Por
Beatriz de Alcantara Gonçalves
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Instangram @psimaisarte
Segundo
Philippini no livro Para Entender Arteterapia: Cartografias da Coragem (2013), a
Arteterapia, é um processo terapêutico em que são utilizadas inúmeras
modalidades artísticas (citada por Gonçalves, 2018). A autora prossegue
explicando que as produções artísticas dão forma, cor e som a elementos
simbólicos da psique humana. De acordo com a American Association of ArtTherapy
(Associação Americana de Arteterapia, 2003) encontra-se as seguintes
informações:
A Arteterapia baseia-se na crença de que o
processo criativo envolvido na atividade artística e terapêutica é enriquecedor
da qualidade de vida das pessoas. Arteterapia é o uso terapêutico da atividade
artística no contexto de uma relação profissional por pessoas que experienciam
doenças, traumas, dificuldades na vida, assim como por pessoas que buscam o
desenvolvimento pessoal. Por meio do criar em arte e do refletir em processos e
trabalhos artísticos resultantes, pessoas podem ampliar conhecimento de si e
dos outros, aumentar autoestima, lidar melhor com sintomas, estresse e
experiências traumáticas, desenvolver recursos físicos, cognitivos e emocionais
e desfrutar do prazer vitalizador do fazer artístico. (AARJ, s/d, s/p)
A materialidade que surge nas sessões fornece o
que Philippini (2013, p. 17) chama de sinais dados pelas “cores, movimento,
ocupação no suporte e padrões expressivos gerais”. De acordo com a autora, é na
apreensão do significado destes conteúdos que questões inconscientes são
elaboradas, e podem vir à consciência. Tendo em vista que a dinâmica da
terapêutica em questão desenvolve-se a partir de vivências com diferentes
técnicas artísticas, Leila Araldi (2006), em Vivência em Arteterapia: uma
reflexão conforme a visão de Gadamer, citada por Gonçalves (2018), relata que o
termo “vivência” não resume-se a estar presente em uma situação; mas o
significado de tal experiência, “um significado condensador e intensificador,
pois retém conteúdos de maneira a mantê-los vivos e em constante contato com os
nossos níveis psíquicos” (GADAMER apud ARALDI, 2003, p. 189). A supracitada
autora segue sua análise, e relata que a vivência em Arteterapia é carregada de
uma “totalidade de sentido” (Ibidem, p. 189), que integra conteúdos de tal
maneira que o psiquismo retorna ela, e esta vivência torna possível o
amadurecimento de situações e percepções da vida. Araldi (2006) explica que a
vivência, por ter este caráter diferenciado de significado, salta para além das
experiências da vida, e ao mesmo tempo, não perde sua conexão com a história de
vida como um todo.
Sendo assim, compreende-se que o processo da
Arteterapia é constituído por vivências criativas e expressivas, a partir do
trabalho com produções simbólicas materializadas do indivíduo através da arte,
que o auxiliam a encontrar formas mais saudáveis de ser e estar no mundo.
Dina Lúcia Rocha (2009), em seu livro Brincando
com a Criatividade: Contribuições teóricas e práticas na Arteterapia e na Educação,
citada por Gonçalves (2018), afirma que a criatividade existe em todos, mas a
maneira como ela é vivenciada é individual. A autora explica que o
desenvolvimento do potencial criativo é singular porque este é calcado na
subjetividade do indivíduo, seus potencias e suas questões perante a via. “A
criatividade deve ser vista como um processo a ser cultivado, que conduz ao
autoconhecimento e à liberdade interior” (Ostrower (2005) citado por ROCHA,
2009, p. 82).
Dentre todas as atividades criativas/curativas
que podem ser desenvolvidas no processo arteterapêutico, a Contação de
Histórias foi a escolhida para servir de exemplo neste texto, em capacidade
criadoras/curadoras.
De acordo com Vasconcellos (2015, p. 13 e 14),
citada por Gonçalves (2018):
Cada história tem sua
própria energia. E na medida em que é lida ou relida, ela ecoa mais uma vez
dentro do eu, tocando mais uma vez sua alma. Além disso, cada vez em que for
lida ou contada, essa mesma energia irá ressoar em todas as pessoas que a lerem
ou ouvirem e poderão também tocar outras almas e trazer a cura àquele momento.
