Eliana Moraes – MG
naopalavra@gmail.com
Desde o início de 2022 venho atualizando meus estudos e escrevendo sobre grupos arteterapêuticos e seu grande potencial de contribuição às relações contemporâneas, em especial a este momento “pós” pandêmico. Compreendemos que, dentro de um fenômeno coletivo, as relações humanas estão em crise. Entretanto se elas se apresentam como um desafio, também são fontes de alento. Se por vezes podem intoxicar como um “veneno”, através delas recebemos um “remédio”. Se por um lado são fonte de sofrimento, nelas encontramos a “cura”. Nas palavras de Beatriz Cardella:
Os sofrimentos humanos acontecem no entre, nos encontros e desencontros vividos ou nos encontros não acontecidos. A cura é também fenômeno do entre, concebida em Gestalt Terapia como a restauração da abertura, do ritmo, do fluxo, do diálogo, da criatividade, e dos laços que nos unem/diferenciam do outro, processo de crescimento, atualização e realização da singularidade.
A relação terapêutica pode ser a experiência matriz da abertura... (CARDELLA, 2020, p 103)
A cura em Gestalt Terapia, está intimamente ligada com relação, com restauração ou constituição do Diálogo. É o que chamamos de cura pelo Encontro...
O que cura na terapia é a relação em si, é o entre. É o “sou amado, logo existo”. (CARDELLA, 2020, p 119)
Tenho estimulado que arteterapeutas da rede Não Palavra e das formações que leciono criem propostas grupais, algo tão característico da Arteterapia, com a consciência dessa demanda e importância social. Sincronicamente iniciei os trabalhos de supervisão de estágio na pós em Arteterapia pelo Instituto Faces, em parceria com Mariana Farcetta. Nesses espaços com frequência nos debruçamos em compreender as diversas modalidades de grupos arteterapêuticos possíveis de forma que o arteterapeuta as conheça e amplie seu repertório e práticas – atuais e futuras.
Esse estudo motivou a escrita do presente texto, para o registro mais estruturado dessas diretrizes que servem para orientar tanto o arteterapeuta quanto os participantes, e também, possíveis gestores institucionais, sobre uma proposta arteterapêutica bem delineada.
Presencial ou on-line
A prática arteterapêutica grupal presencial amplia as formas de comunicação para além da verbal e expande o contato – no on-line, tão reduzido pela tela e caixas de som. No campo das relações, colabora para possíveis enfrentamentos internos e experiências reais para além do virtual/ideal e das quatro paredes de espaços físicos, por vezes empobrecidos. A presença de todos no mesmo espaço colabora para práticas criativas compartilhadas com o outro, algo tão revelador das dinâmicas e funcionamentos relacionais. Esse é um espaço em que as relações e seus atravessamentos aparecem de forma mais clara, através da fala e do silêncio, dos gestos, dos diferentes ritmos e das interações entre os participantes. Da mesma forma, modalidade presencial potencializa as experiências corporais (individual ou com o outro através da voz, do toque, odores e calor de um outro corpo), os sentidos e o cinestésico. Propicia também o aumento de acesso à riqueza de materiais. Como pontos desafiadores podemos citar a limitação do espaço e do tempo, sendo um formato mais restrito para que alguns encontros aconteçam. Desta forma, demanda um maior investimento integral e enfrentamento de possíveis resistências por parte dos experienciadores.
Já as práticas on-line ultrapassam os limites da geografia, assim potencializando as oportunidades de encontros que não aconteceriam em outro formato. A facilidade de acesso também aumenta o potencial de adesão. A prática nos mostrou que, mesmo a distância, é possível mobilizar fenômenos de campo através da comunicação inconsciente e construir vínculos grupais sólidos. A presença da tecnologia pode facilitar a rapidez de acesso a conteúdos e pesquisas que sirvam de estímulos geradores ao grupo. Entretanto, pode ser limitadora na comunicação ampliada, experiências corporais, quanto a diversidade de materiais e de algumas práticas colaborativas.
