Por Eliana Moraes – MG
naopalavra@gmail.com
O presente texto dá seguimento à publicação anterior deste blog, através do qual Silvia Quaresma, arteterapeuta de SP, iniciou nosso registro e compartilhamento da palestra “Os trabalhos com fios nas práticas da Arteterapia” oferecido pelo Não Palavra e o Espaço Crisântemo no último mês de março.
Percebo que um dos assuntos mais recorrentes nos espaços de supervisões em Arteterapia que sustento, se dá sobre as linguagens e materiais e suas aplicabilidades em Arteterapia. E de fato, considero esse um dos temas principais que compõem a formação continuada do arteterapeuta, e assim:
Tenho
pensado no arteterapeuta como um “promotor de encontros” entre o sujeito que
fala e um material que será facilitador de seu discurso, da elaboração de
conteúdos psíquicos e de retificações subjetivas a partir do ato criativo.
Nesse sentido é estrutural que o arteterapeuta dedique-se a conhecer e
aprofundar-se cada vez mais na riqueza e pluralidade de materiais passíveis de
serem aplicados no setting arteterapêutico.
O
arteterapeuta deve trabalhar com metáforas. Investir em apresentar para seu
paciente/cliente a analogia entre a questão trazida por ele e aquele material.
Sem o devido investimento na construção desse simbolismo, o paciente pode não
compreender e não investir de si naquela criação, tornando o processo sem
sentido e inócuo. A delicadeza e a destreza da construção das metáforas e
analogias entre as questões subjetivas e os materiais expressivos vêm sendo dos
pontos mais trabalhados em supervisões que ofereço para arteterapeutas em
construção. (MORAES, 2020, 17)
Neste contexto, tenho investido em produzir conteúdos sobre as linguagens e materiais de arte e suas aplicabilidades na Arteterapia. Textos sobre a música, a colagem, a pintura, a esculta e a escrita criativa já foram publicados neste blog e compilados na série de livros “Pensando a Arteterapia”. Compreendi que para ampliar este estudo seria interessante dialogar com outros arteterapeutas que tenham mais experiência e aprofundamento com outras linguagens da arte e assim nasceu esta parceria com Silvia, arteterapeuta que possui uma relação íntima e pessoal com os fios.
Nesta palestra Silvia nos mostrou o quanto os fios fazem parte da
nossa vida. E a partir da sua fala pude elencar algumas propriedades de seu uso
para orientar o arteterapeuta no momento de lançar mão desse recurso nas
diversas práticas da Arteterapia.
Propriedades dos trabalhos com fios
Inicialmente é interessante pensar que fios são linhas que ganharam volume e cor. Desta forma podemos retomar as propriedades destes elementos antes de pensar as propriedades dos fios propriamente ditos.
Das propriedades da linha podemos resgatar o movimento e o ritmo, a dimensão do tempo sendo inscrito no espaço e neste processo fazemos um contato com o movimento corporal. Através da linha firmamos nossos caminhos e limites. E pela perspectiva Junguiana, a função principal ativada em seu uso é a Função Pensamento. (Para saber mais sobre as propriedades da linha, veja ESTE TEXTO)
Das propriedades da cor podemos incluir sua vibração e potência (palavras de Kandinsky) e sua energia. A cor nos coloca em contato com emoções e nos proporciona um investimento de energia psíquica. Sua contemplação ativa nosso contato com a Função Sensação e o que é acionado a partir dela, com a Função Sentimento.
Quanto às propriedades dos trabalhos com fios, propriamente ditos,
podemos elencar: o acesso de memórias afetivas; a experiência com o tempo
kairós, o demorar-se, o aprofundar-se e o estar em contemplação; promove o
estar presente e a atenção plena;
abre canais expressivos e estimula a fala em associações livre e quando
em grupo, promove a comunicação e vinculação. É possível também se refletir
sobre cada etapa e material envolvido no processo: pensar sobre o suporte (o
bastidor, tecido, isopor, papel...); pensar sobre os diferentes tipos de nós,
laços simbólicos; pensar sobre os tipos de fios, suas grossuras e cores;
refletir sobre o firmar caminhos e processos, firmar limites; lidar com o
entrelaçar, cortar e emendar; lidar com o avesso. Estes são apenas alguns
exemplos das possíveis metáforas a serem exploradas, cabendo ao arteterapeuta
desenvolver esta escuta e proposta simbólica.
