segunda-feira, 19 de março de 2018

O BORDADO COMO INSTRUMENTO DE ARRAIGAMENTO E CONDUTOR DE VIDA




Tania Salete (RJ) - CE
taniasalete@gmail.com
“O mais importante do bordado
É o avesso...
O mais importante em mim
É o que eu não conheço
O que de mim aparece
É o que dentro de mim Deus tece...
É o segredo do ponto
O rendado do tempo
É como me foi passado o ensinamento”
J.Vercilo

Introdução:                

 O bordado é um oficio milenar e intergeracional, sendo a arte de ornamentar os tecidos com fios diferentes, coloridos, formando desenhos. A palavra bordar etimologicamente também quer dizer “seguir junto à borda, orlar, margear, delimitar as margens". O ato de bordar provém da tecelagem e há registros desta atividade na pré-história, quando se tecia peles de animais para vestimentas, usando ossos como agulhas.

               Nas antigas civilizações que se desenvolveram as margens do Rio Eufrates, a arte do bordado foi muito cultivada. Os romanos descreviam o bordado como “pintura de uma agulha”. Em alguns textos bíblicos, no Velho Testamento, encontramos referências ao bordado como atividade manual importante e artística. 

             Na idade Média, principalmente, o bordado estava vinculado à nobreza e religiosidade, alguns deles confeccionados em conventos para ornamentar e diferenciar vestimentas comuns daquelas usadas em cerimônias especiais. Só mais tarde adquiriu status de lazer e ocupação do tempo livre, principalmente para as mulheres das classes mais elevadas. Assim sendo, ampliou-se a variedade e   foi possível criar figuras, desenhos, contornos e aplicação de cores e pontos variados.

               Historicamente, o bordado estava atrelado ao universo feminino e, durante décadas, foi disciplina obrigatória e inseparável do currículo de uma “boa esposa”, assim como cozinhar, tricotar, cuidar dos filhos e da casa. A despeito do estigma, o bordado atualmente vem ganhando força e outros significados, ocupando novos espaços, conquistando públicos de diferentes culturas e ocupações, inclusive servindo de estudo e tese no meio acadêmico, além de ser utilizado como  técnica terapêutica, como no caso da Arteterapia.

                Como ferramenta de conscientização política, o bordado é  reconhecido como possibilidade de fonte de renda familiar, dando maior autonomia às mulheres, ou como instrumento de denuncia de condições abusivas e repressivas , como caso das mulheres no Chile, onde  existem as Arpilleras, técnica de bordado utilizada para denunciar as violações cometidas pela ditadura militar no país, na época do ex Presidente Pinochet. As Arpilleras foram criadas por um grupo de bordadeiras de Isla Negra, no litoral chileno, que costuravam à mão imagens feitas de retalhos e  distribuídas clandestinamente. Esta mesma técnica que relata, através do bordado, as angústias, dores, a vida e o cotidiano de uma comunidade,   servirá  de fio condutor para o desenvolvimento do documentário “Arpilleras: bordando a resistência”, sobre pessoas atingidas por barragens no Brasil. (CLIQUE AQUI)

Da fragmentação à desfragmentação – O Bordado na Arteterapia: um relato pessoal 



            Em Arteterapia, a construção do símbolo significa concretização do “não-dito”, ou daquilo que as palavras não alcançam. Fonseca (2015), afirma que: 

 “Ao olhar para o símbolo, o indivíduo adquire a capacidade de olhar seu sentimento sob outra dimensão e com isso elabora outros tantos sentimentos que podem acolher essa dor, aceita-la para depois transformá-la como parte de seu desenvolvimento, de sua superação”. FONSEA                                                            
Em um tempo recente, foi preciso mudar toda organização da minha vida: familiar, profissional, relacional, em função de transferência para outro estado. Apesar do entusiasmo pelas novas possibilidades que um lugar diferente pode causar, lidar com a realidade desta mudança repentina não foi fácil. Passados os primeiros momentos, fui envolvida por sentimentos ambíguos e em pouco tempo, sem a estrutura anterior que me permitia alguma segurança emocional, percebia-me fragmentada, partida e sem chão ou raízes. Literalmente, parecia ter sido “desarraigada” da vida. 