O fluxo de pessoas
Um grupo arteterapêutico pode ser aberto, quando a cada encontro é possível receber diferentes participantes, a partir de suas disponibilidades e interesses. Como exemplo podemos citar espaços institucionais em que cada encontro terapêutico se mantém de portas abertas para receber participantes que naquele dia e hora estão transitando pela instituição. Outro exemplo é o “Grupo Quíron”, sustentado pelo Não Palavra. Este é um grupo direcionado para arteterapeutas e estudantes recortarem um tempo e um espaço para sua relação própria com os materiais, processo criativo e produção de imagens. Este grupo se mantém continuado desde 2020, e a cada encontro os participantes podem se inscrever de forma independente.
Um grupo fechado se caracteriza quando os mesmos integrantes se comprometem a participar do processo grupal, excluindo a possibilidade da entrada de novos participantes ao longo caminho. Geralmente essa modalidade é utilizada quando as temáticas trabalhadas são estruturadas (melhor descritas abaixo) de forma que se um participante ingressar no meio do processo será prejudicado em sua experiência e/ou poderá interferir na jornada do grupo.
Já um grupo semiaberto se refere à uma proposta de grupo que mantém um núcleo de participantes assíduos que constroem um vínculo continuado mas que está prevista a possibilidade de ingresso de um novo participante quando o moderador compreender que pode ser construtivo para ele e para o grupo.
O tempo e o número de sessões
Consideramos um grupo continuado quando é sustentado por um tempo indeterminado, geralmente seguindo o fluxo grupal. Como por exemplo, o Grupo Quíron, que se mantém ativo há três anos e permanece aquecido, por isso nossa proposta é manter a regularidade dos encontros indefinidamente.
Já um grupo breve se dá quando já está previsto que ele terá começo, meio e fim, independente do número de sessões. Aqui temos como exemplo as práticas de estágio, que, respeitando o modelo de cada instituição formadora, via de regra, já se inicia com uma proposta de tempo e número de sessões determinados. Esta modalidade também é muito comum em instituições que apresentam um grande número de usuários, solicitando que mais pessoas possam ser beneficiadas com a experiência arteterapêutica ao longo do tempo. Desta forma, formar grupos breves, com uma rotatividade de participantes atende essa demanda.
A estrutura da proposta
Compreendemos uma proposta estruturada quando o moderador já conhece todo o conteúdo que será trabalhado naquele ciclo (geralmente esta modalidade funciona bem com um grupo breve). Por exemplo, se um arteterapeuta for oferecer um ciclo de quatro encontros aos quais cada vivência trará como tema um dos quatro elementos da natureza. Se o arteterapeuta já conhece as temáticas e materiais que serão oferecidos até o fim, consideramos esta uma proposta estruturada.
Uma proposta aberta acontece quando o moderador oferece o encontro terapêutico sem qualquer planejamento anterior, deixando com que os estímulos disparadores surjam de forma espontânea, na experiência do “aqui e agora”. Desta forma, o processo criativo acontecerá naturalmente, a partir de algum estímulo surgido no momento, seja um material escolhido pelo participante ou uma palavra destacada pelo diálogo do grupo. Como exemplo podemos citar os ateliês de Livre Expressão sustentados pela Dra Nise e seus monitores. Os materiais eram expostos no ambiente e os pacientes interagiam e criavam livremente a cada encontro.
Já uma proposta semiaberta ou semiestruturada se dá na interseção dessas duas diretrizes. Quando o moderador elege uma proposta inicial – um material, uma temática, um estímulo, uma consigna – e se mantém aberto para ouvir o movimento grupal gerado por daquele estímulo. A partir dessa escuta ele irá construir os próximos estímulos oferecidos ao grupo, elegendo as propostas pertinentes àquele movimento grupal.
