segunda-feira, 12 de maio de 2025

A ARTETERAPIA E A DOENÇA DE ALZHEIMER - RELATO DE EXPERIÊNCIAS

 


Por  Anderson Amaral RJ/CE 

 

Para contextualizar a Doença de Alzheimer é possível dizer que trata-se de uma crise global de saúde, pois tem afetado mais de 55 milhões de pessoas em todo o mundo, conforme dados da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS, 2024). Trata-se de uma condição neurodegenerativa progressiva e sem cura, mas que pode ser gerenciada por meio de abordagens terapêuticas diversas. Dentre essas, destacam-se as intervenções farmacológicas, como os inibidores da acetilcolinesterase e moduladores do glutamato, além das não farmacológicas, como exercícios cognitivos, musicoterapia, terapia assistida por animais e Arteterapia.

A Arteterapia, em particular, tem sido amplamente estudada por seu potencial em estimular funções cognitivas, promovendo o bem-estar emocional e fortalecendo a socialização de pessoas com Doença de Alzheimer (EMBLAD; LADINSKA, 2021). É uma intervenção valiosa que visa aprimorar não apenas o aspecto cognitivo, mas também o afetivo e social dos participantes.

As Oficinas de Arteterapia

As oficinas tiveram como objetivo apresentar a Arteterapia como uma intervenção integrativa, buscando o aprimoramento cognitivo, afetivo, motor e social dos participantes, além de promover o controle do humor, o bem-estar e a qualidade de vida. Utilizamos técnicas expressivas e nutrição imagética por meio de movimentos artísticos, promovendo a expressão pessoal, o autoconhecimento e o equilíbrio emocional, com base nos princípios da Arteterapia e seus principais representantes.

Durante os 12 encontros, foram abordadas as obras e técnicas de artistas renomados, como Jackson Pollock, Henri Matisse e Vincent Van Gogh, para público masculino, ou seja, homens com idades variando de 71 a 85 anos e com diagnóstico de Doença de Alzheimer.

Cada sessão começava com uma técnica de relaxamento, visando organizar emocionalmente os participantes e despertar sua atenção. Após isso, era projetado um vídeo com as principais obras do artista da sessão como estratégia de nutrição imagética, acompanhado por músicas suaves. Em seguida, realizavam-se as intervenções arteterapêuticas, onde os participantes eram incentivados a expressar-se livremente.

 Encontro com Vincent Van Gogh: "O Quarto em Arles" e "A Noite Estrelada"



No oitavo encontro, o foco foram as obras de Van Gogh. Como parte do processo de nutrição imagética, foi exibido um vídeo com as principais obras do artista, acompanhado da música "Starry, Starry Night", interpretada por Lianne La Havas. Após a projeção, dois quadros de Van Gogh foram apresentados: "Noite Estrelada" e "O Quarto em Arles - 2ª versão".

Os participantes foram convidados a observar e contemplar as imagens das obras. Em seguida, receberam versões em branco dos desenhos e puderam escolher uma para pintar livremente. Todos optaram por "O Quarto em Arles" e, para a execução da atividade, foram disponibilizados lápis de cor e giz de cera. Essa diversidade de materiais permitiu que cada um selecionasse a opção mais adequada à sua pegada, proporcionando maior conforto e acessibilidade, especialmente para aqueles com distúrbios de movimento ou dificuldades articulares.

Para garantir um processo criativo livre de influências externas, a imagem do quadro "O Quarto em Arles" foi retirada do telão antes do início da pintura. Após a conclusão da atividade, os participantes foram convidados a refletir sobre a escolha da obra, explorando as sensações, emoções e memórias despertadas, além de observarem o resultado de seus trabalhos. Esse momento possibilitou uma conexão mais profunda com o processo criativo, permitindo que cada um se reconectasse com seus próprios sentimentos e vivências.

Observações e Reflexões sobre as Reações dos Participantes

As emoções mobilizadas durante a sessão terapêutica foram predominantemente de alegria, bem-estar e afeto, evocando lembranças positivas da infância e da relação com os filhos. No entanto, a reação à obra "A Noite Estrelada" foi diferenciada, despertando sentimentos de tristeza e incômodo, principalmente devido à sensação do cair da noite, associada pelos participantes a um desconforto emocional. Esse foi o principal motivo para a não escolha dessa obra na hora de realizar o trabalho plástico.