No contexto
arteterapêutico, a produtividade da tecelagem é grande: tecer, tramar, urdir,
produzir tessituras, dominar o fio e com ele formar estruturas. (PHILIPPINI,
2018, 60)
No processo
arteterapêutico, tecer equivale a ordenar, a articular, a entrelaçar, a
organizar, a apropriar-se do próprio fluxo criativo e existencial. (PHILIPPINI,
2018, 61)
Colocar o sujeito na experiência com o material significa coloca-lo para agir sobre ele em suas questões psíquicas. Dessa forma, é interessante ao arteterapeuta atentar aos “verbos” ou ás ações que cada material proporcionará externa e internamente em seu paciente.
As ações provocadas no processo com fios envolvem o tecer, tramar,
urdir, fiar, emendar, reaproveitar, cortar e “costurar”, “tecer”. Alinhavar,
entrelaçar, ligar, relacionar, vincular, conectar, articular. Ordenar,
organizar, estruturar. Firmar, apertar, afrouxar, desmanchar, desapegar,
refazer, atar, desatar. Enrolar,
desenrolar. Preencher, deixar vazio. Delinear, firmar limites. Firmar caminhos.
Rememorar, ressignificar. Comunicar, expressar, associar, falar. Demorar-se.
Focar, atentar-se
Potenciais de resistência
A reflexão quanto aos materiais também envolve pensar sobre os potenciais de resistência no experienciador para que o arteterapeuta tenha o devido cuidado de construir seu processo de desbloqueio criativo.
Nos trabalhos com fios podemos citar os preconceitos sobre uma arte do feminino ou a prática com o uso da(s) agulha(s).
Ocorrem preconceitos também sobre a dificuldade manual com a técnica envolvida e aqui cabe a reflexão sobre a importância do arteterapeuta conhecer a técnica proposta para passar segurança para o experienciador se lançar ao desafio e fazer seus enfrentamentos confiando no suporte de seu arteterapeuta. O ofício do arteterapeuta não reside no ensino de arte ou artesanato, porém isto não o isenta de conhecer as técnicas que oferece ao experienciador para que possa lhe passar segurança em sua experiência.
Em alguns casos ocorre a dificuldade com trabalhos minuciosos, o demorar-se e a atenção plena. É possível também o acesso a memórias pessoais não agradáveis que poderá acarretar no bloqueio com o material.
Em todos esses casos, o caminho se dá em buscar outras alternativas dentro da riqueza de possibilidades dentro dos trabalhos com fios. Por exemplo, se a dificuldade for com o manuseio da agulha, é possível a experiência do macramê. Se resistência for com trabalhos minuciosos, é possível a experimentação do tricô de braço, e assim por diante.
Herança Simbólica
“A origem do ato de tecer perde-se na noite dos tempos na memória humana. Surgiu da necessidade de cobrir e proteger o corpo das intempéries. A criatividade do ser humano cuidou de transformar a necessidade de sobrevivência em experiência e expressão artística.” (PHILIPPINI, 2018, 60)
Dentre a tamanha potência e propriedades dos trabalhos com fios nas práticas da Arteterapia, fica para mim a herança simbólica que esta linguagem carrega e seu grande potencial em proporcionar o contato com memórias oriundas do inconsciente individual e coletivo, além do contato com a ancestralidade e os ensinamentos que são transmitidos de geração em geração.
Bibliografia:
MORAES, Eliana. Pensando a Arteterapia Vol 2. Semente Editorial,
ES. 2019
_____________ (org). Escritos em Arteterapia – Coletivo Não
Palavra. Semente Editorial, ES. 2020
PHILIPPINI, Angela. Linguagens e Materiais Expressivos em
Arteterapia: uso, indicações e propriedades. Wak Editora, RJ, 2018.
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Sobre a autora: Eliana Moraes
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