Sobre o grupo breve de proposta semiaberta
Este é o modelo grupal atualmente sugerido, de forma prioritária, no estágio da Pós Graduação em Arteterapia do Instituto Faces, ao qual tenho supervisionado. Neste formato sugerimos que o moderador divida o ciclo em três etapas – modelo que pode ser utilizado em outros contextos arteterapêuticos.
A primeira etapa é embasada em um tripé, desenvolvido como um esquema de orientação, abaixo.
Esquema de autoria de Eliana Moraes
No início de um processo arteterapêutico (seja ele em grupo ou individual) é importante que o arteterapeuta se dedique a um desbloqueio criativo, pois na maioria das vezes os participantes podem apresentar falta de intimidade ou alguma resistência com as práticas criativas. É interessante que se utilize técnicas e materiais facilitadores, sem grande potencial de resistência. A experimentação e exploração dos diversos materiais devem ser encaminhadas pelo arteterapeuta de forma progressiva quanto aos desafios apresentados por cada materialidade.
Em meio ao desbloqueio criativo, o arteterapeuta estará com sua escuta atenta em um processo de coleta de dados. Essa coleta se dá de forma verbal – a partir dos conteúdos relatados pelos participantes – e não verbal – a partir das expressões além da palavra como o corpo, o gesto, o processo criativo, as imagens, etc. São encaminhadas atividades de apresentação, quebra gelo e propostas mais abertas, ainda não focando nas possíveis demandas terapêuticas, uma vez que nesta etapa o arteterapeuta ainda está levantando hipóteses sobre os conteúdos psíquicos dos experienciadores.
Estas diretrizes iniciais apontam para aquilo que é a base de todo o processo: a formação de vínculo. Sem essa base, não é possível qualquer desenvolvimento terapêutico. Vale ressaltar que a formação de vínculo envolve o vínculo com o terapeuta e com os membros do grupo, uma vez que estes serão testemunhas de momentos bastante íntimos e delicados nesse caminho de autoconhecimento.
A segunda etapa se propõe a responder as demandas do grupo apresentadas na primeira fase. É possível buscar estímulos criativos que dialoguem com algumas as questões coletadas na primeira etapa – como palavras chave e temáticas bastante repetidas ou que saltaram aos ouvidos do terapeuta. Assim, o arteterapeuta irá propor técnicas, consignas e materiais que reverberam e potencializam a elaboração de questões levantadas pelo grupo. Esta é a fase de aprofundamento em questões psíquicas apresentadas.
Por fim, a terceira etapa é orientada para o processo de fechamento das questões trabalhadas. Na medida do possível, é importante cuidar para não se abrir novas questões. É tempo também de contribuir para que o experienciador vá se apropriando em sua autonomia para o criar, sendo estimulado para que a chama da criatividade permaneça acesa após fechamento desse ciclo. Encerrando o ciclo arteterapêutico, depois de um desbloqueio criativo e criação de intimidade com os materiais, cada experienciador poderá escolher os recursos que lhe foram mais mobilizadores e se experimentar em processos criativos mais livres e protagonistas de si, de sua obra e de sua vida.
A partir dessas diretrizes acredito ser possível instrumentalizar arteterapeutas que promovam grupos arteterapêuticos bem delineados e orientados. Essa estruturação do nosso trabalho colabora para que nossas propostas profissionais se apresentem de forma cada vez mais consistente às oportunidades que se apresentam a nós.
Excelente texto! Muito orientador e esclarecedor. Obrigada, Eliana!
ResponderExcluirEliana querida, como sempre "professora-guia" de tantos alunos, ex-alunos e de pessoas que se iniciam na prática da Arteterapia, participando da rede do Não palavra.
ResponderExcluirEliana sempre precisa, didática e fundamentada na potência do fazer arte, do ser arteterapeuta. Eliana sempre oferecendo, de maneira tão generosa e competente, os conhecimentos básicos e essenciais para uma prática de qualidade.
Muito bom fazer parte dessa rede. Caminhemos, sempre juntas, pois assim o caminho se torna mais leve e criativo. Avanteeee querida! beijos