Buscando o devido acolhimento junto à Arteterapia, o bordado surgiu como um caminho natural para iniciar o processo de arraigamento ou enraizamento. Esta possibilidade de lidar com linhas coloridas, bastidor, agulha, tesoura, vários pontos, me remeteu ao passado quando minha avó me ensinava várias atividades manuais, como bordado, tricô e crochê, “para sossegar essa menina um pouco”, dizia ela.  

             Assim como as demais técnicas artísticas abordadas na Arteterapia, o bordado não está associado à questão da estética, e sim ao que representa como função simbólica para indivíduo. Neste contexto específico, para além de suas funções próprias como a possibilidade de escolha, atenção, minuciosidade, delicadeza, ritmo, gradualidade, experimentação, lidar melhor com erro, pelo fazer, desfazer, refazer,  o bordado teve a função de preencher os espaços, ligar os pontos,  seguir um risco, um caminho traçado, pelo desenho escolhido (que já é um símbolo) e, principalmente, dar contorno ao trabalho, à vida.  A atividade uma vez iniciada, conscientizou-me de que era preciso fixar bem os pontos, que não poderiam ser nem frouxos ou apertados demais e equilíbrio foi a meta a conquistar.  Fui automaticamente absorvida pela sensação de introspecção e concentração por aquele trabalho.  

             Pouco a pouco, ponto a ponto, o sentimento anterior foi dando espaço para novas percepções como no processo de “desfragmentação”.  Desfragmentar é “ação de reorganizar, juntar arquivos fragmentados em um só local do disco rígido”. Interessante que essa palavra advinda da informática, rima  com individuação, auto avaliação, construção e integração.

Conclusão:                          

              O bordado manual estimula a criatividade, eleva os níveis de concentração, tranquilidade mental, estimula a ações equilibradas e amplia a  plenitude, o prazer, além de outros benefícios. Fonseca, cita que “...legitimar o bordado como recurso arteterapeutico é trazer para seu contexto inúmeras possibilidades de representações simbólicas. Ao tecer, o paciente entra em contato com sua ancestralidade, suas crenças e sua história...”.

                     E pensando na atividade com as mãos, como instrumentos de arraigamento, Philippini afirma:

“...mãos ferramentas de muitos bordados, delicadas tramas de afetos, desejos e emoções.  No processo arteterapêutico, ao colocá-las em movimento, vamos redescobri-las como sensíveis instrumentos de captação do mundo... É preciso ativar as mãos como instrumentos terapêuticos em suas inúmeras possibilidades de execução, pois a cada transformação externa com os materiais expressivos, analogamente são geradas transformações internas. E neste universo de mãos e materialidade construímos nossa autonomia expressiva e ativamos nosso processo criativo, deste modo, estas mãos são instrumentos potenciais de germinação e construção.” PHILIPPINI 

                  Diante desta experiência pessoal, ficaram claros para mim os novos traços e riscos que podem surgir neste novo espaço que agora  transito. Conhecer novos costumes, novos cheiros, sabores, ter outros amores, dentre eles, o bordado. Afinal, estar na terra de tantas bordadeiras é dar asas à imaginação, à criatividade e à vida.



1 Arpilleras: atingidas por barragens bordando a resistência (teaser)
https://www.youtube.com/watch?v=U1Q-36to_uI


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Assim poderemos iniciar nosso contato para maiores esclarecimentos quanto à proposta, ao formato do texto e quem sabe para um amadurecimento da sua ideia.

A Equipe Não Palavra te aguarda!
Referência Bibliográfica:

PHILIPPINI, Angela -  Cartografia da Coragem, 2008 - 4ª edição, Ed.Wak 
                               Linguagens e materiais expressivos em arteterapia, 2009,  Editora Wak

FONSECA, Erica L  - O Bordado como representação simbólica no atendimento arteterapeutico
Artigo Arterevista, número 5, 2015 


VASCONCELOS, Isabella Karim M F – Tese de Mestrado em Historia -UFRPE -  Uma prática, um bem cultural : uma história sobre o bordado na cidade de Passira-PE, Fev 2016
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Sobre a autora: Tania Salete


Graduação em fonoaudiologia, pós graduação em psicopedagogia. Especialização em Arteterapia pela POMAR, Rio de Janeiro, atuando com grupos terapêuticos e de apoio em casa de recuperação feminina e masculina. Atualmente residindo em Fortaleza.





