Por
Maria Cristina de Resende
Em
minha última palestra do Ciclo de Palestras "Não Palavra" em 2015, dentro do tema
Fundamentos da Arteterapia, mostrei alguns pilares que sustentariam a nossa
prática e agregariam na formulação de seu corpo teórico: terapia ocupacional,
psiquiatria, psicologia, psicanálise, história e teoria da arte e educação.
Todavia, este texto veio hoje contemplar uma área da produção artística muito
conhecida, porém pouco valorizada, o artesanato. Durante muitos anos eu escuto
comparações da Arteterapia com o artesanato, e ainda que o objetivo da produção
artística seja diferente, o uso das diversas técnicas e materiais nos sugere
uma boa fonte de possibilidades no manejo com materiais possíveis de serem
usados no setting.
O
artesanato enquanto manifestação da criatividade humana começou desde os tempos
remotos da caverna. Ali, as obras confeccionadas tinham como maior objetivo
facilitar a funcionalidade das operações do cotidiano. A necessidade de
artefatos para beber água, caçar, vestir-se e outras demandas que vinham
surgindo, fez o homem experimentar e aperfeiçoar cada vez mais a arte de
transformar a matéria bruta em algo bonito, funcional ou religioso.
Sim,
porque artesanato também é arte, o que não significa que o artesão seja um
artista. Segundo Eduardo Barroso Neto, o artista, todavia, deve ser de antemão
um artesão, no sentido de dominar seus materiais, o “saber fazer”, para que possa explorar o máximo possível a matéria
prima para sua obra. Porém a obra do artista busca um lugar no mundo diferente
da obra do artesão, pois o objetivo do artista é expressar suas questões
consigo mesmo, com a sociedade e o mundo que o cerca, já o artesão busca em sua
obra uma fonte de renda, de sustento para si e sua família, à partir de
necessidades cotidianas, como decoração, vestuário, artefatos para alimentos,
etc.
E
o paciente de Arteterapia busca o que com sua obra?
Dentro
de um setting arteterapêutico a obra realizada pelo paciente, ou artesão, ou
ainda como diz Sara Paín, o artistant,
exerce sim uma função que na Psicologia Junguina conhecemos como Função
Transcendente. Jung, em A Natureza da Psique (2011), nos fala que esta função
atua como uma união entre os conteúdos conscientes e inconscientes. Aqui, as
diferenças começam a surgir, pois o artesão (em sua maioria) não busca uma
qualidade simbólica em seus artefatos e obras, mas sim o fruto de uma
organização consciente de técnicas e materiais que possibilitem a construção de
um objeto.
Mas
ao mesmo tempo em que o artesanato se afasta da Arteterapia pelo paciente, se
aproxima pelo profissional, pois esta organização consciente de técnicas e
materiais é requisito importante para um bom profissional da área. Não só ter o
conhecimento de técnicas, mas saber explorar o material em sua potencia máxima,
pois ao construir uma obra no setting
terapêutico, o paciente é um artistant,
um alquimista que busca naquela forma de expressão um caminho entre os mundos
da consciência e do inconsciente, mas cabe ao profissional sugerir técnicas ou
apresentar materiais que possibilitem esta expressão. Logo, o paciente não
precisa saber o que fazer com o material, mas o terapeuta precisa saber o que oferecer,
pois o material é em si o que fundamenta o conceito do artesanato: transformar
a matéria prima bruta em algo que exerça uma função.
Para
compreendermos melhor a importância de trazer para a discussão os pilares que
formam a cadeira da Arteterapia, trouxe um recorte de um caso clínico onde o
artesanato atuou intensamente como Função Transcendente e me colocou reflexiva
acerca da minha atuação.