Esse relato ganha relevância quando analisado à luz da literatura sobre a Síndrome do Pôr do Sol, uma condição frequentemente observada em pessoas com Doença de Alzheimer. É um fenômeno clínico de grande significância e amplamente disseminado entre pacientes com demência, resultando em um sério fardo para os cuidadores. Sua prevalência atinge mais de 60% em alguns estudos. A síndrome se manifesta com inquietação, agitação, irritabilidade ou confusão, especialmente no final da tarde e início da noite (REIMUS; SIEMINKI, 2025).

A predominância de tons frios e a movimentação expressiva das pinceladas de "A Noite Estrelada" podem ter potencializado essa percepção emocional. Cores como o azul intenso e o preto, combinadas à dinâmica das formas no céu, podem evocar sensações de melancolia e introspecção, aprofundando a conexão entre a obra e os sentimentos dos participantes.

A Experiência com "O Quarto em Arles"

Em contraste com outras obras, "O Quarto em Arles" proporcionou uma experiência emocionalmente oposta, transmitindo sensações de acolhimento, conforto e tranquilidade. A obra, com seus tons quentes de amarelo e laranja, criou uma atmosfera aconchegante e segura, evocando um ambiente intimista e acolhedor. Para muitos participantes, a pintura despertou profundas memórias afetivas, remetendo aos quartos de sua infância, às casas onde viveram ou aos quartos de seus filhos. Esse resgate emocional fortaleceu o senso de familiaridade e pertencimento, tornando a experiência visual mais reconfortante e prazerosa.

Algumas das frases evocadas pelos participantes incluíram:

"Esse quadro me fez lembrar da minha época de infância, onde morava em um quarto simples como esse, mas repleto de amor."

"O quadro me fez recordar da época de infância de meus filhos."

"Esse quadro me lembrou do quarto da minha avó, onde eu costumava ir aos finais de semana quando era criança."

"Lembro-me do quarto da minha mãe, que era o espaço onde nos reuníamos para conversar, trocar carinho e histórias."

Essas reações destacam como essa obra de Van Gogh, com sua simplicidade e acolhimento, foi capaz de resgatar memórias afetivas significativas, proporcionando uma sensação de conforto e pertencimento aos participantes.

Conclusão

Relatos como estes enfatizam ainda mais o potencial transformador da Arteterapia no contexto da Doença de Alzheimer, destacando como essa abordagem pode promover o bem-estar emocional e cognitivo dos pacientes. As intervenções arteterapêuticas, exemplificadas pela utilização das obras de Van Gogh, mostram como a arte facilita o resgate de memórias afetivas, proporcionando uma sensação de acolhimento e tranquilidade. Ao estimular a percepção sensorial e a expressão emocional, a Arteterapia contribui significativamente para a melhoria da qualidade de vida dos pacientes.

Esta experiência também reforça que, por meio da contemplação e da criação artística, a Arteterapia possibilita uma conexão profunda com as memórias pessoais e permite que os pacientes explorem suas emoções. As reações dos participantes às obras de Van Gogh ilustram a importância de personalizar as intervenções arteterapêuticas, ajustando-as às necessidades emocionais de cada indivíduo, uma vez que diferentes obras podem gerar respostas emocionais variadas.

Além disso, exemplos como o programa do Museu de Arte Moderna de Nova York (MoMA), que utiliza a arte como ferramenta de estimulação cognitiva para pessoas com Alzheimer, demonstram o impacto positivo da arte na promoção da criatividade e no fortalecimento da identidade e dignidade dos pacientes. Dessa forma, a Arteterapia não apenas ressignifica a vida dos pacientes, mas também cria momentos de conexão emocional e bem-estar, favorecendo o autoconhecimento e a socialização.

Obs: Relato de experiência faz parte do pré-requisito para a conclusão da Formação em Arteterapia do Espaço Psi, no Rio de Janeiro, sob a coordenação e supervisão da Arteterapeuta Naila Brasil. 


