Por Mercedes Duarte - RJ
duarte.mercedes@gmail.com
@mercedesdu.arteterapia
@baoba.arteterapia
Esse é mais um texto da sequência
de reflexões acerca dos 22 arcanos maiores do tarô, associados a elementos da
arte que possam nos aproximar dessas imagens arquetípicas encontradas nas
cartas de tarô. Nesse artigo, trago o Arcano X, a Roda da Fortuna, em diálogo
com as mandalas. Aqui não há a pretensão de esgotar as dimensões do arquétipo,
o que seria inalcançável, tampouco explanar com profundidade a diversidade das
concepções simbólicas acerca das mandalas. O escopo é trazer um recorte que
privilegie as afinidades entre o arquétipo e algumas das concepções acerca dos
círculos e mandalas.
O
intuito desse diálogo, portanto, entre arte e tarô, como já mencionado e
aprofundado em outro texto[1], é
o de proporcionar reflexões e possibilidades arteterapêuticas - experimentadas
na Jornada Arteterapêutica Arte e Tarô[2] -
que permeiam esses elementos em diálogo, buscando, assim, contribuir para as
reflexões do fazer arteterapêutico e a ampliação de seu repertório.
Tarô
de Marselha
Tarô de Waite e Smith
No alto da roda temos uma espécie de esfinge empunhando uma espada. Seria o guardião de um tipo de transcendência que nos leva a um lugar mais alto, seguro, menos ao sabor das inconstâncias, dos altos e baixos, da roda da vida? A esfinge, como é sabido, pressupõe um enigma a ser desvendado para que não sejamos devorados.
No tarô de Waite e
Smith os quatro elementos da natureza aparecem representados nos quatro cantos da carta. De acordo com
Carl Jung (2002) o self frequentemente é representado pelos quatro
cantos do mundo, ou quatro elementos, com o centro de um círculo dividido em
quatro.
Os círculos, as mandalas e a roda da fortuna
Carl Jung (2002) recorreu as imagens dos círculos, ou mandalas, para designar a representação simbólica da psique, ou seja, do próprio self. Esse que ao mesmo tempo é o centro da psique e sua totalidade. Símbolo da completude, o círculo, ou a mandala, “teria esse significado de lugar sagrado, um tememos para proteger o centro da personalidade (...), pois impede que ela seja atraída para fora ou que seja influenciada pelo mundo exterior” (SHARP, 1997, p.154).
Jung introduziu então o termo mandala - palavra de língua sânscrita que significa “círculo”, sendo também entendida como o “círculo da essência” (GREEN, 2005) - na psicologia moderna, pois descobre que essas imagens aparecem espontaneamente em nossos sonhos em épocas de estresse, configurando uma forma de compensação de conflitos internos e externos (NICHOLS, 1997). É nesse cenário que a psiquiatra brasileira Nise da Silveira passa a ser interlocutora de Jung quando identifica várias mandalas produzidas espontaneamente por seus clientes com diagnóstico de esquizofrenia.
Outro conceito de Jung importante para compreendermos essas imagens, é o de individuação. O processo de individuação, grosso modo, é aquele que engendra a realização do si mesmo, do self, e que se definiria pelo descentramento do ego, em favor da realização da totalidade da psique. Isso pressuporia a integração dos diferentes aspectos que compõe a psique, como é o caso da dimensão inconsciente. A individuação é, portanto, definida “pelo processo de diferenciação psicológica que tem como finalidade o desenvolvimento da personalidade individual” (SHARP, 1997, p.90). E aqui devemos enfatizar que se trata de um processo, sempre em movimento, um estado constante de vir a ser.
De acordo com o Léxico Junguiano (1991) de Daryl Sharp “o processo de individuação, levado a termo de modo consciente, conduz à realização do self como uma realidade psíquica maior do que o ego. Assim, a individuação é, em essência, diferente do processo de simplesmente tornar-se consciente” (p.92).
Nesse sentido podemos considerar duas características, interrelacionadas, do círculo que podem dialogar com a imagem arquetípica da roda da fortuna. A primeira se relaciona aos “altos e baixos” possibilitados pelo movimento da roda, que podem dizer dos “altos e baixos” de que sofre o ego, sobretudo quando ele ocupa um lugar central na psique, em detrimento da abertura para a assimilação de outras dimensões psíquicas. O outro aspecto da roda, ou do círculo, pode se referir à ideia de integração, ou ao processo de individuação, que oportunizaria a experiência de totalidade da psique, o que pode conversar com o enigma da esfinge: o que eu deveria desvendar que possibilitaria essa experiência de totalidade, e/ou me traria espaço para conexão com o meu eixo, me tornando mais íntegro/a e protegido de ser devorado pela roda da vida, pelas influências externas? Como vemos, esses dois aspectos da roda apresentados trazem a relação entre o “dentro e fora”, sem a qual o processo de individuação não seria possível.
Em síntese, a roda
da fortuna nos faz experimentar opostos, consciente e inconsciente, expansão e
retração, integração e desintegração, que em relação produzem movimento e
configuram um sistema de constante transformação. Assim, “se observarmos uma
roda girando, veremos como esses opostos funcionam juntos - como o amplo
movimento do aro externo, que é a sua raison de’etre, seria impossível
sem a estabilidade do centro fixo” (NICHOLS, 1997, p.190).
Roda da Vida
Árvore da vida
Algumas participantes
trouxeram relatos a respeito de situações disruptivas que viveram, e sobre ter
sido gratificante a sensação de assimilação e reorganização do que foi vivido
através da oficina. Outras participantes enfatizaram acerca do vislumbre de
seus centros, eixos de estabilidade internos, especialmente no momento da
visualização dirigida realizada ao longo da oficina.
Esses relatos, e a imagem da Roda da Fortuna, vem no sentido de corroborarem a importância do fortalecimento do centro que nos dá sustentação para a abertura do “vir a ser”, dos processos de desenvolvimento pessoal, que podem ser representados por espirais, dando a ideia de processo e movimento, como vemos em algumas das imagens produzidas na oficina.
[1] DUARTE, Mercedes.
Diálogos
entre Arte e Tarô: uma introdução. Blog
Não-Palavra. 31 de maio, 2021. http://nao-palavra.blogspot.com/2021/05/
[2] A Jornada Arteterapêutica Arte e Tarô consiste em oficinas inspiradas nos arcanos maiores do tarô em diálogo com determinados elementos da arte.
Referências bibliográficas
DUARTE, Mercedes (2021). Diálogos entre Arte e Tarô: uma introdução. Blog Não-Palavra. 31 de maio. Disponível em http://nao-palavra.blogspot.com/20215/. Acesso em 10/07/2022
GREEN, S. (2005). El Livro de los mandalas del mundo. Editora Océano Âmbar: Santiago, Chile.
JODOROWSKY, Alejandro; COSTA, Marianne (2004). O Caminho do Tarô. Editora Chave: São Paulo.
JUNG, C. G (2002). Os arquétipos e o inconsciente coletivo. Editora Vozes: Petrópolis.
NICHOLS, Sallie (1997). Jung e o Tarô: Uma Jornada Arquetípica. Trad. Laurens Van Der Post. Editora Cultrix: São Paulo.
SHARP, Daryl (1997). Léxico Junguiano: Dicionário de Termos e Conceitos. Editora Cultrix: São Paulo.
Que rico esse texto! Gosto muito de trabalhar com mandalas na arteterpia! Obrigada por compartilhar! Sobre a visualização dirigida, seria possível compartilhar também?
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