por Flávia Hargreaves
fmhartes@gmail.com
RIO 2016
Nos primeiros dias de agosto, quando muitos
profissionais autônomos como eu viviam as incertezas olímpicas (RIO 2016),
fomos surpreendidos por um feriado surpresa no dia 4 de agosto. Minha primeira
reação foi de irritação pois tinha aula marcada, mas aos poucos a irritação foi
se rendendo ao entusiasmo. Ocorreu
que ao passar a notícia do cancelamento ao grupo via whatsapp alguém sugeriu:
"Gente! Por que
não vamos ter aula ao ar livre?" SUSTO \O/
O desejo de ir para a rua, para a vida, sair da proteção das quatro paredes envolveu a maioria e fez com que nos esquecêssemos dos protestos iniciais. E fomos para a nossa aula em pleno Boulevard Olímpico, na Praça Mauá. Ninguém mais falou sobre as previstas dificuldades de locomoção na cidade. Nossos corações se aquietaram e resolveram se render a beleza da cidade pronta pra festa.
VAMOS PRA RUA!
A pesquisa do grupo entre as quatro paredes da sala de
aula explorava a articulação da Arteterapia com a Arte Contemporânea,
destacando o exercício do olhar sobre a qualidade dos materiais transparentes e
seus reflexos. E, embora ainda não tivesse tomado consciência, o fato é que o
local parecia ter sido construído por encomenda. Em seu aspecto formal, estava
tudo lá: Linhas, Formas, Transparências, Opacidades, Espelhos, Texturas, Luzes
e Sombras. Mas a questão fundamental era IR PARA A RUA, e isto nos aproximava
de fato às discussões atuais sobre o papel da Arte e do artista, o que trouxe
outra questão: E a Arteterapia? E o arteterapeuta? Como poderíamos lidar com
esta faceta da Arte? Qual seria a contribuição desta experiência para nós na
nossa prática? Será que podemos levar a Arte para o processo terapêutico sem
passar pela rua? Estaríamos dispostos a esta exposição diante da realidade
pulsante da cidade, este espaço “DESPROTEGIDO?” ... perguntas ainda em busca de respostas.
LUZES SOMBRAS E REFLEXOS
Retornando ao episódio em questão para podermos nos situar melhor, trata-se de um grupo de arteterapeutas que, após concluírem o meu curso sobre materiais em arteterapia, teve o desejo de dar continuidade ao trabalho o que me levou a reativar um projeto antigo: Ateliê de Artes para arteterapeutas.
LUZES SOMBRAS E REFLEXOS
Retornando ao episódio em questão para podermos nos situar melhor, trata-se de um grupo de arteterapeutas que, após concluírem o meu curso sobre materiais em arteterapia, teve o desejo de dar continuidade ao trabalho o que me levou a reativar um projeto antigo: Ateliê de Artes para arteterapeutas.
“Princípio do Mundo”(1924 ?) de
Constantin Brancusi (Romênia 1876/França 1957)
Na véspera do feriado, lendo Rosalind Krauss me deparo com
um texto sobre a obra “Princípio do Mundo”(1924) de C. Brancusi (1876/
1957), onde faz uma descrição objetiva da forma utilizando expressões no mínimo
instigantes para nós arteterapeutas. Decidi utilizar o texto como disparador
para uma posterior exploração do ambiente por meio da fotografia e/ou do
desenho e o exercício de escrever sobre a imagem criada focada na descrição da
forma, objetiva.
Nossa proposta era criar um texto descritivo, objetivo, a partir da observação da forma criada, que poderia ser relido subjetivamente em um segundo momento. O exercício de olhar a imagem e descrevê-la sem as "distrações" subjetivas, associativas, simbólicas ou interpretativas mostrou-se uma tarefa árdua, escorregadia e que foi realizada individualmente ao longo da semana.
