“O fato de não compreender o
significado dos meus quadros no momento em que os pinto não quer dizer que não
o tenham” Dali *
Na prática da arteterapia, sempre observei pacientes
que ao receberem uma proposta de reflexão e técnica expressiva se mostram
tensos, desconfortáveis e dizem: “ hum...
não sei o que fazer...” Esta fala sempre me intrigou e afetou.
Há algum tempo venho desconstruindo
a idéia aprendida de que em arteterapia pede-se que o paciente faça um símbolo para representar aquilo que está
pensando ou sentindo. Pedir para que o paciente escolha um símbolo é um processo racional e controlado, nada
espontâneo. O que abre espaço inclusive para as resistências, um movimento de
defesa natural do paciente.
Encontrei eco a estas reflexões à
medida que fui me aprofundando no estudo do Surrealismo. Os artistas deste
movimento não sabiam o que iam pintar no momento da primeira pincelada. Em uma
entrevista em 1947, Miró revelou seu processo criativo dizendo que em um
primeiro estágio deixa qualquer idéia (ou pincelada) aparecer espontaneamente,
sem ter em mente o que vai pintar. Em um segundo estágio sim, ele planejava e
calculava cuidadosamente a execução de sua obra, segundo as regras de
composição.
O antropólogo Lévi-Strauss trocou
correspondência com Breton quando ainda era desconhecido, e escreveu sobre a
distinção entre:
“o documento, produto bruto da atividade mental, e a obra de arte, que é
sempre uma elaboração secundária. É evidente, contudo, que tal elaboração não
pode ser obra do pensamento racional e crítico... Se toda obra de arte continua
sendo um documento, ela ultrapassa o plano documental, não apenas pela
qualidade da expressão bruta, mas também pelo valor da elaboração secundária,
que aliás, só é chamado de `secundária` em relação aos automatismos de base,
mas que, em relação ao pensamento crítico e racional, apresenta o mesmo caráter
de irredutibilidade e de primitividade que os próprios automatismos” Lévi-Strauss **
Este é o processo que tenho
encaminhado aos meus pacientes ao receberem um estímulo ou pensarem em uma
questão no seu processo de autoconhecimento: ao se falarem ou expressarem por
qualquer linguagem da arte, que não tentem visualizar ou escolher um resultado
final. Que apenas comecem “puxando um fio desse novelo”; uma cor, um movimento, uma
forma. A partir de então que percebam o que este estímulo lhes causa, e o que o
próximo estimulo lhes causa, e assim sucessivamente até que se cheguem
naturalmente à uma composição que sintam concluída. Eis uma verdadeira associação livre em imagens.
Deste processo sim, pode-se surgir
um símbolo a ser trabalhado. Um símbolo espontâneo, que surgiu da expressão não
racionalizada do paciente, ao qual devemos acolher e nos debruçar. O que é
escolhido, premeditado e executado, ao meu ver, fecha a porta para as “surpresas”
que a expressão espontânea pode nos revelar!
*
“Salvador Dali” Robert Deschames e Gilles Néret
**
“Colagem: arte e antropologia” Dorothea Voegeli Passetti. Ponto-e-vírgula.
Yves Tanguy, surrealista fala da pintura como o "lugar" que lhe prporciona "surpresas", mais do que o desenho, mais contolado.
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