segunda-feira, 20 de novembro de 2017

MITO E PROCESSO DE INDIVIDUAÇÃO: Uma experiência de processo criativo


Por Mércia Maciel - RJ
mercia.m@terra.com.br

Ao longo do curso de pós-graduação em Arteterapia e Processos Criativos, tenho tido oportunidades muito ricas de reflexão a respeito de temas importantes da Psicologia Analítica de Carl G. Jung, que configura a base teórica desse curso.
Uma dessas oportunidades aconteceu ao longo do processo de trabalho teórico-vivencial proposto pela disciplina de Processos de Criação e suas Linguagens. Por isso, decidi compartilhar essa experiência como forma de demonstrar o poder revelador e de autoconhecimento que os mitos podem trazer, auxiliando nosso processo de individuação.
O mito não pode ser lógico, ao contrário, é ilógico e irracional, na medida em que pretende explicar a complexidade do real, ou seja, o mundo e o homem. Dessa forma, presta-se a todas as interpretações. Assim, decifrá-lo é decifrar a si mesmo.

No conceito de Carl Jung, o mito seria a conscientização dos arquétipos do Inconsciente Coletivo, um elo entre este e o Consciente, compreendendo aqui o Inconsciente Coletivo como a herança das vivências das gerações anteriores.
A atividade proposta envolvia a pesquisa sobre mitos em que, a partir da observação de imagens de diferentes mitos, se escolhesse aquela que mais capturasse o olhar.
Meu olhar foi imediatamente seduzido pelas cores flamejantes da Fênix, mito de origem possivelmente egípcia, que se manifestou em muitas culturas e épocas diferentes. De uma forma geral, aparece relacionada ao processo de morte e ressurreição, à dubiedade de todas as coisas no universo, luz e sombra, vida e morte, Yin e Yang, sendo por isso considerado por Jung um dos mitos mais poderosos. A Fênix está relacionada também ao poder da resiliência e ao caminho da individuação.
Esse processo de trabalho vivencial envolveu também a realização de desenhos a partir da imagem escolhida do mito, em que fizemos um visor de papel com uma abertura de 3 cm para selecionar um detalhe daquela imagem e a partir dele ampliar realizando um novo desenho. Esse processo foi repetido com esse primeiro desenho e repetido mais duas vezes, totalizando três desenhos. Ao término dessa produção, não pude deixar de perceber, não apenas na imagem inicial da Fênix mas também em todos os meus desenhos, a imagem ou as cores do fogo representadas.