Nossa proposta era criar um texto descritivo, objetivo, a partir da observação da forma criada, que poderia ser relido subjetivamente em um segundo momento. O exercício de olhar a imagem e descrevê-la sem as "distrações" subjetivas, associativas, simbólicas ou interpretativas mostrou-se uma tarefa árdua, escorregadia e que foi realizada individualmente ao longo da semana.
Segue um fragmento do texto utilizado para trabalhar o tema LUZES, SOMBRAS E REFLEXOS:
“O efeito dessa junção entre o objeto e a superfície em que está apoiado é garantir a diferença entre o tipo de reflexos registrados na parte inferior da forma e aqueles da sua parte superior. Prenhe de formas distorcidas de luz e sombra refletidas a partir do ambiente em que o objeto é contemplado, a forma lisa da metade superior é contorcida por uma profusão de incidentes visuais cambiantes. A parte inferior, por outro lado, limita-se a refletir o disco que serve de base, e tal reflexo tem o fluxo harmônico ininterrupto de uma gradual extinção de luz. Ali, onde o objeto toca o disco, o reflexo que recebe é a sombra de seu próprio lado inferior projetada de volta na sua superfície, como que por uma ação capilar.” (KRAUSS, 2001, p. 106-107).
E o desdobramento realizado no nosso trabalho de campo por Regina Diniz, arteterapeuta e psicóloga:
"[...] No reflexo, a seção superior da estrela transforma-se em inferior, mais disforme ainda e mais escura, em alguns pontos. Esse jogo de luzes, brilhos e sombras faz surgir uma imagem que se assemelha a de um lobo, cujos olhos luminosos encontram os olhos do espectador que observa, de frente, o reflexo da estrela." (trecho do texto sobre a imagem abaixo).
Fotografia de Regina Diniz, no Boulevard Olímpico,
destaque para a escultura de Frank Stella, entitulada, "Puffed Star II"
Ainda me sinto impregnada pela experiência percebendo a importância de apurar nossa percepção estética diante da realidade e tornar consciente o ato de capturá-la e congelá-la em uma fotografia. Estávamos no espaço aberto, mas ainda "protegidos" pelo grupo ... olhávamos para fora pra descobrirmos conteúdos nossos ... muitas questões se abriram para repensar minha prática como professora e arteterapeuta que ainda pretendo compartilhar com vocês neste blog.SOBRE ESTAR NA RUA, O TEMPO E A ANSIEDADE ...
A primeira questão que se colocou foi a de estarmos expostos ao TEMPO, ora com medo da chuva, ora com a visão ofuscada pelo Sol, o que dificultou antever as imagens a serem clicadas. Havia movimento, outras pessoas passando, coisas acontecendo, invadindo nosso campo. O tempo parecia ter sido estendido e todos tiveram tempo suficiente para explorar o ambiente aberto sem pressa, sem saber exatamente o que procuravam, aguardando que algum acontecimento, um reflexo, uma sombra, uma luz, lhes despertasse o interesse. Algo de fora precisava nos capturar para ser capturado pela câmera.
O movimento era OLHAR PARA FORA e trazer
para DENTRO, e este também se colocou como uma situação nova no nosso trabalho.
Não íamos olhar para dentro, entrar em contato com o silêncio, num lugar
protegido, sagrado, teríamos que encontrar tudo isto ali, no campo aberto onde
a vida acontece. De repente, estava tudo ao contrário, e neste ponto a Arte faz
toda a diferença.
O exercício e o envolvimento do grupo foi intenso com muitos
desdobramentos ao longo da semana, o que nos leva novamente a questão do tempo,
como digo com frequência: "A imagem precisa de tempo para se revelar!!!!" O
artista pode levar muito tempo, anos, décadas para a conclusão de uma obra, e o
arteterapeuta muitas vezes se mostra ansioso na sua prática, querendo mudar de
técnica ou material quando isto não é uma necessidade para o processo
terapêutico.