segunda-feira, 12 de março de 2018

PAPEL MACHÊ, PAPEL COLÈ, MODELAGEM, CRIATIVIDADE E FAZER




Por Vera de Freitas (RJ)
verafguimaraes@gmail.com 

Para o curso de formação clínica em Arteterapia, é  necessário a escolha de uma linguagem para estudo e apresentação de projeto pessoal. Durante o curso conhecemos e experimentamos diversas linguagens e materiais.Defini a linguagem que estudaria para o meu projeto durante a aula de confecção de personagens,  usando a massa de  PAPEL MACHÊ  semipronta (industrializada). Nesta aula descobri a necessidade de estrutura  para modelagem.  E descobri também  que este seria meu grande desafio: conhecer algo que sempre me interessou e entender sua importância terapêutica. 

Sempre soube que seria necessário mais do que receitas e dicas, facilmente encontradas na internet, para a produção de  um bom trabalho. E por isso, produzia peças com a técnica do empapelamento, papietagem, ou PAPEL COLLÉ,  também considerado um tipo de PAPEL MACHÊ,  pelo seu resultado.

Sendo o PAPEL COLLÉ,  a colagem sucessiva de lâminas de papel, significa  revestir de papel, sobrepondo camadas com cola. 

Tive a sorte e a oportunidade de fazer um curso prático, a tempo de orientar meu projeto, com a artista plástica Carol W. Cunha  de Porto Alegre.  Conhecer a linguagem e aprender o PAPEL MACHÊ, que sempre  me interessou e me encantou foi meu grande desafio. Estudei, pesquisei, experimentei, planejei, criei. E quanto mais criava, mas queria criar. Foi um desafio apaixonado. Fazer PAPEL MACHÊ  é  criar, crescer, planejar, estruturar, renovar e transformar.

A LINGUAGEM :

O PAPEL MACHÊ é  uma técnica de modelagem bastante rica no que diz respeito aos métodos  de confecção tanto  da massa como dos produtos criados com esta. É  uma arte milenar, tendo como insumo principal o papel (reciclado), e suas principais  características são  a versatilidade, resistência e durabilidade. 

Depois de seca, a massa possui propriedades da madeira. A massa  do PAPEL MACHÊ  é  utilizada para cobrir superfícies, quase uma pele, e por isso é  necessário uma boa estrutura como base. 

A palavra  PAPIER MÂCHÉ  tem origem francesa e significa papel picado,  amassado e esmagado.  Embora a palavra seja de origem francesa, o PAPIER MÂCHÉ foi inventado na China, e remonta à descoberta do papel  por volta de dois séculos antes de Cristo. A história do PAPEL MACHÊ está intimamente relacionada com a própria história do papel, seu principal insumo. E apesar dos chineses terem descoberto o papel e sejam considerados os precursores do PAPEL MACHÊ,  foi através dos franceses que essa arte se difundiu.

São duas as possibilidades de confecção  da produção de peças  em PAPEL MACHÊ: a colagem sucessiva de lâminas de papel sobrepostos (PAPEL COLLÉ) e a pasta de papel para modelagem (PAPEL MACHÊ). 

Existem inúmeras  receitas e formas de se chegar a esta massa, e fazer a modelagem,  contudo o exercício continuado, a prática  da técnica pode nos levar a um material mais fácil e adequado para a proposta pessoal.

É  possível também  fazer a massa com vários tipos de papel (jornal, folhas de sulfite,  caixas de ovos, papelão, papel higiênico…) e de maneiras diferentes, com texturas e resultados também  diferentes. É  uma técnica interessante também  no aspecto de seu custo baixo, pela versatilidade  e por  sua produção  ser ecologicamente correta, usando materiais que seriam descartados,  e com isso, evitando o aumento do lixo de materiais de difícil decomposição,  como plástico,  embalagens, garrafas pet  etc.

A MODELAGEM:

Esta é uma atividade basicamente sensorial,  por ser trabalhada com as mãos, proporcionando a estruturação da desordem à organização. Trabalha também com a psicomotricidade, pois requer articulações excessivas das mãos,  além da sensação tátil que fornece um diálogo com a imagem que está  sendo criada. 

É  uma linguagem  com experiências de volume e tridimensionalidade,  trazendo desafios de organização espacial, planejamento e capacidade de formar estruturas, mantendo o equilíbrio e intensificando a experiência  com o tato e com as sensações, além de ativar processos de observação  e criatividade,  reaproveitamento de materiais, exercitar a paciência  e delicadeza. 