Imagem Original


Primeiro Desenho


Segundo desenho

Terceiro desenho


Para Jung, o fogo está associado à função psíquica da intuição. Essa função é orientada para o futuro, é o “faro”, o palpite, o pressentimento, sendo portanto uma função de percepção. Esta se baseia em processos inconscientes e subliminares, sendo considerada “irracional”.
Em um primeiro momento me pareceu curiosa a minha escolha pela imagem da Fênix, pois até então a via como uma figura muito comumente associada à vida de muitas pessoas para simbolizar as experiências difíceis da vida, que todos nós passamos e, eventualmente superamos. Algo um pouco estereotipado, “lugar comum”.
Porém, à medida em que fui realizando os desenhos e me envolvendo na pesquisa, ao ponto de ter tido nesse período vários sonhos muito significativos e até arquetípicos, foi ficando clara para mim toda relevância e significado da simbologia desse mito para todo o decorrer da minha vida, que passou por algumas transformações de  “morte” e “ressurreição”.
Representou para mim também uma atualização de referência, uma vez que, em meu passado, na primeira metade da vida, o mito de maior identificação para mim era o de Atena, a deusa grega que nasce da cabeça do pai, Zeus. Todo esse processo, porém, me fez perceber que essa a referência estava ligada a um período da primeira metade da vida em que a função pensamento, à qual está relacionada o mito de Atena, cumpriu uma necessidade de funcionamento dentro do sistema familiar de origem e em outros subsistemas relacionais.
Jung considera que a segunda metade da vida (que não se limita necessariamente apenas à idade cronológica, dependendo mais do processo de desenvolvimento individual) apresenta a possibilidade de realização do si mesmo, de ser quem se é, a partir de um movimento interior que busca integrar na personalidade total conteúdos que, devido à unilateralidade de um ego jovem, permaneciam inconscientes. Esse processo, também chamado de metanóia, não acontece porém sem uma experiência de dor relacionada à morte de uma parte significativa de nós mesmos, que deve se transformar para renascer de modo muito mais pleno, integrando um novo modo de se relacionar consigo mesmo e com o mundo, a partir do eixo ego-self. No meu caso, esse processo foi marcado mais significativamente pela vivência de uma perda traumática em minha vida, que exigiu a construção de uma nova forma de ser no mundo.
Esse exercício de reflexão proporcionado pela atividade proposta, me levou a realizar em minha mente que, a partir daquele momento de metanóia vivido por mim, os meus caminhos têm me levado para a aceitação e reconhecimento de minha função principal, que desde sempre entendo como sendo a intuição, auxiliada de perto pela função pensamento.
Esse processo de criação vivido ao longo de vários dias tornou claro para mim o sentido dessa identificação com o mito da Fênix, ave de fogo que se lança em sua própria fogueira para, a partir de suas cinzas, renascer forte e revigorada, como nova criatura.
Apesar de não totalmente desvelado à consciência até então, percebo que a o mito da Fênix traduz a necessidade de um exercício constante de resiliência que a vida tem me apresentado e que, de uma forma geral, nos desafia a todos. Além disso, e com igual importância, como imagem relacionada ao fogo da função intuição, está e sempre esteve me acompanhando ao longo da vida enquanto uma energia arquetípica fundante e transformadora, revelando uma parte importante da minha história e natureza de alma.
Como parte de meu processo de individuação, considero que essa aventura interior representou mais um avanço em direção ao encontro de minha verdadeira identidade e realização da personalidade.
 Caso você tenha se identificado com a proposta do “Não palavra abre as portas” e se sinta motivado a aceitar o nosso convite, escreva para naopalavra@gmail.com
Assim poderemos iniciar nosso contato para maiores esclarecimentos quanto à proposta, ao formato do texto e quem sabe para um amadurecimento da sua ideia.
A Equipe Não Palavra te aguarda!
Referências: 
BRANDÃO, J. S. Mito, Rito e Religião. 2017. Disponível em: http://templodeapolo.net/wp/2017/04/23/mito-rito-e-religiao/ . Acesso em: 07 nov. 2017.

CORPO e ARTE: A SEGUNDA METADE DA VIDA. 2014. Disponível em: http://www.portaldoenvelhecimento.com/cursos/item/2395-corpo-e-arte-a-segunda-metade-da-vida-segundo-carl-gustav-jung . Acesso em: 14 nov.2017
FLETCHER, Luiza - O mito da Fênix e sua relação com o poder da resiliência. 2017. Disponível em: https://osegredo.com.br/2017/09/o-mito-da-fenix-e-sua-relacao-com-o-poder-da-resiliencia/ .  Acesso em: 07 nov. 2017.
GUIDON, Angela.  Monografia: Uma Ampliação Simbólica sobre Morte e Renascimento. 2010. Orientador Gustavos Barcellos. Disponível em: http://www.ajb.org.br/monografias.php?monografia=24  Acesso em: 08 nov. 2017.
MOURÃO,Hellen R. A intuição. 2013. Disponível em: http://cafecomjung.blogspot.com.br/2013/07/a-intuicao.html  Acesso em: 14 nov. 2017
O MITO DA FÊNIX: O MARAVILHOSO PODER DA RESILIÊNCIA. 2017. Disponível em: https://amenteemaravilhosa.com.br/mito-fenix-poder-resiliencia.. Acesso em: 11 out. 2017.
ONAISSI, Ali.  A ave Fênix : mito e simbologia. 2017. Disponível em: http://www.gnosisonline.org/textos-especiais/a-ave-fenix-mito-e-simbologia/ Acesso em : 30 out. 2017.

