segunda-feira, 11 de agosto de 2025

RESPIRAÇÃO, PRANAYAMAS E A ARTETERAPIA: INTEGRAÇÕES POSSÍVEIS



por Karine Drumond - MG


“O que a arte oferece é um tipo de espaço de respiro para a alma” – em livre tradução de John Updike


Recentemente participei de uma vivência conduzida pela arteterapeuta Eliana Moraes onde exploramos o tema dos caminhos da vida, seus percalços e singularidades. A vivência foi muito rica e particularmente despertou em mim reflexões profundas sobre carreira e minhas escolhas. Durante o momento de exploração artística surgiu a produção que chamei de “O Caminho-Pulmão". Esta imagem e as conexões que ela evoca dialogam profundamente com meu momento atual. Após mais de 15 anos atuando como designer, experimento um processo de transição de carreira, me formando em Arteterapia e paralelamente me preparando para me tornar também instrutora de Yoga Integral. Nestes estudos, vislumbro muitos diálogos possíveis e sinergias nestas duas áreas de saber. 


A ideia deste artigo, nasce, portanto, destas reflexões sobre os diálogos possíveis entre os ensinamentos da Yoga Integral e Arteterapia. Quais são estes diálogos? De que maneira podem se complementar e potencializar as vivências arteterapêuticas? Neste artigo, em especial, proponho começarmos explorando os diálogos possíveis entre os pranayamas – as práticas respiratórias do yogae Arteterapia.

Pranayama e arteterapia: uma base em comum

A palavra pranayama é composta de dois termos: prana, que significa respiração, alento primordial, energia vital, e ayama, que significa pausa, retenção. Literalmente, pranayama, quer dizer, portanto, retenção da energia vital. Segundo Blay (1996), Pranayama é a parte do Yoga que trata do domínio das energias psíquicas mediante a regulação do movimento respiratório. 


Tanto o pranayama quanto a arteterapia partem da experiência presente.

Enquanto a arteterapia dá forma às sensações internas por meio da expressão visual, as técnicas de pranayama nos convidam a mergulhar em nosso ritmo respiratório como ponto de conexão entre corpo e psique. Ambos criam um espaço para que o que está latente — emoções, imagens, memórias, impulsos — possa emergir com mais clareza. Além do que, compartilham o mesmo objetivo: a integração do Eu superficial com o Eu mais profundo, levando ao desenvolvimento pessoal. 

Aspectos psíquicos da respiração e a arteterapia

Como sabemos, a respiração, enquanto ato ao mesmo tempo voluntário e involuntário, reflete e influi nos estados mentais dos indivíduos. Um dos objetivos primordiais do controle da respiração, no Yoga, consiste em promover um diálogo saudável e nutritivo entre a energia contida na personalidade profunda (inconsciente) com a personalidade superficial (consciente).  Esta integração, na ordem fisiológica, leva a integração de todos os seus sistemas nervosos (central, simpático e parassimpático).  No Hatha Yoga, a integração no nível psíquico leva a integração no nível fisiológico e vice e versa. A respiração é o primeiro ato do ser humano ao nascer, é o ato vital que o mantém em contato permanente com o mundo que o rodeia. Ao integrar práticas de respiração em Arteterapia, um primeiro diálogo importante que podemos fazer é explorar as fases ou tempos da respiração e suas relações simbólicas, como veremos a seguir.

Inspiração e expansão (puraka)

Fisiologicamente é o movimento do aparelho respiratório que permite a entrada do ar nos pulmões. Psicologicamente é o ato pelo qual o indivíduo recolhe ou deixa entrar o ar de que necessita; relaciona-se diretamente com a afirmação do indivíduo dentro de si mesmo. O desenvolvimento da inspiração profunda representa o ato de acolher o novo, nutrir-se, abrir-se às possibilidades.


Na arteterapia, associada a técnicas de pranayamas, podemos explorar as relações simbólicas que surgem desse ato. O que pode traduzir-se, por exemplo, na pergunta-reflexão: “O que preciso inspirar agora na minha vida? Como posso dar forma a esse desejo criativamente?” “Do que preciso me nutrir para crescer?” 

Expiração e entrega  (rechaka)

Fisiologicamente é o movimento do aparelho respiratório que expulsa o ar dos pulmões. Psicologicamente, é o ato com o que o indivíduo expulsa ou se desprende do ar viciado de seus pulmões. Relaciona-se com a expansão da personalidade e com as formas que adota.


No ateliê terapêutico, esse momento pode ser explorado com convites à experimentações com práticas que permitem evocar desapego. Pergunta-reflexão: “Do que preciso abrir mão para que algo novo possa surgir em mim e na minha vida?”

Pausa entre as respirações (kumbhaka)

As retenções são como uma suspensão criadora, um momento de espera e integração entre o que foi e o que virá. A retenção com pulmão cheio, corresponde psicologicamente a um ato assimilador, retentor e conservador, em seu duplo aspecto fisiológico e psíquico. É uma fase ou movimento de equilíbrio relativamente estável. A retenção com os pulmões vazios é um ato pelo qual se mantém em estado de vazio, de ausência de ar, do mundo e dos conteúdos do eu. Momento de equilíbrio instável, abstração ou morte. Feito de forma natural, evoca o distanciar-se do vaivém das coisas. Em Arteterapia podemos indagar:

“Como posso habitar o intervalo entre o conhecido e o desconhecido? O que há neste intervalo? Como dar forma a esse momento de pausa?”