Essa atividade é  recomendada para pessoas muito rígidas,  já que o contato muscular das mãos acarretam no relaxamento e liberação de tensões. Há uma troca de energia entre as mãos e a massa, a técnica exige uma canalização adequada de energia,  por partir do nada para a criação  de algo. Pode ainda ser este um primeiro passo para outras linguagens  como pintura, colagem etc.

Assim, ao trabalhar com  modelagem em PAPEL MACHÊ, criando e dando forma a algo, com o amassar, mudar e criar, podemos dar forma a imagens  que emergem do inconsciente e com isso compreender e assim ordenar, configurar e ressignificar.

Jung acreditava que o homem poderia organizar seu caos interior através do processo criativo  fazendo aflorar aspectos inconscientes, através da linguagem simbólica,  de forma organizada através das atividades de artes. Isto é  dar concretude às imagens do seu interior, podendo resultar  uma transformação interna e melhorar sua relação com seu ambiente.

A atividade de modelagem pode ser definida como uma atividade de um corpo que faz outro corpo. E em Arteterapia, acreditamos que ao transformar a massa, atribuindo - lhe  significado,  analogamente processos de transformação subjetivas ocorrem na pessoa que a manipula.

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Sobre a autora: Vera de Freitas



Advogada, Arteterapeuta (POMAR)

Cursando Pós Graduação em Arteterapia (POMAR)

Administradora do Instituto VENHA CONOSCO - Tijuca, RJ 

Professora de Iniciação Artística - Instituto ZECA PAGODINHO

Facilitadora do Grupo de Arte e Expressão  para adultos e Grupo de Desenho Livre.

Ateliê  de PAPEL MACHÊ






segunda-feira, 5 de março de 2018

AUTOESTIMA NA VELHICE: O QUE A NEUROCIÊNCIA E A ARTETERAPIA DIZEM A RESPEITO DISSO?


Juliana Ohy - SP
julianaohy@gmail.com
Site: www.julianaohy.com.br


Quando ainda estava pensando sobre que tema escrever, coincidentemente ou não, começaram a surgir comentários e dúvidas de pacientes, artigos e reportagens sobre, além de outros estímulos. Aí pensei: “Talvez seja importante escrever sobre ela: A autoestima”.


Um hábito que tenho é, sempre que inicio um novo tema, dou o start pela etimologia do termo ou da palavra. 

Assim, autoestima é uma palavra originária do grego e do latim, onde AUTÓS (grego) significa A SI MESMO e AESTIMARE (latim) significa VALORIZAR, APRECIAR. 

Do dicionário: 
Autoestima é “característica da pessoa que se valoriza, estando satisfeita com sua maneira de ser, com sua forma de pensar ou com sua aparência física, expressando confiança em suas ações e opiniões: o aumento da autoestima pode melhorar a qualidade de vida”. 

            Segundo teorias da psicologia, autoestima é um componente do processo de desenvolvimento e maturação da personalidade, sendo construída a partir da interação social.

            Muitos fatores estão ligados a autoestima de forma positiva: senso de identidade, papel social que desempenhamos, valores, experiências vividas, conquistas. Mas também alguns fatores podem influenciar negativamente, tais como: fracassos, auto percepção (influenciada pelo julgamento que faz da percepção do outro sobre você), rejeição, humilhação.

            A velhice é um momento em que a interação social, naturalmente, fica mais escassa, seja pela falta de atividade na rotina, seja porque o idoso já não sente que tem um papel social importante a cumprir (e a nossa sociedade infelizmente ainda acredita nisso). Além disso, a perda de entes queridos próximos e prejuízos físicos e cognitivos, afastam o idoso da imagem real do que ele sempre foi. Essa diminuição significativa da interação social na velhice pode acarretar em graves prejuízos na autoestima.             

Mas onde está a autoestima no nosso cérebro? 


A autoestima está localizada entre áreas límbicas e o córtex frontal do cérebro. Toda a rede neural associada à autoestima é construída através da linguagem, da reflexão e de experiências anteriormente aprendidas (CHEDID, 2017).

“O principal objetivo do nosso cérebro é manter-se vivo, e isso inclui a manutenção de um sentido positivo do Eu. Todos queremos ser alguém validado pelos outros e isso só será possível se tivermos segurança emocional e uma autoestima autêntica” (CHEDID, 2017).            

