Por Mércia Maciel - RJ
mercia.m@terra.com.br
Ao
longo do curso de pós-graduação em Arteterapia e Processos Criativos, tenho tido oportunidades
muito ricas de reflexão a respeito de temas importantes da Psicologia Analítica
de Carl G. Jung, que configura a base teórica desse curso.
Uma
dessas oportunidades aconteceu ao longo do processo de trabalho
teórico-vivencial proposto pela disciplina de Processos de Criação e suas
Linguagens. Por isso, decidi compartilhar essa experiência como forma de
demonstrar o poder revelador e de autoconhecimento que os mitos podem trazer,
auxiliando nosso processo de individuação.
O mito
não pode ser lógico, ao contrário, é ilógico e irracional, na medida em que
pretende explicar a complexidade do real, ou seja, o mundo e o homem. Dessa
forma, presta-se a todas as interpretações. Assim, decifrá-lo é decifrar a si
mesmo.
No conceito de Carl Jung, o mito seria a conscientização dos
arquétipos do Inconsciente Coletivo, um elo entre este e o Consciente,
compreendendo aqui o Inconsciente Coletivo como a herança das vivências das
gerações anteriores.
A
atividade proposta envolvia a pesquisa sobre mitos em que, a partir da
observação de imagens de diferentes mitos, se escolhesse aquela que mais capturasse
o olhar.
Meu
olhar foi imediatamente seduzido pelas cores flamejantes da Fênix, mito de
origem possivelmente egípcia, que se manifestou em muitas culturas e épocas
diferentes. De uma forma geral, aparece relacionada ao processo de morte e
ressurreição, à dubiedade de todas as coisas no universo, luz e sombra, vida e
morte, Yin e Yang, sendo por isso considerado por Jung um dos mitos mais
poderosos. A Fênix está relacionada também ao poder da resiliência e ao caminho
da individuação.
Esse processo de trabalho vivencial envolveu
também a realização de desenhos a partir da imagem escolhida do mito, em que
fizemos um visor de papel com uma abertura de 3 cm para selecionar um detalhe
daquela imagem e a partir dele ampliar realizando um novo desenho. Esse
processo foi repetido com esse primeiro desenho e repetido mais duas vezes,
totalizando três desenhos. Ao término dessa produção, não pude deixar de
perceber, não apenas na imagem inicial da Fênix mas também em todos os meus
desenhos, a imagem ou as cores do fogo representadas.
Para
Jung, o fogo está associado à função psíquica da intuição. Essa função é
orientada para o futuro, é o “faro”, o palpite, o pressentimento, sendo
portanto uma função de percepção. Esta se baseia em processos inconscientes e
subliminares, sendo considerada “irracional”.
Em
um primeiro momento me pareceu curiosa a minha escolha pela imagem da Fênix,
pois até então a via como uma figura muito comumente associada à vida de muitas
pessoas para simbolizar as experiências difíceis da vida, que todos nós
passamos e, eventualmente superamos. Algo um pouco estereotipado, “lugar
comum”.
Porém,
à medida em que fui realizando os desenhos e me envolvendo na pesquisa, ao
ponto de ter tido nesse período vários sonhos muito significativos e até
arquetípicos, foi ficando clara para mim toda relevância e significado da
simbologia desse mito para todo o decorrer da minha vida, que passou por
algumas transformações de “morte” e
“ressurreição”.
Representou
para mim também uma atualização de referência, uma vez que, em meu passado, na
primeira metade da vida, o mito de maior identificação para mim era o de Atena,
a deusa grega que nasce da cabeça do pai, Zeus. Todo esse processo, porém, me fez
perceber que essa a referência estava ligada a um período da primeira metade da
vida em que a função pensamento, à qual está relacionada o mito de Atena,
cumpriu uma necessidade de funcionamento dentro do sistema familiar de origem e
em outros subsistemas relacionais.
Jung
considera que a segunda metade da vida (que não se limita necessariamente
apenas à idade cronológica, dependendo mais do processo de desenvolvimento
individual) apresenta a possibilidade de realização do si mesmo, de ser quem se
é, a partir de um movimento interior que busca integrar na personalidade total
conteúdos que, devido à unilateralidade de um ego jovem, permaneciam
inconscientes. Esse processo, também chamado de metanóia, não acontece porém
sem uma experiência de dor relacionada à morte de uma parte significativa de
nós mesmos, que deve se transformar para renascer de modo muito mais pleno,
integrando um novo modo de se relacionar consigo mesmo e com o mundo, a partir
do eixo ego-self. No meu caso, esse processo foi marcado mais
significativamente pela vivência de uma perda traumática em minha vida, que
exigiu a construção de uma nova forma de ser no mundo.
Esse
exercício de reflexão proporcionado pela atividade proposta, me levou a
realizar em minha mente que, a partir daquele momento de metanóia vivido por
mim, os meus caminhos têm me levado para a aceitação e reconhecimento de minha
função principal, que desde sempre entendo como sendo a intuição, auxiliada de
perto pela função pensamento.
Esse
processo de criação vivido ao longo de vários dias tornou claro para mim o
sentido dessa identificação com o mito da Fênix, ave de fogo que se lança em
sua própria fogueira para, a partir de suas cinzas, renascer forte e
revigorada, como nova criatura.
Apesar
de não totalmente desvelado à consciência até então, percebo que a o mito da Fênix
traduz a necessidade de um exercício constante de resiliência que a vida tem me
apresentado e que, de uma forma geral, nos desafia a todos. Além disso, e com
igual importância, como imagem relacionada ao fogo da função intuição, está e
sempre esteve me acompanhando ao longo da vida enquanto uma energia arquetípica
fundante e transformadora, revelando uma parte importante da minha história e
natureza de alma.
Como
parte de meu processo de individuação, considero que essa aventura interior representou
mais um avanço em direção ao encontro de minha verdadeira identidade e realização
da personalidade.
Caso você tenha se identificado com a proposta do “Não palavra abre as portas” e se sinta motivado a aceitar o nosso convite, escreva para naopalavra@gmail.com
Assim poderemos iniciar nosso contato para maiores esclarecimentos quanto à proposta, ao formato do texto e quem sabe para um amadurecimento da sua ideia.
A Equipe Não Palavra te aguarda!
Referências:
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em: http://templodeapolo.net/wp/2017/04/23/mito-rito-e-religiao/ . Acesso em: 07 nov. 2017.
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FLETCHER,
Luiza - O mito da Fênix e sua relação com o poder da resiliência. 2017. Disponível
em: https://osegredo.com.br/2017/09/o-mito-da-fenix-e-sua-relacao-com-o-poder-da-resiliencia/
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Sobre a autora: Mércia Maciel
Assistente Social pela UFF (1994), pós-graduanda em Arteterapia e Processos de Criação pela UVA.
Experiência como assistente social: atendimento de família, dependência química, e crianças em situação de abuso.
Excelente texto de construção teórica e vivencial.Fonte de aprendizagem. Gratidão!
ResponderExcluirSuzane Guedes
Texto enriquecedor, pautado na vivência e por isso mesmo digno de crédito, vez que respaldado pela teoria.
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