segunda-feira, 25 de abril de 2022

PELÍCULA CINEMATOGRÁFICA, UM RECURSO NA ARTETERAPIA ou, simplesmente, CINEMATERAPIA. (Parte 1)

 


Por Milena Medeiros - Volta Redonda - RJ
milolmedeiros@gmail.com
 
O texto a seguir é síntese e fruto do Trabalho de Conclusão de Curso com base na casuística apresentada no período prático de especialização em Arteterapia - realizado na Clínica Pomar - junto a significativos elementos de pesquisa continuada e experiências colhidas, por parte de meu repertório de aplicabilidade no atendimento individual na atualidade, inclusive, no que abrange o setting arteterapêutico digital. A temática refere-se a Cinematerapia, termo criado por profissionais da psicologia, para uma técnica específica que se utiliza de Películas Cinematográficas e suas narrativas fílmicas, como recurso terapêutico. Uma cena, um diálogo, imagens com um ou mais personagens, o impacto sinérgico da música, os efeitos sonoros.  Detalhes de histórias contadas através de uma película (filme), que por retratarem dubiedades da própria vida, surpreendem por sensações e reflexões inesperadas, capazes de criar novas formas de subjetividade no observador. Em vista disso, a relação entre a psicologia e o cinema é objeto de estudos há décadas, pois está em função de um método que aponta a possibilidade em comunicar o efeito de fragmentos emocionais do paciente/cliente, no que diz respeito ao bom uso dos insights obtidos a partir de enredos fílmicos e trabalhados no setting terapêutico de forma detalhada e pontual.  O referente texto foi estruturado em três partes e elaborado da seguinte forma: A primeira - no encontro de hoje - as informações estarão a serviço da Sétima Arte e o que ela representou na sociedade, inclusive na de nosso país; na segunda parte: A Cinematerapia e o processo terapêutico no mundo, com tópicos sobre os benefícios no processo arteterapêutico, características e técnicas de aplicação; compondo a terceira e última parte:  Relatos de casos nas modalidades presencial e online. 

Com tais considerações, adentro o Território sagrado “Não Palavra” com o intuito de facilitar um encontro entre você leitor, a Sétima Arte: o cinema e a Arteterapia. Convidando-o a passear pelos contextos da relação entre Cinema- História e Poder, chegando ao Cinema Novo. Uma maneira diferente de fazer cinema, na década de sessenta, em que vários novos cineastas surgiram dispostos a revolucionar tanto a maneira de realizar as películas, quanto a forma de pensar as relações entre seus conteúdos e a sociedade brasileira. Assim, poderemos observar que o contexto evidencia em toda a sua linha do tempo - intervenções, rupturas e quebras de paradigmas. O que faz sentido com a busca do equilíbrio psíquico, conceito esse que a Arteterapia propõe. 

 Múltiplas são as formas de expressão artística utilizadas no setting de Arteterapia, apontadas como fonte de influência a favor da saúde. Dessa maneira, cada arte, considerada como ferramenta da criatividade no campo arteterapêutico, permitindo-se a liberdade de expressão sobre os sentimentos vivenciados pelo paciente/cliente - a cada momento da vida - pode comunicar o efeito de um mundo interno fracionado; sendo a arte, o material que está a serviço da cura.  Nessa circunstância, destaco a arte do cinema que se manifesta no indivíduo por influência, tratando-se de um encontro de ideias disseminadas e produzidas por histórias contadas que transmitem mensagens e valores. Um expressivo instrumento que imita a vida e provoca a identificação com os reveses, anseios e desejos mais humanos. Nesse enfoque, a Película Cinematográfica, realização última do cinema, é utilizada como recurso no processo terapêutico desde a década de cinquenta. Facilitando a auto compreensão e movimentando opções de ação que podem desencadear na transformação do Ser Ativo.

 Oliva et al. (2010) explicam que tomando como base a Biblioterapia[1], os psicólogos Berg-Cross, Jennings e Baruch, criaram o termo Cinematerapia. Sendo ela uma técnica que envolve películas aplicadas com o direcionamento do terapeuta e nos formatos individual e de grupo.