Um estudo publicado sobre níveis de autoestima e performance cognitiva aponta que pessoas inseridas em ambientes com estímulos apresentam melhores índices de autoestima e a interação ambiental exerce papel relevante no comportamento dos idosos. Assim, as atividades realizadas através do grupo de convivência contribuem para uma melhoria das capacidades cognitivas, aumentando os níveis de autoestima (PORTO et al, 2011).

Na Arteterapia, ao entrar em contato com a arte, temos a ampliação da consciência física e mental, facilitando o autoconhecimento, autoconfiança e resgatando a autoestima, possibilitando que o indivíduo ressignifique a própria vida.

            O que é muito importante sabermos é que com o envelhecimento, os sistemas neurais são sim alterados, mas não são os únicos responsáveis pela performance cognitiva do idoso; o ambiente exerce papel relevante no comportamento desses indivíduos e na autoestima.

Consequentemente, com uma boa interação social, atividades que estimulem a criatividade e a autoconfiança, através da Arteterapia, há o surgimento de novas conexões neuronais, contribuindo para um envelhecimento saudável, com idosos mais confiantes e um cérebro mais ativo.

 Referências Bibliográficas

 CHEDID, Kátia. O que a neurociência tem a dizer sobre a autoestima em tempos de “baleia azul” e “13 reasons why”. InfoGeekie, 2017. Disponível em: < http://info.geekie.com.br/neurociencia-autoestima/.

PORTO, Ivalina et al. Correlação entre níveis de autoestima, performance cognitiva e de memória em idosos: uma visão ecológica. AMBIENTE & EDUCAÇÃO-Revista de Educação Ambiental, v. 15, n. 1, p. 187-206, 2011. Disponível em: < https://furg.emnuvens.com.br/ambeduc/article/view/993/923.



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Sobre a autora: Juliana Ohy


Formação:
Psicóloga, Neuropsicóloga, Arteterapeuta, Psicopedagoga, Especializada em Psicogeriatria e Mestre em Saúde Mental e Doutoranda em Ciências da Saúde.

Área de atuação/projetos/trabalhos:
Fundadora do Synapse: Centro de Estimulação Cognitiva. Autora do livro: Jogos Cognitivos: Um olhar multidisciplinar pela editora WAK. Professora dos cursos Arte e Cognição: Estimulando o cérebro através da arte e Jogos Cognitivos. Membro da equipe e professora do curso Neurociências da Educação do CBI of Miami. Palestrante na área de Neurociências, Gerontologia e Arteterapia.

Autora do livro "Jogos Cognitivos: um olhar multidisciplinar"


Disponível para compra AQUI











           



segunda-feira, 26 de fevereiro de 2018

PARA 2018, OLHOS DE SEMENTES: DIÁLOGOS COM A ARGILA



Por Eliana Moraes (MG) RJ
naopalavra@gmail.com
O Cântico da Terra

“Eu sou a terra, eu sou a vida.
Do meu barro primeiro veio o homem.
De mim veio a mulher e veio o amor.
Veio a árvore, veio a fonte.
Vem o fruto e vem a flor.

Eu sou a fonte original de toda vida.
Sou o chão que se prende à tua casa.
Sou a telha da coberta de teu lar.
A mina constante de teu poço.
Sou a espiga generosa de teu gado
e certeza tranquila ao teu esforço.
Sou a razão de tua vida.
De mim vieste pela mão do Criador,
e a mim tu voltarás no fim da lida.
Só em mim acharás descanso e Paz.
Eu sou a grande Mãe Universal.
Tua filha, tua noiva e desposada.
A mulher e o ventre que fecundas.
Sou a gleba, a gestação, eu sou o amor.

A ti, ó lavrador, tudo quanto é meu.
Teu arado, tua foice, teu machado.
O berço pequenino de teu filho.
O algodão de tua veste
e o pão de tua casa.

E um dia bem distante
a mim tu voltarás.
E no canteiro materno de meu seio
tranqüilo dormirás.

Plantemos a roça.
Lavremos a gleba.
Cuidemos do ninho,
do gado e da tulha.
Fartura teremos
e donos de sítio
felizes seremos.”