Ritmo e ciclos

A cadência da respiração nos lembra que tudo na vida é cíclico, um vai-e-vem entre dar e receber. A própria observação consciente dos ciclos respiratórios pode inspirar mandalas, padrões gráficos, imagens circulares que tragam senso de continuidade e equilíbrio.

Em ateliê terapêutico podemos explorar visualmente “Como meu ritmo interno se manifesta visualmente? O que ele me ensina sobre o fluxo da minha própria vida?”


Respiração alternada (nadi shodhana)

No Yoga, ao trabalhar técnicas de respiração alternada, busca-se equilibrar os dois canais da respiração (narina direita = positiva, narina esquerda=negativa), criamos uma disponibilidade para a harmonização das polaridades (razão e emoção, ação e entrega, luz e sombra, atividade e descanso). Pergunta-reflexão: “Que opostos dentro de mim buscam diálogo? Como eu os simbolizaria criativamente?”

Possibilidades para integrar pranayama e arteterapia na prática

Explorando alguns possíveis diálogos, vimos como as práticas de respiração do Yoga podem propiciar e potencializar o autoconhecimento, funcionando como um meio de ampliar a percepção sobre si mesmo e seus estados mentais, promovendo um diálogo interno mais harmônico. Um exemplo comum, na condução de uma sessão, o terapeuta pode começar guiando um pranayama simples e curto — o suficiente para que o participante entre em contato com a própria respiração. Depois, com os olhos ainda fechados, pode-se propor que a pessoa observe as imagens que emergem durante a prática e que as transponha para o papel, a argila, a colagem ou o material que preferir. Ao final, a reflexão sobre o que foi criado ganha ainda mais profundidade quando relacionada às qualidades da própria respiração, criando uma ponte entre o que foi vivido corporalmente e o que foi expresso visualmente.


Pesquisando, descobri algumas outras possibilidades interessantes. Como por exemplo, o relato de uma arteterapeuta que colaborou em parceria com uma instrutora de yoga, em sessões para grupos de veteranos em habilitação assistida, com foco em cessação ao tabagismo e manejo do estresse. A intenção foi oferecer estratégias alternativas de enfrentamento — como arte, movimento e atenção plena — em sessão integrativa, unindo psicoeducação, práticas respiratórias e experiências arteterapêuticas. Após o momento de respiração, os participantes foram convidados para criar mandalas com aquarela sobre círculo desenhado à base de giz branco. A técnica com giz resistiu à tinta, fazendo a forma circular emergir sob camadas de cor. Essa mandala simbólica representou o “espaço de respiração interno”, funcionando como metáfora de proteção emocional e lembrança visual a ser mantida mesmo em camadas de vida e tensão. O grupo refletiu sobre o valor de criar fronteiras que protejam momentos de desaceleração e introspecção. A mandala funcionou como lembrança visual desse espaço interno sempre acessível.


Concluindo, o pranayama aquieta a mente e equilibra o sistema nervoso, ampliando a presença e a consciência de si. Esse estado pode potencializar a expressão simbólica, permitindo que as imagens que surgem no processo criativo sejam mais autênticas e conectadas àquilo que precisa ser visto, sentido e elaborado. Pensando nisso, essa integração entre respiração consciente e expressão artística enriquece o próprio caminho de autoconhecimento. Em ateliê arteterapêutico o ritmo da respiração pode virar traço, a inspiração pode virar cor, a pausa pode virar forma, e a entrega pode virar imagem. Respiração em arteterapia pode ser tanto usada como técnica auxiliar, potencializadora das práticas, quanto também como objeto-foco da sessão terapêutica, com ricas possibilidades.

Dessa maneira, o pranayama e a arteterapia se encontram como práticas e saberes que se entrelaçam e abrem novas vias para o florescimento pessoal e criativo.

Este entrelaçar dos dois saberes não acaba aqui, é apenas o começo, continuo seguindo minha curiosidade, ávida por descobrir novas tramas dessa costura.


Referências


BLAY, Antonio. Fundamento e prática do hatha yoga: Loyola, 1996


ROIZEN, Sara. BREATHING SPACE COLLABORATION ~ WITH VETERANS. Art Therapy Spot, 17 nov. 2013. Disponível em: https://arttherapyspot.com/2013/11/17/breathing-space-collaboration-wi/?utm_source=chatgpt.com. Acesso em: 22 jun. 2025.



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Sobre a autora: Karine Drumond




Karine Drumond tem uma formação em Design, Arte Educação. Pós graduanda em Arteterapia pelo INTEGRATE - MG. Com sólida experiência facilitando processos criativos para mulheres e crianças entre 7 e 14 anos. Atuou como pesquisadora e professora em Design na PUC Minas por mais de 10 anos. Recentemente atuou na ONG Projeto Reconstruir, utilizando a arte como ferramenta de expressão e transformação social. Atualmente, está à frente do EquilibrArte, projeto em construção que pretende promover vivências que integram yoga, arteterapia e autoconhecimento para resgatar o bem-estar e a criatividade pessoal e coletiva.

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