O texto de hoje foi escrito por Maria Cristina Resende, fruto de sua pesquisa inspirada no trabalho desenvolvido juntamente com Flávia Hargreaves: Ateliê Livre, em arteterapia. Recomendo este trabalho e a leitura do texto. Bem vinda Cris!
O objetivo desse ateliê livre é a promoção do encontro
com diversos materiais e suas diferentes possibilidades de manejo. Pensamos que
o processo de confronto com essa diversidade possibilita que a dinâmica de
projeção aconteça, uma vez que a energia psíquica encontra diversas
possibilidades de se ligar. Isso acontece sem a interferência inicial da fala,
apenas o encontro com a diversidade e a apenas mínima orientação de seguir o
que o desejo impele o individuo a fazer. Nesse encontro, espera-se que aconteça
de fato um encontro entre a energia psíquica e a linguagem que o material
oferece para sua expressão. A partir dele o diálogo entre o desejo e o material
expressivo pode se estabelecer, com a expectativa do mínimo de atravessamento
egóico, racional, apenas o desejo de algum lugar longínquo que ainda pode
encontrar ali uma brecha para “falar” de diversas formas.
Percebemos, no entanto, que nos primeiros contatos há
uma enorme contaminação do ego na escolha dos materiais, a partir da escolha
daquele mais conhecido ou o mais confortável. No meio do seu processo criativo,
o desejo de fazer esse ou aquele movimento, acrescentar esse ou aquele material
pode promover um fluxo energético que leve a um afrouxamento do ego e então o
desejo começa a vir de outros lugares desconhecidos. Há que se observar se esse
“plus” é oriundo de um desejo livre
ou se ainda é interferência do ego que busca uma estética estável e sem o
mínimo de brechas.
Sendo assim, essa escolha dentro de um ateliê de
arteterapia nos mostra que o processo de resistência se instala quando o
indivíduo recusa o uso de um material “estranho”, desconhecido ou incômodo.
Nesse momento podemos fazer duas observações, sendo a primeira sobre certa
retenção do fluxo criativo do individuo quando este se nega a experimentação de
um novo material, partindo do pressuposto que o indivíduo buscou livremente um
espaço de expressão através de diversos materiais diferentes entre si. Logo, a
evitação de confrontar certo material em certo momento do seu processo terapêutico
aponta para algum conteúdo evocado, possivelmente ainda inconsciente, que
desperta o processo de resistência do Ego. Isso nos leva a segunda observação a
respeito da velocidade que o encontro com diversos materiais nos revela as
brechas para questões difíceis e temidas de serem abordadas pelo indivíduo.
Todavia, isso não significa que o facilitador ou o terapeuta devam apontar para
esse caminho de imediato só porque ele pode “trazer a sombra” - meta de muitos
terapeutas sedentos em iluminar a todo custo toda e qualquer questão de seu
cliente - é preciso observar as dinâmicas da relação transferencial e da
estrutura egoica a se abrir para esse diálogo.
A hipótese que surge desses apontamentos é: o bloqueio
do processo criativo dentro de um ateliê arteterapêutico revela um processo de
resistência? Será possível através do uso terapêutico dos materiais expressivos
ir, no ritmo do processo de individuação do cliente, aumentando cada vez mais
esse encontro (de fato) do individuo com sua multiplicidade? Com sua
diversidade psíquica?
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