético do sigilo profissional. (CARDELLA, 2020,271)

Essa caminhada solitária também acontece devido a características específicas da “relação terapêutica”. Nesses contornos, o terapeuta se relaciona com muitas pessoas, porém imbuído de sua persona de profissional – recurso bastante importante para a boa condução de sua prática. Por outro lado, faz-se bastante salutar que este terapeuta-sujeito tenha a oportunidade de adentrar em algum espaço seguro, entre seus pares, para que possa (re)ver-se sobre suas humanidades contidas por detrás da persona:

Diferente de outros profissionais, o psicoterapeuta muitas vezes inundado pela intensidade e pela complexidade de suas vivências junto aos seus pacientes, conta apenas consigo mesmo para elaborá-las e atravessá-las, impossibilitado que está de compartilhar essas mesmas vivências com amigos ou familiares.

Embora possa contar com seu próprio terapeuta e com supervisores, observo que o compartilhamento com colegas, ou seja, o pertencimento a uma comunidade, possibilita a apropriação de suas dúvidas, angústias, problemas, conflitos, descobertas, conquistas, inseguranças, encantamentos, conhecimentos e sabedorias, tornando-as experiências e contribuindo para a constituição de senso de si mesmo. (CARDELLA, 2020, 271)

Na comunidade formada por um grupo de estudos arteterapêutico é possível encontrar ecos de nossas experiências pessoais, espelhamentos, acolhimento e devolutivas à possíveis contratransferências, sincronicidades que apontam o campo formado pela união dos inconscientes dos terapeutas e seus pacientes, enfim, consolida-se um grupo de “ajuda mútua” onde terapeutas-sujeitos vivenciam o que Beatriz Cardella chama de “alternância de cuidados”, tão importância para a manutenção de sua saúde.

Retomando a reflexão de uma prática profissional em experiência plural, é possível apontar outra conotação para essa  expressão: refere-se à oportunidade de ampliação de olhares, perspetivas, pontos cegos. A caminhada solitária do arteterapêuta também contém o perigo de formar um olhar parcial e  limitado às percepções  e repertórios pessoais do sujeito-terapeuta e consequentemente construindo uma escuta clínica reducionista frente à complexidade humana. A experiência do grupo de estudos arteterapêutico proporciona a abertura para o contato e integração da diversidade humana à ser recebida do setting arteterapêutico. O chão seguro para o compartilhamento da multiplicidade de experiências proporciona ao sujeito-terapeuta o desenvolvimento de seu autossuporte:

Compartilhar com colegas estabelece uma rede de sustentação e uma comunidade de destino, apaziguando tensões, ajudando a dar significados e sentidos em suas vivências, olhando-as de múltiplas e diferentes perspectivas e abrindo possibilidades e esperanças.

O compartilhamento de experiências e o confronto com as diferenças possibilita, paradoxalmente, o desenvolvimento do autossuporte no exercício da profissão, já que nos constituímos sempre em presença do outro. (CARDELLA, 2020, 271-272)

Na experiência plural, em contramão de uma vivência solitária, observamos que algo fundamental que compõem nossa rede se dá na troca de experiências e narrativas. O compartilhamento das sensações de conquistas, sucesso, insights, saltos e superações ou então sensação de insegurança, fracasso e equívocos. Em um grupo bem vinculado é possível compartilhar todas as experiências entre luz e sombra. Compartilhamentos de minha experiência no lugar de sustentadora do espaço, também tem seu lugar nesse campo de amadurecimento:

Percebo que quando relato experiências contando episódios e impasses na relação com determinados pacientes e de acontecimentos que marcaram meu percurso profissional, minhas dificuldades, dúvidas e desafios passados ou atuais, sentem-se legitimados, confirmados, apaziguados, consolados, inspirados, acompanhados e provocados em seus próprios embates.

Encontram referências para compreender suas intervenções e passam a ser capazes de nomear algumas de suas experiências […]

As narrativas acontecidas durante os encontros, tanto da coordenadora quanto dos colegas são formas de Transmissão Oral, tão rara no nosso mundo [atual]. (CARDELLA, 2020, 276)

 

Assim, como antídoto de uma prática arteterapêutica solitária, formamos um  território de enraizamento e pertencimento:

As narrativas possibilitam também o encontro de raízes, o estabelecimento das comunidades, a apropriação da Tradição, fundamentais na experiência de pertencimento e inclusão. (CARDELLA, 2020, 277)

Nessa caminhada, Beatriz Cardella também tounou-se uma grande referência para mim mesma, como supervisora-sujeito. Sempre acreditei que o papel do supervisor é cooperar para o desenvolvimento do estilo pessoal do terapeuta em construção. Ajudá-lo a encontrar seus recursos singulares e fazer o melhor uso de cada um deles, de maneira autônoma e segura. Na sustentação de um grupo, acredito que o papel do coordenador seja sustentar o campo para que o grupo faça seus movimentos de autorregulação e ajustamento criativo, para além do meu “poder de controle”. Sinto felicidade quando vejo os arteterapeutas de nossa rede se relacionando, trocando se desenvolvendo entre si. Essa é uma experiência plural e enraizadora:

Tanto a presença do coordenador como dos colegas oferece ao participante a possibilidade de enraizamento e de abertura; a depender das atitudes do coordenador na direção de promover autossuporte e autonomia dos colegas menos experientes, iniciará o importante processo de deixar heranças, desocupando gradativamente os lugares alcançados […]

Construção e desconstrução acontecem durante os encontros entre terapeutas no processo de formação continuada; os novos controem, crescem para cima e vão se tornando experientes, e o experiente cresce para baixo, deixa heranças, desconstrói e desocupa os lugares alcançados, realizando e atualizando as tarefas do percurso humano, processos de contínuos ajustamentos criativos. (CARDELLA, 2020, 273)

Encontrei nas palavras de Beatriz uma orientação que eu já vivia de forma intuitiva. Meu desejo é que meus alunos arteterapeutas “cresçam para cima”, se desenvolvam, se desafiem e levem a Arteterapia ao mundo como uma prática potente e consistente. Enquanto isso, sigo “crescendo para baixo”, deixando minhas heranças e abrindo espaço para que eles possam voar cada vez mais alto!!!

Referência Bibliográfica:

CARDELLA, Beatriz Helena Paranhos. De volta para casa: ética e poética na clínica gestáltica Contemporânea. Editora Amparo, SP. 2020

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Sobre a autora: Eliana Moraes



Arteterapeuta e Psicóloga
Pós graduada em História da Arte
Especialista em Gerontologia e saúde do idoso.
Cursando MBA em Logoterapia e Desenvolvimento Humano
Fundadora e coordenadora do "Não Palavra Arteterapia".
Escreve e ministra cursos, palestras e supervisões sobre as teorias e práticas da Arteterapia. 
Faz parte do corpo docente de pós-graduações em Arteterapia: Instituto FACES - SP, CEFAS - Campinas, INSTED - Mato Grosso do Sul. 
Atendimentos clínicos individuais e grupais em Arteterapia online, sediada em Belo Horizonte, MG. 

Autora dos livros "Pensando a Arteterapia" Vol 1 e 2

Organizadora do livro "Escritos em Arteterapia - Coletivo Não Palavra

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