segunda-feira, 9 de março de 2020

A ARTETERAPIA E A CONTAÇÃO DE HISTÓRIAS



Por Beatriz de Alcantara Gonçalves
bia.insight@gmail.com
Instangram @psimaisarte 

Segundo Philippini no livro Para Entender Arteterapia: Cartografias da Coragem (2013), a Arteterapia, é um processo terapêutico em que são utilizadas inúmeras modalidades artísticas (citada por Gonçalves, 2018). A autora prossegue explicando que as produções artísticas dão forma, cor e som a elementos simbólicos da psique humana. De acordo com a American Association of ArtTherapy (Associação Americana de Arteterapia, 2003) encontra-se as seguintes informações:

 A Arteterapia baseia-se na crença de que o processo criativo envolvido na atividade artística e terapêutica é enriquecedor da qualidade de vida das pessoas. Arteterapia é o uso terapêutico da atividade artística no contexto de uma relação profissional por pessoas que experienciam doenças, traumas, dificuldades na vida, assim como por pessoas que buscam o desenvolvimento pessoal. Por meio do criar em arte e do refletir em processos e trabalhos artísticos resultantes, pessoas podem ampliar conhecimento de si e dos outros, aumentar autoestima, lidar melhor com sintomas, estresse e experiências traumáticas, desenvolver recursos físicos, cognitivos e emocionais e desfrutar do prazer vitalizador do fazer artístico. (AARJ, s/d, s/p)

A materialidade que surge nas sessões fornece o que Philippini (2013, p. 17) chama de sinais dados pelas “cores, movimento, ocupação no suporte e padrões expressivos gerais”. De acordo com a autora, é na apreensão do significado destes conteúdos que questões inconscientes são elaboradas, e podem vir à consciência. Tendo em vista que a dinâmica da terapêutica em questão desenvolve-se a partir de vivências com diferentes técnicas artísticas, Leila Araldi (2006), em Vivência em Arteterapia: uma reflexão conforme a visão de Gadamer, citada por Gonçalves (2018), relata que o termo “vivência” não resume-se a estar presente em uma situação; mas o significado de tal experiência, “um significado condensador e intensificador, pois retém conteúdos de maneira a mantê-los vivos e em constante contato com os nossos níveis psíquicos” (GADAMER apud ARALDI, 2003, p. 189). A supracitada autora segue sua análise, e relata que a vivência em Arteterapia é carregada de uma “totalidade de sentido” (Ibidem, p. 189), que integra conteúdos de tal maneira que o psiquismo retorna ela, e esta vivência torna possível o amadurecimento de situações e percepções da vida. Araldi (2006) explica que a vivência, por ter este caráter diferenciado de significado, salta para além das experiências da vida, e ao mesmo tempo, não perde sua conexão com a história de vida como um todo.

Sendo assim, compreende-se que o processo da Arteterapia é constituído por vivências criativas e expressivas, a partir do trabalho com produções simbólicas materializadas do indivíduo através da arte, que o auxiliam a encontrar formas mais saudáveis de ser e estar no mundo.

Dina Lúcia Rocha (2009), em seu livro Brincando com a Criatividade: Contribuições teóricas e práticas na Arteterapia e na Educação, citada por Gonçalves (2018), afirma que a criatividade existe em todos, mas a maneira como ela é vivenciada é individual. A autora explica que o desenvolvimento do potencial criativo é singular porque este é calcado na subjetividade do indivíduo, seus potencias e suas questões perante a via. “A criatividade deve ser vista como um processo a ser cultivado, que conduz ao autoconhecimento e à liberdade interior” (Ostrower (2005) citado por ROCHA, 2009, p. 82).

Dentre todas as atividades criativas/curativas que podem ser desenvolvidas no processo arteterapêutico, a Contação de Histórias foi a escolhida para servir de exemplo neste texto, em capacidade criadoras/curadoras.

De acordo com Vasconcellos (2015, p. 13 e 14), citada por Gonçalves (2018):

Cada história tem sua própria energia. E na medida em que é lida ou relida, ela ecoa mais uma vez dentro do eu, tocando mais uma vez sua alma. Além disso, cada vez em que for lida ou contada, essa mesma energia irá ressoar em todas as pessoas que a lerem ou ouvirem e poderão também tocar outras almas e trazer a cura àquele momento.