Ilustrando aspectos de uma experiência prática com um grupo de mulheres, em ambiente corporativo e na modalidade presencial, a aplicabilidade de uma Película Cinematográfica direcionada - com base na técnica da Cinematerapia - como estímulo a uma possível hipótese diagnóstica, produziu a composição entre o grupo e a sua própria comunicação. A materialidade expressiva acercou-se de conteúdos trabalhados em uma história fictícia que influenciou por comportamento, o mundo interno do indivíduo em comum na formação especifica do grupo em questão; Tal fenômeno abriu espaço para que novas concepções fossem acolhidas. Por consequência, pôde-se observar que a aplicação da técnica marcou de forma concreta o diagnóstico grupal. Viabilizando assim, a estruturação sobre o ciclo seguinte até o fechamento de todo o processo arteterapêutico. 

Tal experiência suscitou um tema que me propus a investigar: Como a arte do cinema, em Películas Cinematográficas, pode, como recurso, influenciar no processo arteterapêutico? Processo esse de significativo valor no ambiente arteterapêutico digital, experenciado pelo contexto COVID-19. 

... E PORQUE A SÉTIMA ARTE?
 
Ismail Xavier, professor e crítico de cinema, explica o motivo:  em 1911 o intelectual e cinéfilo Italiano, Ricciotto Canudo, morador de Paris e interessado na nova versão de diversão popular, cunhou tal expressão e escreveu um manifesto com a ideia organizada em um sistema. Havia estruturalmente três artes de espaço: a pintura, a escultura e a arquitetura; e três artes de tempo: a música, a dança e a poesia. Para Canudo, o cinema era a grande síntese das seis artes descritas; portanto, a sétima. Por essa vertente, reivindicou a condição de arte para o próprio cinema, ligando-o de forma simultânea a dinâmica social e espacial da tecnologia, do movimento, das máquinas e de um período caracterizado pelo modo de vida urbano. Desde então, ao Cinema foi atribuído o caráter estético, reconhecido na qualidade de linguagem com a capacidade de renovar, transformar e disseminar as demais artes.

O professor Xavier (2017), em seu livro A Sétima Arte: Um culto Moderno, explica que “o valor positivo do cinema estaria [...] em sua modernidade, concebido dentro de um pensamento que entendia a modernidade como esquecimento e oposição à tradição, como ruptura radical com o passado”. Um passado surgido no século dezenove, quando a película e as pesquisas sobre o tema, segundo Julia Lemos Lima (2006), especialista em Comunicação Social, eram realizadas em volta da possibilidade de reproduções de sequências de ações que buscavam representar temas do cotidiano comum e que eram promovidas por movimentos naturais dos humanos em frente às câmeras. Retomando as ocorrências sobre a movimentação da Sétima Arte a partir das intervenções de Canudo, no início do século vinte, Lima (2006) informa que o cinema se expandiu pelo mundo, conduzido pelo interesse do público que via em seu meio de comunicação próprio a compreensão de mudanças no cotidiano da sociedade. E foi nos Estados Unidos que tal expansão se estabeleceu, dentro de uma indústria cinematográfica e acompanhada de uma tecnologia mais aprimorada: as películas tornaram-se mais longas e com enredos mais complexos; tanto a linguagem narrativa clássica quanto as oportunidades artísticas, iniciaram-se após esse movimento de expansão, configurando-se como a principal maneira de se criar cinema, dando espaço a cinematografia ilusionista com cenas apresentadas na forma linear e destacadas pela continuidade, levando o telespectador a transportar-se da realidade, inserindo-se no espaço e no tempo do que se contava.

