Venho estimulando àqueles que trabalham oferecendo a arte em um setting terapêutico, que invistam um pouco do seu tempo e energia em um mergulho em sua própria produção de imagens. Este é um hábito ao qual venho me esforçando (sim, um esforço) para manter ativo em meio à rotina tão intensa e demandante.
Posso afirmar que o investimento neste hábito faz toda diferença na prática do arteterapeuta, em diversos aspectos. Seja para que se mantenha atento à suas próprias questões humanas e (auto)conhecimento de sua própria produção de imagens. Mas também para que evitemos:
“...
um fenômeno chamado de ‘síndrome de clinificação do arteterapeuta’... descrita
como um processo através do qual o arteterapeuta ‘gradualmente absorve as
habilidades características de outros clínicos, enquanto, ao mesmo tempo, o
investimento e a prática da arte declinam’. (Allen, 1992). Afastando-se da sua
especificidade (a utilização da arte como terapia), o profissional tenderia a
lançar mão de intervenções verbais cada vez com mais frequência,
descaracterizando o seu trabalho, caindo na interpretação das imagens
produzidas pelo paciente. Enfatizando a verbalização, o terapeuta
desestimularia o investimento do paciente na produção plástica que se tornaria
cada vez mais rudimentar. O potencial transformador da linguagem plástica se
esvazia neste contexto, já que cada vez menos energia envolvida na produção de
imagens e sem energia não pode haver transformação.” (SANTOS, 31)
Hoje o Não Palavra abre as portas para a arteterapeuta Beatriz Abreu, que se dispôs de forma generosa a compartilhar algumas reflexões que surgiram em seu próprio processo criativo. Desde já agradeço à Bia pela sua disponibilidade e estendo o incentivo deste mergulho aos demais amigos do Não Palavra.
Eliana Moraes
Fonte:
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Por Beatriz Abreu
seyvaatelier@gmail.com
Com
esse texto inicio minha participação no Não Palavra Arteterapia, blog de uma
amiga, que muito respeito como pessoa e profissional. Minha trajetória é longa,
atravessada pela biologia, pelos fitoterápicos através do mestrado em terapêutica
na área da farmacologia, pelas terapias “alternativas”, pela psicossomática e
numa síntese ou enlaçamento, encontrei a Arteterapia e a Psicologia.
Interessante foi perceber que o caminho foi marcado pela presença da escuta e
do silêncio ou se preferirem da não-palavra ou mesmo do que chamei de
palavra-imagem. Momentos há em que temos que dar voz ao que nos habita mesmo
sem sabermos; percebermos a luz que brilha na escuridão como as estrelas.
Assim é que, nos últimos anos tenho me sentindo assolada pelo excesso de palavras que me chegam pelos vários veículos de comunicação, numa avalanche de dizeres e desdizeres, que me fizeram lançar mão de outra linguagem para que pudesse me situar e me posicionar diante de mim mesma e do outro. Descobri que buscava a “terceira margem do rio”, como no conto de Guimarães Rosa:
“Nosso pai
era homem cumpridor, ordeiro, positivo; (...)
Encomendou a canoa especial, de pau de vinhático, pequena, mal com a
tabuinha da popa, como para caber justo o remador. (...) Ele não tinha ido a nenhuma
parte. Só executava a invenção de se permanecer naqueles espaços do rio, de
meio a meio, sempre dentro da canoa, para dela não saltar, nunca mais.”
ou nos versos
de Caetano Veloso,
(...) “Margem da palavra
Entre as escuras duas
Margens da palavra
Clareira, luz madura
Rosa da palavra
Puro silêncio, nosso pai.
Entre as escuras duas
Margens da palavra
Clareira, luz madura
Rosa da palavra
Puro silêncio, nosso pai.
Meio a meio o rio ri
Por entre as árvores da vida
O rio riu, ri
Por sob a risca da canoa
O rio viu, vi
O que ninguém jamais olvida
Ouvi, ouvi, ouvi
A voz das águas” (...)
Por entre as árvores da vida
O rio riu, ri
Por sob a risca da canoa
O rio viu, vi
O que ninguém jamais olvida
Ouvi, ouvi, ouvi
A voz das águas” (...)
A palavra-imagem
que surgiu me deu conforto e ancorou a angústia que me habitava nesse rio de
letrinhas, frases, parágrafos, textos, contextos, contratextos e tantos
posicionamentos radicalizantes.
Dar
espaço para que a palavra-imagem se manifestasse possibilitou uma “escrita” com
pausas, faltas, reparos, silêncios, contornos, contraposições em diálogo e
descansou a palavra que define, que restringe os significados, que modela, para
que essa possa ser usada com maestria quando se apresentar para marcar uma
posição de transformação, de síntese. A expressão imagética, semelhante à
poesia, ao conto, aos versos de uma música, à escultura ou qualquer forma de
representação, possibilita que sentimentos, emoções, pensamentos e ideias se
revelem num movimento dialético, de forma surpreendente e ordenadora, tal que o
seu espelhamento nos ajuda a melhor qualificar e significar nossa palavra, pois
revela nossos contornos, nossos vazios, nossos excessos, nossas cores e tonalidades.
Vivemos tempos de extremismos, de verdades absolutas, que ao invés de
apontar para um dinamismo dialético, coletivo e individual, acirra polaridades,
contrariando nosso esforço natural de auto cura, de integração e de harmonia. Apostar
na arte e suas diversas formas expressivas nos instrumentalizam para lidar com
nossas crises coletivas e individuais e encontrar nossa “terceira margem do
rio”
(...) “Que a
arte me aponte uma resposta
Mesmo que ela mesma não saiba
E que ninguém a tente complicar
Pois é preciso simplicidade pra fazê-la florescer”. (...)
Mesmo que ela mesma não saiba
E que ninguém a tente complicar
Pois é preciso simplicidade pra fazê-la florescer”. (...)
Metade. Oswaldo Montenegro
Caso você tenha se identificado com a proposta do “Não palavra abre as portas” e se sinta motivado a aceitar o nosso convite, escreva para naopalavra@gmail.com
Área de atuação/projetos/trabalhos:
Assim poderemos iniciar nosso contato para maiores esclarecimentos quanto à proposta, ao formato do texto e quem sabe para um amadurecimento da sua ideia.
A Equipe Não Palavra te aguarda!
Fontes:
-
http://www.releituras.com/guimarosa_margem.asp
-
https://www.letras.com.br/oswaldo-montenegro/metade
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Formação: Psicologia (CRP 05/49279), Arteterapia
Psicóloga Clínica e Arteterapeuta com
orientação Junguiana. Atendimento a adultos e Idosos. Individual e em Grupos.
Responsável pelo Seyva Atelier – Arte Expressão.
Psicologia e Estudos, em Icaraí, Niterói.
Execução e coordenação de projetos em
parceria com outros profissionais para realização de palestras, estudos,
oficinas e cursos voltados ao aprimoramento profissional, reflexão e autoconhecimento.
Psicóloga voluntária na instituição
filantrópica - Casa Maria de Magdala, Niterói/RJ.
Bia, que texto maravilhoso! Profundo, rico, cheio de delicadeza e poético! Muito feliz em lê-lo e pensar em sua trajetória tão especial! Parabéns! Tinha uma intuição de que daquele "ajuntamento" especial, do Curso de materiais, sairia algo maravilhoso. Daquele encontro brotariam muitos frutos e este texto é um pequeno filete do "Seyva". Obrigada por nós presentear. E agradeço também à querida Eliana por sua generosidade e capacidade de enxergar em outros profissionais toda multiformidade e pluralidade que a Arteterapia nos proporciona.
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