A autora afirma que a contação de histórias
mobiliza inúmeros elementos psíquicos relativos aos sofrimentos do indivíduo e
aqueles relativos à aspectos saudáveis da psique. Através do jogo simbólico
que compõe a história, a questão que trouxe o indivíduo a Arteterapia também é
trabalhada.
Philippini (2009, p.118) em
Linguagens e Materiais Expressivos em Arteterapia: Uso, Indicações e
Propriedades, citada por Gonçalves (2018), explica que a narrativa selecionada
pelo arteterapeuta, e seus personagens, fazem a movimentação e harmonização da
energia psíquica dos indivíduos, por meio de reflexões adequadas, e elaborações
de sentimentos que acontecem dentro do processo arteterapêutico.
As histórias e suas
possibilidades arteterapêuticas
As
histórias podem enriquecer trajetórias arteterapêuticas de diversas maneiras.
Para ilustrar tal afirmativa trarei o recorte de uma experiência que tive atendendo
(com mais uma profissional) duas crianças de comunidades cariocas, em uma
clínica de Arteterapia no Rio de Janeiro. As crianças em questão tinham muitas
dificuldades de interagir em grupo, eram muito carentes de atenção e afeto, o
que tinha relação com a dinâmica familiar conflituosa em que viviam. As
histórias foram ferramenta para diversas sessões, além de servirem de material
para outras atividades.
As histórias que as crianças criaram:
A partir da contação da história “O Leão que
não queria ser Rei” (Minéia Pacheco), que o personagem principal tem
dificuldades de encontrar seu lugar
dentro de seu contexto social, estas duas crianças (de 6 e 11 anos, um menino e
uma menina, respectivamente), de famílias distintas, mas que também não tinham
lugar bem delimitado em seus grupos familiares, foram estimuladas a criar personagens
com fantasias (material de teatro). Eles foram entrevistados e se
entrevistaram, dominando completamente a sessão de maneira aos dois ocuparem
lugar de destaque, cada um à sua maneira.
A história que as crianças recontam:
Em uma das sessões, foi utilizada a
história “O Mágico de Oz” (Frank Baum) O MÁGICO DE OZ. que foi contada sem
nenhum objeto cênico, dependendo somente da linguagem oral. Tal história trabalha
inúmeros maneiras de lidar com a vida e se relacionar com o outro, tendo em
vista os personagens que a compõem. Depois da contação, a atividade foi
escolher um personagem e uma parte da história, em que ele estivesse envolvido,
para encena-la (todos encenariam juntos). A atividade transcorreu com a
observação de rica linguagem corporal utilizada nas cenas e comportamentos mais
afetuosos, lúdicos, e, portanto, mais saudáveis, durante as encenações do que o
comum.
Esta história foi acolhida de forma
muito intensa pelas crianças, então ela foi utilizada novamente com a presença
de bonecos artesanais feitos durante a sessão, inspirados nos personagens da
história já citada, porém a encenação destes personagens foi livre, não teve
relação com a história supracitada. Os textos que surgiram tiveram total
relação com os desafios familiares e até escolares, e enquanto interagíamos com
os bonecos artesanais (todos tinham bonecos) fazíamos intervenções em tal
dinâmica.
Escolhendo como falar da própria
história:
Nesta sessão foi utilizada a
história do Saci Pererê, que foi apresentada em formato digital (Coleção
Disquinho). Depois, utilizamos a pintura com tinta guache, papel Canson,
Semi-Craft e pincéis. Foi bastante interessante observar que o menino em
questão se irritou com o Saci, sem conseguir expressar verbalmente o porquê, e
no final da sessão ergueu o papel com um menino de gorro, vermelho e azul, de
aparência muito próxima ao menino Saci Pererê.
Quando o processo arteterapêutico
terminou, observei o quanto a possibilidade de usar histórias para trabalhar
emoções, traços de personalidade e dinâmicas da vida foi produtivo e intenso,
tendo em vista a resposta das crianças nas sessões. Também pontuo que as
histórias podem servir como ponto de partida para outras atividades
expressivas, em uma mesma sessão, auxiliando ao arteterapeuta no
desenvolvimento do trabalho de questões emocionais, através da arte.