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Sobre a autora: Mércia Maciel


Assistente Social pela UFF (1994), pós-graduanda em Arteterapia e Processos de Criação pela UVA.
Experiência como assistente social: atendimento de família, dependência química, e crianças em situação de abuso.

segunda-feira, 13 de novembro de 2017

AS TESOURAS DE MATISSE: Arte, Resiliência e Arteterapia no atendimento a Idosos


Por Cristiane de Oliveira - RJ 
crisarteterapia@hotmail.com



Ao saber que em Outubro de 2017 iniciaria a exposição de 20 obras do artista francês Henri Matisse no Caixa Cultural, preparei minha agenda porque não poderia perder esta mostra de jeito nenhum. Primeiro porque o arteterapeuta deve estar produzindo, em contato com a sua própria arte, sendo muito importante que seja instigado e “nutrido” visitando exposições, mostras e outras formas de expressão artística. Segundo, a vida e a obra deste artista são ótimos estímulos para o trabalho arteterapêutico. Matisse é um exemplo de ressignificação e resiliência através da arte.

A resiliência é a capacidade humana de superar as adversidades, sendo capaz de transformar momentos difíceis em oportunidades para aprender, crescer e mudar.  No início da década de 1940,  Matisse enfrentou uma doença que o impedia de pintar e o obrigou a ficar por longos períodos na cama e na cadeira de rodas. Nesse momento, o pintor criou uma nova técnica que consistia em uma combinação de desenho e pintura em colagens feitas com papéis recortados e coloridos com guache. Desta técnica 20 pranchas impressas com a técnica au pochoir, feitas especialmente para o álbum Jazz e que foi publicado em Paris, em 1947, estão expostas na Mostra da Caixa Cultural. Entendemos então que o que está exposto não são apenas obras artísticas, mas o poder resiliente e ressignificador da Arte.



“Apenas o que criei depois da doença constitui meu verdadeiro eu. Livre, liberado” Henri Matisse

A prática arteterapêutica utiliza várias ferramentas que podem auxiliar ao indivíduo a encontrar-se nesse lugar de ser capaz de ressignificar suas mazelas. No atendimento a idosos, a colagem é uma das técnicas facilitadoras no processo arteterapêutico, é de fácil operatividade, pouco intimidadora, além de estimular o córtex pré-frontal. Assim, a meu ver, a técnica de desenho com tesoura (ou pintura com tesoura) de Matisse abre ainda mais o leque de oportunidades arteterapêuticas da colagem, principalmente com os idosos. Amplia a experimentação e estimula a criação sem o receio de “fazer errado”. Como muitos dos idosos se encontram nesse lugar de incapacidade e desvalia, as técnicas mais  elaboradas podem acabar por enfatizar mais as limitações e, em consequência, fortalecer esses sentimentos.   

            Penso que a técnica de recorte e colagem criada pelo pintor das cores proporciona ao idoso uma segurança maior para criar. Acaba estimulando mais a criatividade e a auto-expressão. Permite que explore o colorido, as formas e, tranquilamente, conseguir um belo resultado. As obras do artista estimulam por permitir que se crie formas onde o corte irregular, torto, imperfeito sejam utilizadas sem afetar negativamente o resultado da criação, pelo contrário, talvez exaltando e, principalmente, tornando único. A técnica respeita a limitação do idoso. Proporciona composições simbólicas complexas, permitindo várias possibilidades de desdobramento para o processo terapêutico.

Além disso, observar um idoso numa cadeira de rodas ou  acamado (são imagens de Matisse), aparentemente debilitado, atuando em seu processo criativo, pode tornar-se um estímulo aos idosos. Pesquisas vêm mostrando que ser espectador de pessoas em seu processo criativo acaba trazendo estímulo sensorial pois pequenas estruturas neurológicas entram em atividade tanto quando se executa algo, como quando se observa alguém em ação. Então, acredito que observar Matisse em ação, além de gerar no próprio organismo mudanças benéficas, é capaz de estimular a ressignificação de vivências e a da imagem (estigma) de que idoso é incapaz. Enfim, é um caminho capaz de levar à resiliência.

