segunda-feira, 25 de abril de 2016

POLÍTICA E ARTETERAPIA: plateia e canção

Por Eliana Moraes
elianapsiarte@gmail.com

“Que a arte nos aponte uma resposta
mesmo que ela não saiba;
e que ninguém a tente complicar
porque é preciso simplicidade

pra fazê-la florescer.
Porque metade de mim é plateia
e a outra metade é canção”
Oswaldo Montenegro.

Está claro que nosso país tem vivido uma crise das mais variadas ordens. Particularmente tenho me colocado como observadora, pensando sobre como nós brasileiros/seres humanos estamos sendo atravessados por este fenômeno  coletivo, como estamos reagindo, nos posicionando, mas sobretudo como estamos nos relacionando. Estou me colocando como expectadora das redes sociais, virtuais ou não, e  nelas os diálogos, debates, discussões...

É fato que o brasileiro está pessoalmente afetado por este momento de sua história. Tenho acompanhado em minha clínica e nos cursos de arteterapia que oferecemos (pois mesmo sendo um ambiente de aprendizado profissional, as técnicas e materiais experimentados têm um grande potencial mobilizador) pessoas trazendo questões profundamente pessoais que a “crise” tem despertado. Vejo filho brigando com mãe, mulher brigando com marido, amigos de longa data optando pelo afastamento... Um clima de ódio que coopera para que reconheçamos mais uma: a crise nas relações humanas. Além disso, tenho acompanhado pessoas que trazem sua biografia e suas dores inseridas em um contexto histórico/social que os acontecimentos atuais trazem a tona.

Sobre a escuta, o lugar e o papel do terapeuta perante seu paciente/cliente que apresenta uma dor pessoal diante de uma crise no coletivo pretendo escrever em um próximo texto. Hoje, desejo pensar sobre qual é a minha posição no ofício de arteterapeuta inserida no social brasileiro atual.

Ao longo da história a arte desempenhou muitas funções, como educacional, religiosa, etc. De fato, o artista cumpriu a função de registrar e expressar os atravessamentos humanos ao longo da sua história. Falar de História da Arte é falar da história do homem, registrada ao olhar do artista, que dentre a pluralidade humana, são seres tão sensíveis às questões mais profundas da alma. O que muita gente não sabe (eu também aprendi há não muito tempo) é que por vezes ela desempenhou um papel político. Um grande exemplo disto são os movimentos Dadá e Surrealista, movimentos artísticos emblemáticos do século XX, que em sua essência expressavam a dor humana diante do horror das I e II Guerras Mundiais. E muitos de seus artistas produziam suas obras justamente com o desejo de denunciar o que ser humano estava produzindo para si.

Um outro exemplo foi Pablo Picasso (1881-1973), autor de Guernica (1937), pintura em preto e branco que demonstrava seu sentimento de repúdio ao bombardeio da cidade espanhola. Em estilo cubista, observamos um amontoado figuras impactadas pelo intenso bombardeio da força aérea alemã,  durante a Guerra Civil Espanhola.

Painel Guernica (1937) de Pablo Picasso. Atualmente está no 
Museu Nacional Reina Sofia, em Madri, Espanha.

Conta-se que ao ser indagado por um oficial alemão se havia sido ele quem havia feito aquilo, Picasso prontamente respondeu: “Não, foram vocês”. E sobre o quadro disse: “Não, a pintura não está feita para decorar apartamentos. Ela é uma arma de ataque e defesa contra o inimigo.”

Em Arteterapia, para além da autorização acadêmica ou de mercado, artistas somos todos nós. E no setting arteterapêutico abre-se um campo para que a arte desempenhe a função de linguagem para a expressão dos sentimentos mais profundos da alma de seres humanos em esfera individual e coletiva.

Neste contexto, descobri a resposta para as minhas perguntas pessoais sobre qual é o meu papel como cidadã brasileira neste cenário cheio de nuances e perspectivas, pouco exploradas. Para além do imperativo de um posicionamento partidário e ideológico, perante a pergunta: “Qual é seu posicionamento político?” eu respondo: “Sou arteterapeuta!”

Em meu ofício como arteterapeuta promovo um espaço de afeto e acolhimento em meio ao clima de ódio. Quando as relações humanas estão em crise, promovo um grupo arteterapêutico em que os participantes se pensam em suas relações interpessoais no grupo e no coletivo. Enquanto o ser humano produz para si o caos e o sofrimento, promovo um espaço em que produzem arte!

Grupo durante o evento Não Palavra: Encontro com Grandes Artistas: 
Kandinsky, Cor, Forma e Músca, realizado em 19/04/16.

Assim, faço uma aliança com o grande artista brasileiro Oswaldo Montenegro que conhece o poder da arte quando pede que ela nos aponte uma resposta, mesmo que ela não saiba. Minha micropolítica é simples, pois não se pode complicá-la para que possa florescer: metade de mim é plateia diante deste social estarrecedor, mas a outra metade é canção e todo o belo que podemos promover através da arte!

Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Guernica

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