Jose D’ Assunção Barros (2007), doutor e professor em história, nos esclarece que:
 
O cinema é ‘produto da história’ – e, como todo produto, um excelente meio para a observação do ‘lugar que o produz’, isto é, a sociedade que o contextualiza, que define sua própria linguagem possível, que estabelece seus fazeres, que institui suas temáticas. Por isso [...]a mais fantasiosa obra cinematográfica de ficção carrega por trás de si ideologias, imaginários, relações de poder, padrões de cultura. [...]e também as histórias política, social e econômica devido ao fato de que as alçadas de relação de poder (poderes público e privado) são contempladas pela indústria cinematográfica. 

Barros (2007) conclui que tal relação de poder revela-se ambígua e igualmente complexa. Por  um lado há a relação política em que o cinema - em momentos oportunos - é utilizado pelo viés da dominação, pela  adoção de ideias ou crenças e pelos agentes sociais (instituições governamentais,  partidos políticos,  igrejas,  universidades e as múltiplas associações que possuem a mesma composição social); que   compreendem a importância de estilos fílmicos como o documentário, a ficção e películas sobre  propagandas políticas, como veículos de comunicação e de ampliação  -  ligadas a um sistema de manipulação do pensamento e de ideias a serviço do poder. E, por outro lado, o Cinema que permaneceu, evidentemente, com   a sua independência em relação aos agentes sociais, inclusive, os governamentais, e por esse motivo funciona também como contrapoder, ou seja, opondo-se a um poder, anteriormente, definido.  “Neste sentido, se o Cinema com sua produção fílmica pode ser examinado como instrumento de dominação e de imposição hegemônica, ele também pode ser examinado como meio de resistência “(BARROS, 2007, p.8).

Dois conflitos históricos exemplificarão ambas as relações sobre o contexto acima mencionado: Tratar-se-á o cenário do cinema como agente de dominação no conflito referente à Primeira Guerra Mundial.  A especialista em história cultural, Patrícia Mariuzzo (2014), esclarece que em 1914, a Sétima Arte, tornou-se ferramenta para divulgar a guerra e recrutar soldados. As cenas eram capturadas de forma distante e fixa, não somente pela limitação técnica da época, mas também pelas proibições de filmagens por parte dos militares. Tais edições se tornaram grandemente populares junto ao público, sendo verdadeiras ou não e reforçavam a superioridade militar e moral sobre um antagonista.   Havia filmes produzidos especialmente com a missão de influenciar pessoas a financiar o esforço de guerra, recrutar e apoiar a indústria de forma geral, ligada à guerra, como material bélico, por exemplo.

Exemplificando o cenário como agente de resistência, infere-se o Cinema Novo, movimento vigoroso de ação popular que agregou à sociedade variados recortes cultural, político e social. Segundo Mariana Barbedo (2011), mestre em História Social, o país vivenciou um   período capital, marcado pela disputa de classes em que muitas eram as esperanças depositadas num traçar de mudanças para a sociedade brasileira. Neste contexto, surgiram produções marcantes da cinematografia nacional em que o foco era a arte empenhada em uma função social.  Nessa vertente, Ismail Xavier (2001) coloca-se da seguinte maneira: 

[...] o Cinema Novo foi a versão brasileira de uma política de autor que procurou destruir o mito da técnica e da burocracia da produção, em nome da vida, da atualidade e da criação. Aqui, atualidade era a realidade brasileira, vida era o engajamento ideológico, criação era buscar uma linguagem adequada às condições precárias e capaz de exprimir uma visão desalienadora, crítica, da experiência social. Tal busca se traduziu na “estética da fome”, na qual escassez de recursos técnicos se transformou em força expressiva e o cineasta encontrou a linguagem em sintonia com os seus temas. (BARBEDO, 2001, p.13 apud XAVIER, 2001, p.63)
 
Com base na tônica explicitada sobre as relações entre cinema-história e poder junto à influência que o contexto abrange na sociedade - portanto, no indivíduo, podemos inferir que como análise de mundo, o cinema exerce um papel de grande importância e caminha de mãos dadas não somente com a história e a política, mas também com outras áreas das ciências humanas como a Filosofia, a Sociologia e a Psicologia. Essa, relacionando-se com o cinema como recurso narrativo e técnica de intervenção psicoterápica complementar às demais atuações na conduta clínica, recorte temático que comunicarei em nosso próximo encontro. 