Matisse

Releitura de Matisse

Referências Bibliográficas:

-       PHILIPPINI, Angela. Caminho da Arte: construindo um envelhecimento sadio. RJ, Wak.       
-                                            Linguagens e Materiais Expressivas em Arteterapia: uso, indicações e propriedades. RJ, Wak 

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Sobre a autora: Cristiane de Oliveira

Formada em Pedagogia(UFF), Psicopedagogia (UNESA), Arteterapia (POMAR), cursando Pós Graduação em Arteterapia (POMAR)

Atuação em Arteterapia com adultos e idosos (individual e grupo), atendimento  em domicílio e instituições.



segunda-feira, 6 de novembro de 2017

O SoulCollage® - A sabedoria da alma



Por Andrea Goulart de Carvalho – BH/MG
goulart17@hotmail.com

O SoulCollage®, a sabedoria da alma, foi desenvolvido na década de 80, por Seena B. Frost, teóloga e psicóloga junguiana, como projeto de conclusão do curso de especialização em Capacidades Humanas. Nessa ocasião Seena homenageou seus colegas com cartões feitos com colagens. Deles obteve relatos de como os cartões refletiram suas características, anseios e sentimentos mais profundos. 

Seena também utilizava a colagem como linguagem expressiva em workshops e percebeu que o processo do fazer, do compartilhar dos trabalhos e a observação das colagens permitia uma comunicação direta e transformadora das imagens com o indivíduo que as produzia. As imagens tinham mensagens a dar aos participantes do workshop, como na Imaginação Ativa de Jung, na Psicologia Analítica. 

O SoulCollage® consiste na elaboração de uma coleção de cartões contendo informações pessoais, tendo a técnica da colagem como recurso para a aproximação entre os dois mundos, interno e externo, permitindo o encontro do símbolo que surge nas e das imagens coladas. 

Primeiramente o processo foi chamado de "Néter Cartão", sendo Néter uma palavra egípicia antiga que designava deuses que instigavam os humanos, tanto para o bem, quanto para o mal.

O processo é intuitivo e experiencial. Começa com a busca das imagens, a montagem, a colagem e culmina no revelador diálogo com o cartão. As imagens para as colagens são encontradas intuitivamente em revistas, fotografias e desenhos pessoais, imagens digitais, entre tantas mídias que dispomos na atualidade e, nesta busca intuitiva, somos sensibilizados pela forma, cor, significado, sempre com associação à emoções. 

As imagens encontradas refletem o que somos, nossas relações, a energia vital e mitologia pessoal, pontos positivos e negativos se transformam em conteúdos significativos para o diálogo que o individuo desenvolve na experiência intuitiva. Nas palavras de Seena, “as cartas do SoulCollage® contam a sua história, mostram sua diversidade, profundidade e sabedoria. As cartas funcionam como um espelho múltiplo”. (FROST, 2010)

A coleção de cartões forma uma espécie de baralho pessoal, composto de 4 naipes e 3 cartões especiais, os Transpessoais. O processo utiliza conceitos como sombra, complexos, persona, anima e animus, arquétipos e sincronicidade, sendo fortemente embasada na Psicologia Analítica e na Psicologia Arquetípica, na Imaginação Ativa, na Gestalt, entre outras formas de conhecimento.

“... a união da verdade racional com a verdade irracional deve ser encontrada não tanto na arte, mas muito mais no símbolo, pois é da essência do símbolo conter ambos os lados, o racional e o irracional” . JUNG, 2013, 51



O Baralho Pessoal e seus Naipes



O baralho do SoulCollage é classificado em 4 NAIPES - Comitê Pessoal, Comunidade Afetiva, Conselho Arquetípico, Companheiros Energéticos e os  três cartões Transpessoais - A Fonte, a Essência da Alma  e a Testemunha. 

O diálogo 

Feito o processo, o individuo tem a visualização do que ele é, naquele momento,   poderá iniciar o dialogo com suas partes internas. É hora do “EU SOU ALGUÉM QUE...”. Assim no diálogo intuitivo, livre e franco, numa conversa aberta e sem censuras nas palavras, damos voz aos Néters. Cada cartão tem a sua essência e sua identidade, sua mensagem. No dialogo falamos com nossa criança interna, com a grande mãe, com o sábio, com o trickster.

Leitura simbólica


O Farol; Naipe: Comitê Pessoal; Autor: Andréa G. Carvalho

“Anote uma pergunta pessoal, tire cartões do baralho sem escolher e fale com a energia, com a sabedoria, da perspectiva do Néter utilizando a frase que inicia a conversa com ele: Eu sou alguém que…”

É como estar diante de um conselho interno, com seres sábios. Na leitura há a possibilidade da cura real de males e resolução de conflitos. Há a facilitação do acesso a recursos internos, trazendo a sensação de integração, de estar perto da nossa verdade, de possibilidade de equilíbrio.