A autora afirma que a contação de histórias mobiliza inúmeros elementos psíquicos relativos aos sofrimentos do indivíduo e aqueles relativos à aspectos saudáveis da psique. Através do jogo simbólico que compõe a história, a questão que trouxe o indivíduo a Arteterapia também é trabalhada.

            Philippini (2009, p.118) em Linguagens e Materiais Expressivos em Arteterapia: Uso, Indicações e Propriedades, citada por Gonçalves (2018), explica que a narrativa selecionada pelo arteterapeuta, e seus personagens, fazem a movimentação e harmonização da energia psíquica dos indivíduos, por meio de reflexões adequadas, e elaborações de sentimentos que acontecem dentro do processo arteterapêutico.

            As histórias e suas possibilidades arteterapêuticas



 As histórias podem enriquecer trajetórias arteterapêuticas de diversas maneiras. Para ilustrar tal afirmativa trarei o recorte de uma experiência que tive atendendo (com mais uma profissional) duas crianças de comunidades cariocas, em uma clínica de Arteterapia no Rio de Janeiro. As crianças em questão tinham muitas dificuldades de interagir em grupo, eram muito carentes de atenção e afeto, o que tinha relação com a dinâmica familiar conflituosa em que viviam. As histórias foram ferramenta para diversas sessões, além de servirem de material para outras atividades.

            As histórias que as crianças criaram:
A partir da contação da história “O Leão que não queria ser Rei” (Minéia Pacheco), que o personagem principal tem dificuldades de encontrar  seu lugar dentro de seu contexto social, estas duas crianças (de 6 e 11 anos, um menino e uma menina, respectivamente), de famílias distintas, mas que também não tinham lugar bem delimitado em seus grupos familiares, foram estimuladas a criar personagens com fantasias (material de teatro). Eles foram entrevistados e se entrevistaram, dominando completamente a sessão de maneira aos dois ocuparem lugar de destaque, cada um à sua maneira.

 A história que as crianças recontam:

            Em uma das sessões, foi utilizada a história “O Mágico de Oz” (Frank Baum) O MÁGICO DE OZ. que foi contada sem nenhum objeto cênico, dependendo somente da linguagem oral. Tal história trabalha inúmeros maneiras de lidar com a vida e se relacionar com o outro, tendo em vista os personagens que a compõem. Depois da contação, a atividade foi escolher um personagem e uma parte da história, em que ele estivesse envolvido, para encena-la (todos encenariam juntos). A atividade transcorreu com a observação de rica linguagem corporal utilizada nas cenas e comportamentos mais afetuosos, lúdicos, e, portanto, mais saudáveis, durante as encenações do que o comum.

            Esta história foi acolhida de forma muito intensa pelas crianças, então ela foi utilizada novamente com a presença de bonecos artesanais feitos durante a sessão, inspirados nos personagens da história já citada, porém a encenação destes personagens foi livre, não teve relação com a história supracitada. Os textos que surgiram tiveram total relação com os desafios familiares e até escolares, e enquanto interagíamos com os bonecos artesanais (todos tinham bonecos) fazíamos intervenções em tal dinâmica.

Escolhendo como falar da própria história:

            Nesta sessão foi utilizada a história do Saci Pererê, que foi apresentada em formato digital (Coleção Disquinho). Depois, utilizamos a pintura com tinta guache, papel Canson, Semi-Craft e pincéis. Foi bastante interessante observar que o menino em questão se irritou com o Saci, sem conseguir expressar verbalmente o porquê, e no final da sessão ergueu o papel com um menino de gorro, vermelho e azul, de aparência muito próxima ao menino Saci Pererê.

            Quando o processo arteterapêutico terminou, observei o quanto a possibilidade de usar histórias para trabalhar emoções, traços de personalidade e dinâmicas da vida foi produtivo e intenso, tendo em vista a resposta das crianças nas sessões. Também pontuo que as histórias podem servir como ponto de partida para outras atividades expressivas, em uma mesma sessão, auxiliando ao arteterapeuta no desenvolvimento do trabalho de questões emocionais, através da arte.