Convido você a continuar esse passeio pela tônica da Cinematerapia acompanhando a abordagem em nosso segundo encontro, aqui no Blog “Não Palavra”, de tópicos sobre técnicas de aplicação, características, postura do arteterapeuta e a execução do processo. 

Até lá!
 
 


[1]  Tratamento de doenças ou distúrbios psíquicos através da leitura e da relação do indivíduo com o conteúdo dessa leitura. "biblioterapia", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2020, https://dicionario.priberam.org/biblioterapia [consultado em 27-08-2020].
 
 
REFERÊNCIAS
 
CHAVES, Ismail. Porque o Cinema é conhecido como a “Sétima Arte”? Disponível em https://www.sescsp.org.br/online/revistas/ .Acesso em: 10 jul.2020. 

LIMA, Julia Lemos. Cinema e transformação social: variações sobre uma relação tensa. 2006. 84 f. Trabalho de Conclusão de Curso - Escola de Comunicação, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2006. 

OLIVA, Vitor; VIANNA, Andréa; NETO, Francisco. Cineterapia como Intervenção psicoterápica: características, aplicações e identificação de técnicas cognitivo-comportamentais. Revista Psiquiatria Clínica, São Paulo, v.37, n.3, 2010. Disponível em: <  https://doi.org/10.1590/S0101-60832010000300008 > Acesso em: 20 jul.2020.
 
     MARIANA, Barbedo. Carlos Diegues entre o CPC e o Cinema Novo, uma reflexão sobre a função do artista no início da década de :1960. Tempos Históricos, São Paulo, 1º semestre de 2011, n.15, p. 170-190. Disponível em:   file:///C:/Users/Dell/Downloads/5698-20982-1-PB%20(2).pdf. Acesso em: 17 jun.2020. 

BARROS, José d’AssunçãoCinema e história :as funções do cinema como agente, fonte e representação da históriaLer História, v.52, 2007, posto online no dia 20 março 2017, <http://journals.openedition.org/lerhistoria/2547>Acesso em:22jul.2020. 

MARIUZZO, Patrícia. A Primeira Guerra Mundial pelas lentes do Cinema. Ciência e Cultura, v.66, n.2, São Paulo, jun.2014. Disponível em< http://dx.doi.org/10.21800/S0009-67252014000200024> Acesso em 19 jul.2020.
 

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Sobre a autora: Milena Medeiros




Arteterapeuta AARJ1122

Olá, Sou Milena Medeiros, uma arteterapeuta com mais de 15 anos de experiência em Gestão de Pessoas no mercado Corporativo. Decidi-me por unir ambas as experiências e hoje atuo, além dos atendimentos individuais arteterapêuticos online, com a Arteterapia no ambiente empresarial.

Algumas formações como preparação a minha profissão de arteterapeuta foram concretizadas e hoje também as utilizo como abordagem no setting: Practicioner em PNL (Programação Neuro Linguística); Análise Transacional - UNAT Brasil - Abordagem psicológica de Erick Berne que trata de maneira prática e compreensível os aspectos importantes da personalidade e das relações entre as pessoas; Visão Sistêmica pessoal e Organizacional com base psicoterapêutica de Bert Hellinger. Também sou Colagistas Digital e analógica, processo que aprendi pós introdução à técnica de Soul Collage®. Como Hobbie, tenho a alimentação Viva no coração, também conhecida como crudivorismo que aplico no setting como técnica expressiva com o foco na memória afetiva por meio dos sentidos sensoriais. A pintura com aquarela faz parte de minha vida e por meio dessa técnica estou finalizando a ilustrações de um livro infantil. 

Maior do que um prazer é a alegria por estar no espaço “Não Palavra”! Esses são os meus contatos: (24)999619963, Instagram: @milenaoliveiramedeiros. 


 

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