Conforme a instrutora internacional Mariabruna Sirabella, o SoulCollage® é um veículo notável e caldeirão para a imaginação ativa. A sua prática produz mudanças enriquecedoras, não só através da ativação do que é possível, novas percepções, crenças e processos de pensamento e pelo fortalecimento do que já existe, mas também pela liberação de respostas à situações traumáticas e na transformação do material de sombras.

SoulCollage® convida a novas formas de perceber os significados e abre novos mundos de criatividade para explorar.

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A Equipe Não Palavra te aguarda!


Referências Bibliográficas:

Seena B. Frost  SoulCollage®  Evolving – An Intuitive Collage Process for Self-Discorery and Community  Handford Mead Publishers, Inc. Santa Cruz, California USA – Frost 2010

JUNG, C.G.  (O Livro Vermelho, Liber Novus, Edição e Introdução de Sonu Shamdasani; Vozes, 2013

SoulCollage®. Disponível em: <www.soulcollage.com>. Acesso em 26 jul. 2017.

_____ <www.soulcollagebrasil.com>. Acesso em 26 jul. 2017.

_____ <www.mariabruna.com/news/2016/8/29/>. Acesso em 26 jul. 2017.

_____ <www.sirarte.com>. Acesso em 26 jul. 2017.

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Sobre a autora: Andrea Goulart de Carvalho


Bacharel em Desenho e Gravura pela EBA/UFMG;
Arteterapeuta - AMART 107/0112, afiliada a UBAAT.
Facilitadora de SoulCollage®/2015; Artista Plástica;

Atendimento arteterapêutico individual e em grupos no AME – Arteterapia, Belo Horizonte - MG.
Ministrante de curso introdutório de SoulCollage® e aulas de desenho no AREA- Ateliê de Artes

segunda-feira, 30 de outubro de 2017

KANDINSKY, A AQUARELA E O SENTIMENTO: O RELATO DE UMA EXPERIÊNCIA


Por Suzane Guedes - RJ
suguedes@yahoo.com.br


No início de 2015 fui ao CCBB (Centro Cultural do Banco do Brasil) no Rio de Janeiro, (um lugar que me remete ao Sagrado) ver uma exposição de Wassily Kandinsky. Eu estava prestes a começar minha formação clínica em Arteterapia, mas era crua em teoria da arte, minha visão era pelo sentimento e sensação que as obras me provocavam. E com Kandisky esse sentimento foi intenso, forte e visceral. Posso dizer que nesta exposição me senti inebriada com suas obras. Suas imagens me absorviam e me emocionavam, foi uma experiência única e de alma.

