Por Milena Cavalheiro - SP
A Arteterapia com Longevos é
desafiante e recompensador. Têm dias, que pensamos que estamos indo pelo
caminho errado, que não temos mais ideias... Fazemos vários questionamentos
sobre o ser arteterapeuta.
Muitas
incertezas sobre o método utilizado. Pensamos: Será que isso que estou fazenso
é Arteterapia?
Em
grupos de longevos com diferentes níveis cognitivos, diferentes habilidades,
será que é conveniente aplicarmos a mesma atividade?
Eu
estou há 08 anos, trabalhando com esse público e ainda não encontrei uma
fórmula. O que eu faço é observar cada um, individualmente, e possibilitar
processos onde o atendido possa explorar as suas habilidades preservadas.
Nesses
anos de trabalho, já me frustrei muito, por em alguns momentos achar que estou
fazendo o certo e não era. Quantas vezes eu cheguei em um residencial, com um
material, a atividade pronta e no momento de aplicar, eu ter que mudar os
planos. Essas mudanças foram me tornando mais criativa, mais dinâmica e
ampliando o meu leque de possibilidades de atuação com eles.
Hoje,
trago um caso de um senhor, de um dos residenciais em que atendo, vou chamá-lo
de Severino.
O
Sr. Severino, chegou ao residencial por volta de três anos, num estágio
avançado da Doença de Alzheimer, mas ainda falava e interagia. Adorava as
atividades de estimulação cognitiva com a bola. Apesar da Doença de Alzheimer
tinha o senso de lateralidade e direção preservados.
Mas,
no final de 2022, ele sofreu um AVC e o comprometimento cognitivo dele, foi de
moderado a severo muito rapidamente.
São
quase três anos, convivendo com a re(ha)bilitação dele, que ficou com o lado
esquerdo paralisado.
Em
alguns dias, não conseguimos fazer nada, mas em outros e com persistência, ele
consegue, inclusive realizar sozinho o processo, por um período curto de tempo,
mas consegue.
O
que eu quero dizer com isso, que com insistência e pela repetição, por mais que
o nosso atendido esteja com comprometimento cognitivo severo, nós conseguimos
extrair algo deles.
E,
em muitos casos, só o fato de você estar ali, com o seu atendido, contando uma
história, lendo uma poesia, mostrando uma obra de Arte, segurando na mão dele
para que ele possa colorir, ou trabalhar com massinha, como é o caso do Sr.
Severino, você está proporcionando um momento precioso e raro para ele, que
está ali, isolado do mundo real, vivendo apenas das lembranças do passado, sem
conseguir fixar-se no momento presente.
O
Sr. Severino, me surpreendeu. Segue o processo com massinha que realizamos em
três encontros.
A
massinha de EVA, foi um achado, pois ela não gruda não do atendido, é bastante
macia, tem uma textura gostosa para modelar, não umedece o papel, podendo assim
ser trabalhada tanto na modelagem como na pintura.
Com o Sr. Severino, o último processo foi realizado com pintura. Peguei a seguinte imagem da internet:
(Imagem retirada do site: https://www.lavoretticreativi.com/)
Os
espaços são grandes, sem muita dificuldade para realizar a pintura com a
massinha.
Com
esse atendido, eu sempre que posso, trabalho com massinha, faço massagem com a
bolinha de tênis ou leio para ele, então nós já temos um vínculo formado.
No
primeiro dia, mostrei a imagem para ele, que estava meio sonolento. Mostrei as
possibilidades de cor de massinha, e ele apontou para a massinha marrom. Como
ele estava sonolento, eu iniciei o processo, fazendo uma bolinha junto com ele
e depois segurando a sua mão, fizemos o movimento de prensa. No primeiro
momento, não obtivemos muito sucesso. Eu não insisti, para não deixá-lo
nervoso.
Dia 1
Já no segundo dia, ele estava mais disposto e iniciamos pela escolha da cor, como ele não escolheu, eu sugeri o azul, que é uma cor que ele gosta, ele aceitou, então pintamos mais um pouquinho, ele com um pouco mais de autonomia. Tanta autonomia, que quase não entendemos o que ele fala, mas quando ele não quis mais, ele disse: “Chega, não quero mais!”. Novamente, acatei a sua decisão.
Dia 2
E
no último dia desse processo, ele realizou uma boa parte da pintura sozinho. Eu
o estimulando, pedindo para que ele ‘esticasse ou puxasse’ a massinha mais um
pouquinho e foi esse o resultado.
Final do Processo (Dia 3)
A massinha de modelar estimula a gnosia táctil, trabalha com a
coordenação motora e quando nós vamos orientando os caminhos a serem seguidos
durante o processo, os nossos atendidos fluem.
O
que eu quis dizer com esse texto é que através da repetição de estímulo nós
conseguimos resultados, que podem parecer pequenos, mas são de grande
importância para o acolhimento, a estimulação e o contato com os nossos
atendidos.
A
arteterapia neste caso serve como arte (com licença poética):
arte-re(ha)bilitalação, pois estamos estimulando as funções cognitivas, as
praxias e alimentando o emocional do nosso atendido. Ao finalizar o processo,
quando você o parabeniza por ter concluído, a auto-estima, a auto-valoração, o
amor próprio vem, ainda que seja por frações de segundos, mas este indivíduo se
sente reconhecido e recolocado no mundo. Ainda que, neste caso, ele se esqueça,
mas ele viveu aquele momento. Ele ficou no momento presente, por alguns
instantes e isso faz total diferença na vida do longevo.
Milena
Cavalheiro de Siqueira
AT -
UBAAT: 08/846/1121
SP
11-09-2025
Referências
Bibliográficas
COUTINHO,
Vanessa. Arteterapia com Idosos - Ensaios e Relatos. 2 ed. Rio de Janeiro. Wak,
2015.
FORTUNA,
Sônia Maria. Doença de Alzheimer, Qualidade de vida e Terapias Expressivas. 2
ed. Campinas. Alínea, 2005.
FRANCISQUETTI,
Ana Alice. Arte-Reabilitação. 1 ed. São Paulo. Memnon, 2011.
FRANCISQUETTI,
Ana Alice. Arte-Reabilitação: Um caminho inovador na área da Arteterapia. 1 ed. Rio de Janeiro. Wak, 2016.
MARTINIE,
Josy Mariane Thaler. FILHA, Maria Tereza Junqueira Carvalho. MENTA, Sandra
Aiche. Arteterapia: Recurso terapêutico ocupacional na terceira idade.
É atriz,
arteterapeuta, estimuladora cognitiva e mestranda em Gerontologia. Trabalha em
ILPI’s desde 2017. O trabalho desenvolvido com idosos surgiu de maneira
inesperada e apaixonante. Realiza atendimentos em Clínica de transtornos
alimentares e já trabalhou em clínica de desospitalização com atendidos de
diversas idades, ampliando a sua visão sobre as possibilidades de ampliação no
campo da Arteterapia e expansão da criatividade.
É movida pela
arte. Adora compartilhar conhecimento.
Atendimentos:
individual, em grupos. Hoje facilita grupos de estudo sobre Arteterapia e
Envelhecimento.
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