Referências Bibliográficas:

AATA (Associação Americana da Arteterapia). O que é Arteterapia. 2003. Disponível em: http://aarj.com.br/site/a-Arteterapia/. Acessado em: 09/11/17. Citado por: Gonçalves, Beatriz de Alcantara. As Crianças e as histórias: Era uma vez na Arteterapia. (Monografia) Especialização em Arteterapia – Clínica Pomar de Arteterapia em convênio com a Faculdade Vicentina/ FAVI. Rio de Janeiro. 2018.

ARALDI, Leila. Vivência em Arteterapia: uma reflexão conforme a visão de Gadamer. In: Revista Imagens da Transformação. Nº12-v. 12-2006-Pomar. Citado por: Gonçalves, Beatriz de Alcantara. As Crianças e as histórias: Era uma vez na Arteterapia (Monografia) Especialização em Arteterapia – Clínica Pomar de Arteterapia em convênio com a Faculdade Vicentina/ FAVI. Rio de Janeiro. 2018.

PHILIPPINI, Angela. Linguagens e Materiais Expressivos em Arteterapia: Uso, Indicações e Propriedades. Rio de Janeiro. Wak Editora, 2009. Citado por: Gonçalves, Beatriz de Alcantara. As Crianças e as histórias: Era uma vez na Arteterapia. (Monografia) Especialização em Arteterapia – Clínica Pomar de Arteterapia em convênio com a Faculdade Vicentina/ FAVI Rio de Janeiro. 2018.

________________. Para Entender Arteterapia: cartografias da coragem. 5 ed. Rio de Janeiro: Wak Editora, 2013. Citado por: Gonçalves, Beatriz de Alcantara. As Crianças e as histórias: Era uma vez na Arteterapia. (Monografia) Especialização em Arteterapia – Clínica Pomar de Arteterapia em convênio com a Faculdade Vicentina/ FAVI Rio de Janeiro. 2018.

ROCHA, Dina Lúcia Chaves. Brincando com a Criatividade: Contribuições teóricas e Práticas na Arteterapia e na Educação. Rio de Janeiro: Wak Ed, 2009. Citado por: Gonçalves, Beatriz de Alcantara. As Crianças e as histórias: Era uma vez na Arteterapia – (Monografia) Especialização em Arteterapia – Clínica Pomar de Arteterapia em convênio com a Faculdade Vicentina/ FAVI. Rio de Janeiro. 2018.

VASCONCELLOS. Marcya Santos Lima de (org). Criando Histórias-Criando Vidas: O poder de transformação das narrativas. 1 ed. São Paulo: Rio de Janeiro: Livre Expressão, 2015. Citado por: Gonçalves, Beatriz de Alcantara. As Crianças e as histórias: Era uma vez na Arteterapia – (Monografia) Especialização em Arteterapia – Clínica Pomar de Arteterapia em convênio com a Faculdade Vicentina/ FAVI. Rio de Janeiro. 2018.


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Sobre a autora: Beatriz de Alcantara Gonçalves




Formação: Graduada em Psicologia pela UFRJ e especialista em assistência ao usuário de álcool e outras Drogas (IPUB/UFRJ) e Arteterapeuta.

Área de atuação/projetos/trabalhos: Experiência em Clínica e Saúde Mental pelo Hospital Municipal Nise da Silveira e consultório. Mestranda do Instituto de Medicinal Social/UERJ.

4 comentários:

  1. Linda contribuição, Bia!! Amei seu texto.

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  2. Adorei seu texto!! Parabéns, Bia!

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  3. Comentário enviado por Beatriz Coelho:

    Muito bom, Bia. As artes de mãos dadas podem muito. É uma esperança saber que os psico-terapeutas estão cada vez mais se envolvendo com a Arte. Eu também acredito no poder das estórias, das fábulas... Parabéns!

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  4. MUITO LEGAL BIA... SIMPLES OBJETIVO, E AO MESMO TEMPO INTENSO E PROFUNDO. PARABÉNS PELO TEXTO!!!

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