O ARTETERAPEUTA E A ARTE
A obra “Princípio do Mundo” é o resultado de uma pesquisa de dezoito anos, e não me espanta que digam que é só uma forma oval !!! Mas foram necessários quase duas décadas de elaboração para que o artista a aceitasse e isto não se dá apenas na Arte, mas na vida. E é por isto que insisto na importância da experiência e do estudo da Arte para o arteterapeuta, tanto na dimensão do fazer, do elaborar como em simplesmente estar exposto a ela. É preciso aproximação, intimidade e, também, experiência na busca de soluções materiais para a problemática que a feitura da obra exige.
O contato com a Arte muda a nossa percepção do tempo e do espaço e acredito que contribua para combater a ansiedade do arteterapeuta diante da "produção" do seu cliente, entendendo a necessidade de se deter o tempo exigido no processo de criação e o momento posterior de elaboração do que foi realizado. Pode ser necessário muito tempo para que uma única imagem se materialize e outro tanto de tempo para que ela se revele e, quanto ao grupo, as imagens ainda estão em processo e as propostas do ateliê tendem a ter seu tempo estendido e cada um irá tomar do tempo o tempo necessário.
E, quanto a você leitor: Aguardo seus comentários,sugestões e críticas !!!!
Referência
O ARTETERAPEUTA E A ARTE
A obra “Princípio do Mundo” é o resultado de uma pesquisa de dezoito anos, e não me espanta que digam que é só uma forma oval !!! Mas foram necessários quase duas décadas de elaboração para que o artista a aceitasse e isto não se dá apenas na Arte, mas na vida. E é por isto que insisto na importância da experiência e do estudo da Arte para o arteterapeuta, tanto na dimensão do fazer, do elaborar como em simplesmente estar exposto a ela. É preciso aproximação, intimidade e, também, experiência na busca de soluções materiais para a problemática que a feitura da obra exige.
O contato com a Arte muda a nossa percepção do tempo e do espaço e acredito que contribua para combater a ansiedade do arteterapeuta diante da "produção" do seu cliente, entendendo a necessidade de se deter o tempo exigido no processo de criação e o momento posterior de elaboração do que foi realizado. Pode ser necessário muito tempo para que uma única imagem se materialize e outro tanto de tempo para que ela se revele e, quanto ao grupo, as imagens ainda estão em processo e as propostas do ateliê tendem a ter seu tempo estendido e cada um irá tomar do tempo o tempo necessário.
E, quanto a você leitor: Aguardo seus comentários,sugestões e críticas !!!!
Referência
KRAUSS, Rosalind E. Caminhos da Escultura Moderna. São Paulo: Editora
Martins Fontes. 2001.
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Caso tenha dificuldades em postar seu comentário, nos envie por e-mail que nós publicaremos no blog: naopalavra@gmail.com
Achei bem legal essa reflexão sobre o tempo do fazer artístico e da revelaçao da obra.
ResponderExcluirObrigada Zilia. Acho importante que nós da Arteterapia tenhamos este contato com a Arte e seus processos, a partir desta aproximação iremos compreender melhor este "tempo" diferenciado da criação.Mesmo que a imagem seja criada em um instante, em um gesto ela precisará de um tempo para se acomodar e "talvez" ser capaz de aquietar o coração por algum tempo.
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ResponderExcluirBravo! Bravíssimo Flávia!! Precisamos da espontaneidade da rua em nosso processo, pois a experiência do sagrado é "desprotegida". Salve! Quero receber tuas escritas filosóficas mais vezes. Beijos.
ResponderExcluirOlá Adriana, desde que passei a acompanhar um pouco seu trabalho articulando o teatro e a Arteterapia na Casa das Palmeiras, me tornei uma admiradora do seu trabalho. Por este pouco que conheço e acompanho pelas "redes" achei mesmo que a questão da rua ia pegar vc pelo pé (KKKKK). Tenho pensado muito sobre isto mas ainda não me lancei em uma busca por pesquisas e registros desta prática na Arteterapia. Bjs e obrigada por deixar seu registro no nosso blog. Bjs.
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