A trajetória no curso de formação ampliou meu olhar para a arte, um olhar antes leigo, mas apaixonado, sentiu a necessidade de conhecer mais, de aprender mais. Fui desafiada pela Arteterapia, mas fui também enriquecida por ela. Abriram-se outros mundos dentro de mim, outras possibilidades de crescimento e ampliação do meu desenvolvimento pessoal e social.
Eis que chega um ponto do curso que precisávamos escolher a linguagem na qual iríamos trabalhar nosso projeto pessoal, tinha que ser um desafio, e intuitivamente não tive dúvidas, seria a Aquarela.
Mergulhei neste processo de corpo e alma, fiz aulas, li sobre o tema, produzi bastante. E dentro dos meus estudos, quem estava lá sempre presente? Kandinsky. Este que se tornou meu muso em 2015. Descobri que ele foi o primeiro pintor a fazer uma arte abstrata em aquarela, descobri que ele ligou a arte ao espiritual, como uma experiência de transcendência, descobri que a data de seu nascimento é a mesma data do nascimento do meu marido. Muita sincronicidade, diria Jung, não?
No livro “Do espiritual na arte”, Kandinsky nos brinda com sua fala sobre a ressonância espiritual da arte na alma. Ele fala que essa é uma necessidade interior e constitui o princípio básico de todo trabalho artístico. O autor acredita também que a abstração pura e realismo puro entram na dialética da necessidade interior, a arte em desordem atingirá, então, um estado absoluto de pureza. Não seria então, a abstração, este estado de pureza? Esta arte que atinge a alma?
Acredito que a aquarela cumpre bem este papel, pois permite fluidez, leveza e um estado de abstração e condução a sentimentos profundos. Esta linguagem possibilita acessos ao inconsciente, não sente necessidade de se articular com a função pensamento (mesmo que havendo possibilidades de acessá-lo de acordo com a técnica utilizada). E se faz necessária em um espaço de nossa cultura ocidental tão voltada para o racional, a produção de vieses que estimulem a função sensação e sentimento. Kandinsky aponta que “toda obra de arte é filha de seu tempo e, muitas vezes, mãe dos nossos sentimentos”, a aquarela seria então um artifício mais que contemporâneo para as necessidades de nossos tempos atuais, que cada vez mais necessita de leveza e fluidez.
Kandinsky aponta também no livro citado acima, que após um período de produção materialista, onde os sentimentos elementares como medo, tristeza e alegria que serviram para inspiração do artista, já não são tão relevantes, o artista busca agora sentimentos, segundo ele “matizados, ainda sem nome”, seriam, segundo ele “emoções mais delicadas que nossa linguagem é incapaz de exprimir”.
Acredito que a Aquarela possibilita esses encontros mais profundos, de alma, o meu encontro com a aquarela posso dizer que foi para além de um encontro com cores, tons e luzes. Foi um encontro intuitivo e espiritual. Estar entre pincéis e tintas aquareláveis e com um papel diante de mim, ao contrário de algumas outras técnicas, me traz alegria e muitas vezes fui tocada por uma profunda emoção.
E então, qual seria a função da arte? Qual a nossa função enquanto arteterapeutas ao utilizar a arte como ofício e instrumento de trabalho? De acordo com Schumann citado por KandinskyProjetar a luz nas profundezas do coração humano, eis a vocação do artista”, citando ainda TolstóiUm pintor é um homem que pode desenhar e pintar tudo”.
E nesta última linha de raciocínio, acredito que seja a função do arteterapeuta dar espaço ao outro para ele ser, pintar, criar o que quiser e puder no espaço de tempo presente. Acolhendo seu mundo e sua psique, sua história, ancestralidade, funções tipológicas, dando espaço ao desenvolvimento do outro, sua expressão mais genuína e essencial, seu Si mesmo.
Referências Bibliográficas:
CIVITA, Victor. Gênios da pintura: Wassily Kandinsky. São Paulo: Abril Cultural, 1968.
GUEDES, Suzane. Aquarela: na fluidez dos sentimentos. Projeto pessoal para conclusão de curso na formação clínica em Artetarapia do POMAR. Rio de Janeiro, 2017.
NEVES, José. P. Aquarela: Uma contribuição à prática terapêutica num ateliê. In: Arteterapia – Coleção Imagens da Transformação. Número 11 – Volume 11, 2004. POMAR.
PHILIPPINI, Angela. Linguagens e materiais expressivos em arteterapia: uso, indicação e propriedades. Rio de Janeiro: Editora Wak, 2009.
KANDINSKY, Wassily. Do espiritual na arte e na pintura em particular. Tradução Álvaro Cabral, Antônio de Pádua Danesi. 3ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2015.
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Sobre a autora: Suzane Guedes




Suzane Guedes é Psicóloga (CES-JF), Especialista em Psicologia e Desenvolvimento Humano (UFJF) e Arteterapeuta (POMAR).
Colunista no blog O psicólogo Online, no qual escreve sobre Autoestima.
Atua nas cidades do Rio de Janeiro e Três Rios-RJ com atendimento clínico presencial a crianças, jovens, adultos e idosos; ministra grupos e oficinas terapêuticas. Também trabalha como orientação psicológica online.
Suzane acredita na psicoterapia e arteterapia como grande ferramenta de auxílio à transformação e desenvolvimento pessoal e social.
Facebook: https://www.facebook.com/olharparasi/
Atendimento online: http://www.atendimento.opsicologoonline.com.br/suzane-guedes
Instagram: @olharparasi