Referências bibliográficas:

EMBLAD, S.Y.M.; LADINSKA, M. Creative Art Therapy as a Non-Pharmacological Intervention for Dementia: A Systematic Review. J Alzheimers Dis Rep. 2021. Disponível em https://pmc.ncbi.nlm.nih.gov/articles/PMC8203286/

MUSEU DE ARTE MODERNA DE NOVA YORK (MoMA). História do Projeto Alzheimer do MoMA. Disponível em https://www.moma.org/visit/accessibility/meetme/resources/index_sp.html?utm_source=chatgpt.com#history_sp

ORGANIZAÇÃO PAN-AMERICANA DA SAÚDE. Mês Mundial do Alzheimer 2024: é hora de agir pelas pessoas com demência. 2024. Disponível em https://www.paho.org/pt/noticias/9-9-2024-mes-mundial-do-alzheimer-2024-e-hora-agir-pelas-pessoas-com-demencia

REIMUS, M.; SIEMINSKI, M. Sundowning Syndrome in Dementia: Mechanisms, Diagnosis, and Treatment. Journal of Clinical Medicine. 2025. Disponível em https://www.mdpi.com/2077-0383/14/4/1158

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Sobre o autor: Anderson Amaral



Arteterapeuta, Mestre em Saúde e Tecnologia, Pós-graduado  em Geriatria e Gerontologia, Pós-graduado em Neurosicologia com ênfase em Reabilitação Cognitiva, Pós-graduado em Neurociência e Longevidade.  Professor da Oficina de Estimulação Cognitiva do UNATI/NucEH/UERJ, Membro do Projeto de Extensão Terapias Não Farmacológicas na Atenção à Saúde do Adulto e do Idoso UNIRIO, Pesquisador e Colaborador do projeto “Estimulación Cognitiva en Adultos Mayores Frank País Cuba e Professor da Pós-graduação em Gerontopsicomotricidade (Associação VemSer).

Autor dos livros: Jogos Cognitivos: Um Olhar Multidisciplinar; Jogos de Estimulação Cognitiva e Motora; Animada (Mente) Estimular através do jogo (Portugal); Diferentes Perspectivas da Animação e do Envelhecimento (Portugal); Envelhecimento como Perspectiva Futura (Portugal); Diálogos em Gerontologia – UnATI/UERJ; Tratado de Jogos de Regras e Manual de Telerreabilitação Cognitiva pós-COVID.

Autor dos E- books: Jogos & Atividades Psicomotoras; Estimulação Cognitiva pós-COVID, Os Benefícios das Atividades Físicas para um Envelhecimento Saudável; Terapias Mente & Corpo em Gerontologia; Teleoficinas: Exercícios Cognitivos UNIRIO; Arte & Ludicidade: Teleoficina Atendimento Remoto (UnATI/ UERJ), Programa de Animação Terapêutica (Portugal), Gerontoteca: Espaços Terapêuticos e Tele-Estimulação Cognitiva.

Coautor dos Livros: Estimulação Cognitiva para idosos: ênfase em Memória

3 comentários:

  1. Parabéns ao blog Não Palavra! Anderson Amaral é um excelente profissional e nos deu um grande ensinamento de como a Arteterapia auxilia na parte cognitiva, emocional, social , deixando a emoção e o sentimento fluírem visando uma melhor qualidade de vida!
    A Arteterapia é transformadora!
    Parabéns Anderson Amaral, mais uma vez!

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  2. Parabéns ao Prof. Anderson e ao Blog Não Palavra pela seleção deste tema tão apropriado e importante para contexto da Arteterapia. Prof. Anderson tem realizado ao longo do tempo um trabalho significativo na área de estimulação cognitiva e motora, com jogos e muita ludicidade, ampliando o campo de atuação tanto do arteterapeuta quanto de outros profissionais na saúde no trabalho com idoso. Tive privilegio de participar de um workshop ministrado por ele e foi muito enriquecedor, com multiplicidade de recursos simples, de baixo custo e bastante diversificado que encantam e estimulam nosso campo de pesquisa de materiais e outros recursos na Arteterapia.

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  3. Obrigado Sonia e Tânia pelos comentários.

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