Há algum tempo tenho investido na percepção dos fenômenos sociais da atualidade e estimulado os arteterapeutas que me cercam para que exercitem seu olhar para os movimentos coletivos de seu tempo e do seu campo de influência, e assim orientem seu trabalho e propostas em Arteterapia. Emprestar seu corpo, sensações e intuições para a captação e tradução para a esfera objetiva os movimentos da humanidade, compõe a função do artista ao longo da história. Conscientizando-se desta função, podem os arteterapeutas imbuídos desta sensibilidade, orientar suas práticas arteterapêuticas, em propostas estruturadas ou semi-estruturadas, para não oferecerem temáticas a partir de seus próprios desejos, mas oferecer os materiais e linguagens expressivas que as pessoas estão tão  carentes e nos pedem intuitivamente.
Tenho pensado que 2018 será um ano bastante desafiador para a humanidade em diversas esferas. Em nosso país especificamente, acredito que este será um ano bastante aquecido em conflitos relacionais, uma vez que será um ano de eleições no âmbito nacional e estaduais, potencializando assim os discursos polarizados, o não diálogo entre os diferentes: o chamado “clima de ódio”. 
Quem são os profissionais habilitados para lidar com as dores daqueles que não estão conseguindo se relacionar com as pessoas amadas ou que compõem sua biografia, e em última análise consigo próprio, senão nós, terapeutas? Esta é uma convocação que assumi para mim e estendo a quem possa se identificar. 
A partir destas reflexões, escolhi iniciar meus trabalhos de práticas em Arteterapia, oferecendo um material bem específico: a argila. De tudo o que já li sobre este material, uma palavra que se repete e muito me orienta quando entendo que é o momento de oferece-la é: RETORNO.  
“Segundo a Bíblia, Adão foi feito do barro, por isso nos remetemos ao começo de tudo, a origem da vida, o que pode ser extremamente mobilizante esse contato, trazendo recordações de fases muito regredidas da infância” BRASIL 

“... A argila mobiliza intensas e ativas conexões arquetípicas, e seu manuseio pode despertar energias ancestrais, extremamente mobilizadoras... Eu, particularmente... Penso que o barro ativa mais rapidamente conteúdos inconscientes, pois é um material orgânico, vivo, úmido, macio, que propicia trocas de temperatura e oferece ao toque extrema plasticidade e reversibilidade. Ela também nos remete naturalmente às associações e/ou memórias muito antigas, algumas memórias provenientes de nosso inconsciente pessoal... além de ter em sua composição muitos elementos bioquímicos presentes também no corpo humano.” PHILIPPINI

Um retorno ao corpo, à conteúdos do inconsciente pessoal e coletivo, ao primitivo, à natureza, ao começo de tudo, à origem da vida. Acredito que no momento em que o ser humano se encontra perdido de si e do outro, desconectado de sua natureza e da natureza como seu habitat, seja necessário um retorno em busca de sua essência, individual e coletiva.
O cântico da terra: uma proposta em Arteterapia



Neste ano, abri meus trabalhos em atendimentos individuais, grupos arteterapêuticos e grupos vivenciais para arteterapeutas, oferecendo a poesia de Cora Coralina que nos inspira sobre a riqueza de simbolismos que a terra nos traz.  Naturalmente, cada leitor de uma poesia capta e faz laço com algum aspecto muito singular, a partir de suas próprias projeções. 
Assim propus para começarmos o ano, um diálogo com a terra, começo de tudo. Inicialmente um diálogo sensorial, sentindo seu peso, sua textura, temperatura, maleabilidade... Em seguida estimulei que cada um ouvisse o cântico desta terra que tinham em suas mãos – este ano se desenha como uma terra pronta para o cultivo (de que?), para investirmos de nós, plantando, germinando, colhendo... Do diálogo entre as mãos de cada autor com o cântico oriundo da terra e com o auxílio de sementes, nasceria uma imagem de forma espontânea. Caberia a cada autor ouvi-la e dar voz à sua forma. Esta mostrou-se uma experiência intensa para cada um em sua singularidade. 
Das variadas imagens surgidas, uma me capturou de forma específica, pois muito me identifiquei com seu sentido. Um dos autores materializou a imagem de um homem com a expressão de preocupação e tristeza com tudo o que tem visto em seus dias e tudo o que está por vir. Porém, um detalhe me saltou pela profundidade simbólica: os olhos eram feitos de sementes. 
Tomei emprestado esta imagem para me compor neste ano. Preocupada e entristecida com o que tenho visto. Mas que eu não perca meus olhos de sementes pelas terras por onde eu passar.


