terça-feira, 16 de setembro de 2025

ARTETERAPIA - COMO ARTE-RE(HABILITAÇÃO COGNITIVA NA DOENÇA DE ALZHEIMER (PINTURA COM MASSA DE EVA)


Por Milena Cavalheiro - SP

            A Arteterapia com Longevos é desafiante e recompensador. Têm dias, que pensamos que estamos indo pelo caminho errado, que não temos mais ideias... Fazemos vários questionamentos sobre o ser arteterapeuta.

                        Muitas incertezas sobre o método utilizado. Pensamos: Será que isso que estou fazenso é Arteterapia?

                        Em grupos de longevos com diferentes níveis cognitivos, diferentes habilidades, será que é conveniente aplicarmos a mesma atividade?

                        Eu estou há 08 anos, trabalhando com esse público e ainda não encontrei uma fórmula. O que eu faço é observar cada um, individualmente, e possibilitar processos onde o atendido possa explorar as suas habilidades preservadas.

                        Nesses anos de trabalho, já me frustrei muito, por em alguns momentos achar que estou fazendo o certo e não era. Quantas vezes eu cheguei em um residencial, com um material, a atividade pronta e no momento de aplicar, eu ter que mudar os planos. Essas mudanças foram me tornando mais criativa, mais dinâmica e ampliando o meu leque de possibilidades de atuação com eles.

                        Hoje, trago um caso de um senhor, de um dos residenciais em que atendo, vou chamá-lo de Severino.

                        O Sr. Severino, chegou ao residencial por volta de três anos, num estágio avançado da Doença de Alzheimer, mas ainda falava e interagia. Adorava as atividades de estimulação cognitiva com a bola. Apesar da Doença de Alzheimer tinha o senso de lateralidade e direção preservados.

                        Mas, no final de 2022, ele sofreu um AVC e o comprometimento cognitivo dele, foi de moderado a severo muito rapidamente.

                        São quase três anos, convivendo com a re(ha)bilitação dele, que ficou com o lado esquerdo paralisado.

                        Em alguns dias, não conseguimos fazer nada, mas em outros e com persistência, ele consegue, inclusive realizar sozinho o processo, por um período curto de tempo, mas consegue.

                        O que eu quero dizer com isso, que com insistência e pela repetição, por mais que o nosso atendido esteja com comprometimento cognitivo severo, nós conseguimos extrair algo deles.

                        E, em muitos casos, só o fato de você estar ali, com o seu atendido, contando uma história, lendo uma poesia, mostrando uma obra de Arte, segurando na mão dele para que ele possa colorir, ou trabalhar com massinha, como é o caso do Sr. Severino, você está proporcionando um momento precioso e raro para ele, que está ali, isolado do mundo real, vivendo apenas das lembranças do passado, sem conseguir fixar-se no momento presente.

                        O Sr. Severino, me surpreendeu. Segue o processo com massinha que realizamos em três encontros.

                        A massinha de EVA, foi um achado, pois ela não gruda não do atendido, é bastante macia, tem uma textura gostosa para modelar, não umedece o papel, podendo assim ser trabalhada tanto na modelagem como na pintura.

                        Com o Sr. Severino, o último processo foi realizado com pintura. Peguei a seguinte imagem da internet: 

 


(Imagem retirada do site: https://www.lavoretticreativi.com/)

 

                        Os espaços são grandes, sem muita dificuldade para realizar a pintura com a massinha.

                        Com esse atendido, eu sempre que posso, trabalho com massinha, faço massagem com a bolinha de tênis ou leio para ele, então nós já temos um vínculo formado.

                        No primeiro dia, mostrei a imagem para ele, que estava meio sonolento. Mostrei as possibilidades de cor de massinha, e ele apontou para a massinha marrom. Como ele estava sonolento, eu iniciei o processo, fazendo uma bolinha junto com ele e depois segurando a sua mão, fizemos o movimento de prensa. No primeiro momento, não obtivemos muito sucesso. Eu não insisti, para não deixá-lo nervoso.

Dia 1

 

 


 

                        Já no segundo dia, ele estava mais disposto e iniciamos pela escolha da cor, como ele não escolheu, eu sugeri o azul, que é uma cor que ele gosta, ele aceitou, então pintamos mais um pouquinho, ele com um pouco mais de autonomia. Tanta autonomia, que quase não entendemos o que ele fala, mas quando ele não quis mais, ele disse: “Chega, não quero mais!”. Novamente, acatei a sua decisão.

Dia 2

 


 

                        E no último dia desse processo, ele realizou uma boa parte da pintura sozinho. Eu o estimulando, pedindo para que ele ‘esticasse ou puxasse’ a massinha mais um pouquinho e foi esse o resultado.

 

Final do Processo (Dia 3)

 

 


 

                        A massinha de modelar estimula a gnosia táctil, trabalha com a coordenação motora e quando nós vamos orientando os caminhos a serem seguidos durante o processo, os nossos atendidos fluem.

                        O que eu quis dizer com esse texto é que através da repetição de estímulo nós conseguimos resultados, que podem parecer pequenos, mas são de grande importância para o acolhimento, a estimulação e o contato com os nossos atendidos.

                        A arteterapia neste caso serve como arte (com licença poética): arte-re(ha)bilitalação, pois estamos estimulando as funções cognitivas, as praxias e alimentando o emocional do nosso atendido. Ao finalizar o processo, quando você o parabeniza por ter concluído, a auto-estima, a auto-valoração, o amor próprio vem, ainda que seja por frações de segundos, mas este indivíduo se sente reconhecido e recolocado no mundo. Ainda que, neste caso, ele se esqueça, mas ele viveu aquele momento. Ele ficou no momento presente, por alguns instantes e isso faz total diferença na vida do longevo.

 

Milena Cavalheiro de Siqueira

AT - UBAAT: 08/846/1121

SP 11-09-2025


Referências Bibliográficas

 

COUTINHO, Vanessa. Arteterapia com Idosos - Ensaios e Relatos. 2 ed. Rio de Janeiro. Wak, 2015.

FORTUNA, Sônia Maria. Doença de Alzheimer, Qualidade de vida e Terapias Expressivas. 2 ed. Campinas. Alínea, 2005.

FRANCISQUETTI, Ana Alice. Arte-Reabilitação. 1 ed. São Paulo. Memnon, 2011.

FRANCISQUETTI, Ana Alice. Arte-Reabilitação: Um caminho inovador na área da Arteterapia.     1 ed. Rio de Janeiro. Wak, 2016.

MARTINIE, Josy Mariane Thaler. FILHA, Maria Tereza Junqueira Carvalho. MENTA, Sandra Aiche. Arteterapia: Recurso terapêutico ocupacional na terceira idade.

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 Sobre a autora:  Milena Cavalheiro de Siqueira

 


É atriz, arteterapeuta, estimuladora cognitiva e mestranda em Gerontologia. Trabalha em ILPI’s desde 2017. O trabalho desenvolvido com idosos surgiu de maneira inesperada e apaixonante. Realiza atendimentos em Clínica de transtornos alimentares e já trabalhou em clínica de desospitalização com atendidos de diversas idades, ampliando a sua visão sobre as possibilidades de ampliação no campo da Arteterapia e expansão da criatividade.

É movida pela arte. Adora compartilhar conhecimento.

Atendimentos: individual, em grupos. Hoje facilita grupos de estudo sobre Arteterapia e Envelhecimento.

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