Referências Bibliográficas:
AATA (Associação
Americana da Arteterapia). O que é Arteterapia. 2003. Disponível em:
http://aarj.com.br/site/a-Arteterapia/. Acessado em: 09/11/17. Citado por:
Gonçalves, Beatriz de Alcantara. As Crianças e as histórias: Era uma vez na
Arteterapia. (Monografia) Especialização em Arteterapia – Clínica Pomar de
Arteterapia em convênio com a Faculdade Vicentina/ FAVI. Rio de Janeiro. 2018.
ARALDI, Leila. Vivência
em Arteterapia: uma reflexão conforme a visão de Gadamer. In: Revista Imagens
da Transformação. Nº12-v. 12-2006-Pomar. Citado por: Gonçalves, Beatriz de
Alcantara. As Crianças e as histórias: Era uma vez na Arteterapia (Monografia)
Especialização em Arteterapia – Clínica Pomar de Arteterapia em convênio com a
Faculdade Vicentina/ FAVI. Rio de Janeiro. 2018.
PHILIPPINI, Angela.
Linguagens e Materiais Expressivos em Arteterapia: Uso, Indicações e
Propriedades. Rio de Janeiro. Wak Editora, 2009. Citado por: Gonçalves, Beatriz
de Alcantara. As Crianças e as histórias: Era uma vez na Arteterapia.
(Monografia) Especialização em Arteterapia – Clínica Pomar de Arteterapia em
convênio com a Faculdade Vicentina/ FAVI Rio de Janeiro. 2018.
________________. Para
Entender Arteterapia: cartografias da coragem. 5 ed. Rio de Janeiro: Wak
Editora, 2013. Citado por: Gonçalves, Beatriz de Alcantara. As Crianças e as
histórias: Era uma vez na Arteterapia. (Monografia) Especialização em
Arteterapia – Clínica Pomar de Arteterapia em convênio com a Faculdade
Vicentina/ FAVI Rio de Janeiro. 2018.
ROCHA, Dina Lúcia
Chaves. Brincando com a Criatividade: Contribuições teóricas e Práticas na
Arteterapia e na Educação. Rio de Janeiro: Wak Ed, 2009. Citado por: Gonçalves,
Beatriz de Alcantara. As Crianças e as histórias: Era uma vez na Arteterapia –
(Monografia) Especialização em Arteterapia – Clínica Pomar de Arteterapia em
convênio com a Faculdade Vicentina/ FAVI. Rio de Janeiro. 2018.
VASCONCELLOS. Marcya
Santos Lima de (org). Criando Histórias-Criando Vidas: O poder de transformação
das narrativas. 1 ed. São Paulo: Rio de Janeiro: Livre Expressão, 2015. Citado
por: Gonçalves, Beatriz de Alcantara. As Crianças e as histórias: Era uma vez
na Arteterapia – (Monografia) Especialização em Arteterapia – Clínica Pomar de
Arteterapia em convênio com a Faculdade Vicentina/ FAVI. Rio de Janeiro. 2018.
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Sobre a autora: Beatriz de Alcantara Gonçalves
Formação:
Graduada em Psicologia pela UFRJ e especialista em assistência ao usuário de
álcool e outras Drogas (IPUB/UFRJ) e Arteterapeuta.
Área
de atuação/projetos/trabalhos: Experiência em Clínica e Saúde Mental pelo Hospital
Municipal Nise da Silveira e consultório. Mestranda do Instituto de Medicinal
Social/UERJ.
Linda contribuição, Bia!! Amei seu texto.
ResponderExcluirAdorei seu texto!! Parabéns, Bia!
ResponderExcluirComentário enviado por Beatriz Coelho:
ResponderExcluirMuito bom, Bia. As artes de mãos dadas podem muito. É uma esperança saber que os psico-terapeutas estão cada vez mais se envolvendo com a Arte. Eu também acredito no poder das estórias, das fábulas... Parabéns!
MUITO LEGAL BIA... SIMPLES OBJETIVO, E AO MESMO TEMPO INTENSO E PROFUNDO. PARABÉNS PELO TEXTO!!!
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