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Referências Bibliográficas:
BRASIL, Claudia. Cores, formas e expressão: Emoção de Lidar e Arteterapia na Clínica Junguiana
PHILIPPINI, Angela. Linguagens e Materiais Expressivos em Arteterapia: Uso indicações e propriedades

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Sobre a autora: Eliana Moraes


Arteterapeuta e Psicóloga. 

Especialista em Gerontologia e saúde do idoso e cursando MBA em História da Arte. 
Fundadora e coordenadora do "Não Palavra Arteterapia".
Escreve e ministra cursos, palestras e supervisões sobre as teorias e práticas da Arteterapia. 
Atendimentos clínicos individuais e grupais em Arteterapia. 

Nascida em Minas Gerais, coordena o Espaço Não Palavra no Rio de Janeiro.

segunda-feira, 19 de fevereiro de 2018

“PENSANDO A ARTETERAPIA” EM NOVAS SEARAS



Por Eliana Moraes (MG) RJ
naopalavra@gmail.com

 O pequeno período sabático que me propus nos últimos dois meses, me levou a uma viagem no tempo. Meus pensamentos passearam por momentos da minha história, desde 2013, quando intuitivamente decidi começar a escrever para registrar minhas observações e reflexões do dia a dia como arteterapeuta. Revisitei meus primeiros textos e pude reviver as sensações tão primárias de quem está aprendendo a andar. Mas revivi também as sensações de quem continua a caminhar, fortalece as pernas, os passos e enfim assume uma marcha. Hoje a escrita faz parte da minha vida e ela me compõe.

Sincronicamente, quando voltei ao consultório em meados de janeiro, uma paciente em meio às suas associações, contou que estava lendo o livro “Romancista por vocação” de Haruki Murakami. O nome daquele livro capturou minha escuta e guardei-o para que pudesse pesquisar no momento oportuno.

Foi assim que conheci Murakami, escritor japonês, considerado um dos autores mais importantes da atual literatura japonesa. Neste livro, Murakami nos conta sua história pessoal e sua percepção sobre como se tornou um romancista: 
“Afinal, nem eu mesmo entendo direito como me tornei romancista. Não decidi quando era jovem: ‘No futuro quero ser escritor’, não estudei para isso, não fiz treinamento especial, ou seja, não segui nenhum passo específico para me tornar romancista. Eu apenas estava fazendo várias coisas na vida, isso e aquilo, e, por impulso e por acaso, acabou acontecendo assim. A sorte me ajudou muito também. Lembrando disso agora acho até assustador, mas fazer o quê? Foi assim que aconteceu”. (p 63)
Sorri. Senti um calor no peito quando nesta e outras passagens do livro encontrei um eco para meus caminhos pela escrita sobre o que eu trabalho, vivo e acredito. 
Murakami relata seu processo para o desenvolvimento de um estilo próprio de escrita (vale a pena conferir os detalhes no livro) mas em suma, significou um processo de SIMPLIFICAR tudo o que era “demais”, como palavras difíceis ou belas expressões para impressionar as pessoas e tudo o mais que parecesse pesado: 
“... acredito que... para encontrar um estilo ou um discurso pessoal e original, o necessário de fato é subtrair algo. Parece que viemos acumulando muita coisa ao longo da vida. Estamos sobrecarregados de informações, bagagens... quando tentamos nos expressar, todo esse peso acaba sobrecarregando o motor. E não conseguimos mais nos mover. Nesse caso, temos que jogar fora o conteúdo desnecessário e limpar o sistema para que a nossa mente se torne mais livre e ágil...
Eliminar da mente todo conteúdo desnecessário, simplificar e reduzir fazendo a subtração, talvez não seja tão fácil de colocar em prática, apesar de parecer simples.” (p 57-58)
Essa subtração ao que há de mais simples possibilitou-o a continuar a fortalecer suas pernas, seus passos e assim assumir sua marcha. Mais uma vez me identifiquei com Murakami. Quem acompanha meu trabalho de perto sabe o quanto tenho falado sobre a beleza do retorno ao simples e quantas riquezas encontramos quando  nele investimos nossa criatividade.
“Comecei usando esse estilo simples, bem ventilado... e a cada obra que produzia, fui aos poucos acrescentando conteúdos, à minha maneira, em um processo bastante demorado. A estrutura foi se tornando tridimensional e multifacetada e a armação foi ficando cada vez mais espessa, ou seja, fui criando condições para depositar aí uma narrativa maior e mais complexa... o processo de desenvolvimento da minha escrita foi natural, não intencional. Só fui perceber isso mais tarde.” (p58)
Eu seguia minha leitura em um profundo diálogo com o autor, com direito a respostas em voz alta: “Sim Murakami, a gente só percebe mais tarde.” 
Sorri mais uma vez quando o autor contou sobre o movimento de se deslocar dos enquadramentos racionais e acessar outras instâncias mais sensitivas e intuitivas no ato de escrever: 
“A sensação que eu tinha enquanto escrevia era mais próxima de tocar um instrumento musical do que à de escrever. Até hoje guardo essa sensação na mente, com cuidado. Resumindo, talvez eu utilize mais as sensações corporais e não a cabeça para escrever: garantir o ritmo, encontrar um belo acorde e acreditar no poder da improvisação.” (p 30)
Se eu fosse resumir tudo o que li de Murakami em uma palavra, eu diria LIBERDADE. E foi exatamente isto que ele se propôs: 
“... escrever livremente o que eu sentir, o que vier à minha cabeça, abandonar ideias preconcebidas de que romance tem que ser assim, de que literatura tem que ser assim... 
Se existe algo de original nos romances que escrevo, acredito que seja o fato de eu ser livre...
Penso que na base dos romances que escrevo existe essa sensação de liberdade e espontaneidade... Isso é a minha força motriz.” (p. 27/58-59) 