Há
alguns anos atrás atendi uma paciente cujo diagnóstico fora Transtorno do
Pânico. Estava em acompanhamento psiquiátrico, tomando medicação e iniciando
seu processo terapêutico. Ao longo dos atendimentos fizemos algumas técnicas
básicas de Arteterapia como colagens, alguns desenhos, amplificações de sonhos
com alguns contos, mas nada surtiu mais impacto do que uma prática de
artesanato.
Esta
pessoa gostava muito de artesanatos em caixas. Fazia cursos de artesanato em
mdf, mas há algum tempo não participava mais das aulas ou até mesmo do manuseio
em casa. A “patologia” a distanciara de seus prazeres e estava completamente
afastada daquilo que gostava genuinamente de fazer. Conforme fomos avançando no
processo chegamos ao tema da sua identidade e ali ela se percebeu de várias
formas e expressando vários formatos. Sugeri então que ela experimentasse algo
dentro do artesanato, que ela tanto gostava, para expressar suas percepções
sobre este tema. Não queria fazer nada com ela, ou sugerir uma prática, queria
que ela resgatasse algo dentro dela, essa habilidade de transformar algo bruto
em outra coisa.
E
assim ela fez. Foi para casa e construiu uma caixa de papelão, com várias
gavetas onde ela dizia conter em cada gaveta uma parte dela. E a partir desta
prática o processo tomou um novo rumo. Esta construção não foi rápida. Conforme
íamos discutindo as questões, a caixa se formava, e conforme a caixa tomava
forma, as questões apareciam.
Esta
caixa ficou presente nas sessões durante muito tempo, ora para trabalhar as
imagens contidas nela, ora para provocar afetos com sua simples presença. E a
partir deste trabalho as diversas percepções sobre si mesma foram sendo
acolhidas e percebidas como parte de um conjunto maior, a própria caixa, ou
seja, ela mesma. As gavetas por si só não formavam uma caixa, mas a caixa
inteira continha as gavetas. Aqui, mais uma vez a Gestalt nos auxilia com os
conceitos do todo e a soma das partes.
Oferecer
uma caixa pronta e pedir que ela preenchesse com coisas talvez não a afetaria
da mesma forma que sugerir que ela explorasse uma habilidade própria. Acredito
que este tempo dedicado em sua casa, com suas elucubrações, percebendo cada
dificuldade da construção, cada necessidade que ia aparecendo, a cor, a imagem,
etc, ficou muito potencializada, e desconfio se teria a mesma potencia caso
fosse feito no consultório com caixas semi-prontas e o olhar analítico e o
tempo cortante de uma sessão.
Por
isso, reafirmo que o artesanato enquanto conceito tem muito a contribuir a
Arteterapia, e cabe aos profissionais experimentar aquilo que de melhor ele tem
a nos oferecer.
No
próximo texto da série confiram: Arteterapia e Psicologia
Bibliografia
JUNG,
C. G. A Natureza da Psique. Ed. Vozes, Petropolis, 2011.
PAÍN,
Sara. Os fundamentos da Arteterapia. Vozes, 2009.
http://www.eba.ufmg.br/alunos/kurtnavigator/arteartesanato/artesanato.html_________________________
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Faco muito artesanato em MDF, me ajuda muito no processo de organização interna. Muitas vezes apresenta um função decorativa, mas não nos isenta de um mergulho.
ResponderExcluirFaco muito artesanato em MDF, me ajuda muito no processo de organização interna. Muitas vezes apresenta um função decorativa, mas não nos isenta de um mergulho.
ResponderExcluirTambém faço artesanato em MDF. Sou dentista, mas o artesanato tem sido uma verdadeira terapia ocupacional para mim.
ResponderExcluirO artesanato é uma terapia pra mim,fui diagnosticada com depressão, e o artesanato tem me ajudado muito.
ResponderExcluirCriei até um canal no YouTube "ArteTerapia Vivi Laia" com os passo a passo.
Eu já faço profissionalmente arteterapia como nível médio, mas gostaria de tomar cursos dados gratuitamente pelo SUS. Vocês têm como indicar?
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