“Pensando a Arteterapia”: meu primeiro livro 
Toda esta jornada interior aconteceu porque, em paralelo às minhas memórias e à leitura de Murakami, eu estava em diálogo com a Larissa da Editora Semente, para a construção do meu primeiro livro “Pensando a Arteterapia” - sua capa ilustra este texto. O livro, com lançamento previsto para o mês de abril deste ano,  será a compilação dos textos de minha autoria publicados no blog “Não Palavra” desde sua criação em 2013 até o início de 2017.  
Receber cada etapa de edição em meu email fazia com que meu coração batesse mais forte, ainda não acreditando que meu caminho com a escrita estava alcançando novas searas. 
Meu desejo é que ele sirva como material de estudo para aqueles que desejam atuar na Arteterapia, mas também como provocador de diálogos – inclusive por meio de discordâncias – pois acredito que é dessa forma que construímos um saber, conscientes de que esse nunca se esgotará. 
Assim começa 2018 e quis abrir os trabalhos do blog com esta novidade. Neste ano o blog segue seu ritmo semanal de produção de textos. Mas este espaço só se sustenta com a participação daqueles que se “atrevem” à escrita. O blog segue recebendo textos, mantendo-se como um espaço colaborativo. 
Minha intenção hoje é incentivar que os leitores do blog “Não Palavra” escrevam (para o blog e tantos outros espaços) pois eu posso afirmar: vale a pena. 
E faço minhas as palavras de Murakami. Escrever: 
“... é uma sensação incrível. Ela é revigorante, como se surgisse mais um dia dentro do dia de hoje. 
E desejo que, se possível, meus leitores sintam a mesma coisa. Quero abrir uma nova janela na parede do seu coração e levar um ar novo até ele. É o que eu penso e desejo, sempre que estou escrevendo. Do fundo do coração, de forma bem simples.” (p 61)

Caso você tenha se identificado com a proposta do “Não palavra abre as portas” e se sinta motivado a aceitar o nosso convite, escreva para naopalavra@gmail.com
Assim poderemos iniciar nosso contato para maiores esclarecimentos quanto à proposta, ao formato do texto e quem sabe para um amadurecimento da sua ideia.
A Equipe Não Palavra te aguarda!
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Sobre a autora: Eliana Moraes


Arteterapeuta e Psicóloga. 
Especialista em Gerontologia e saúde do idoso e cursando MBA em História da Arte. 
Fundadora e coordenadora do "Não Palavra Arteterapia".
Escreve e ministra cursos, palestras e supervisões sobre as teorias e práticas da Arteterapia. 
Atendimentos clínicos individuais e grupais em Arteterapia. 
Nascida em Minas Gerais, coordena o Espaço Não Palavra no Rio de Janeiro.