Por Silvia Quaresma -SP
silvia.sasq@gmail.com
Muitos resultados incríveis e positivos surgem da necessidade de se realizar um estágio. E assim, em 2018, para cumprirmos este dever surgiu o processo arteterapeutico intitulado “Cuidando do cuidador”. À época, nossa escolha tinha como justificativa a simplicidade da vida: o indivíduo nasce, precisa ser cuidado por alguém; o ciclo mágico é repetido quando envelhece, quando morre. Ao ser humano é apresentada a arte de cuidar de si mesmo e até o “dito” independente precisa ser cuidado. Durante a vida somos sim objeto de cuidados, o que é agradável. Cuidar dos outros passa a ser natural e melhor ainda. Só que às vezes os acontecimentos não seguem uma ordem lógica e racional, quando temos em nosso convívio diário pessoas que envelhecem fisicamente e continuam dependentes intelectuais. E o que fazer quando estas pessoas dependentes transformam outras em cuidadores permanentes?
E nascia neste momento um projeto cuja proposta era o atendimento aos cuidadores: um espaço para reflexão, compartilhamento de ideias e interação por meio dos recursos expressivos arteterapêuticos. O local, uma instituição cuja finalidade é o desenvolvimento integral das potencialidades humanas, por meio da assistência à criança, ao adolescente, ao jovem e ao adulto com deficiência intelectual.
Tamanho sucesso e aceitação fez com que o processo fosse repetido em 2019. Em 2020 a instituição já reconhecia a arteterapia como atividade essencial para o equilíbrio. Decidimos então trazer o projeto “Cuidando de si” aberto aos cuidadores e voluntários.
Havíamos tido dois encontros e ainda estávamos nas atividades de vinculo quando tudo começou. Veio a pandemia e sem nos pedir licença mudou nossas vidas, nossas atividades, rabiscou nas nossas agendas, cancelou nossos compromissos, nos invadiu. Não sabíamos se voltaríamos e se sim, quando e como seria. Nossas quartas feiras simplesmente deixaram de acontecer.
Pois bem, tínhamos em contrapartida um grupo de artesanato que mantinha contato pelo WhatsApp. Nem todo o grupo de artesanato, que atuava às segundas feiras, fazia parte do grupo de arteterapia, mas todo o grupo de arteterapia fazia parte do grupo de artesanato.
Neste momento, intuitivamente começamos a usar o grupo apenas para mensagens de cumprimentos, algumas informações sobre o que era e o que fazer com Covid 19, para checar o bem-estar de todos.
Começamos a ponderar
sobre a plataforma WhatsApp. Democrática em sua essência, cuja instalação se
faz de forma quase automática, facilitava o acesso para pessoas intimas ou não
da internet e o mais importante, os recursos de áudio incluíam as pessoas semi
analfabéticas. Por outro lado, temíamos que o excesso de informação
característico pelas correntes, cumprimentos e textos, prejudicasse o vínculo
grupal fenômeno este tão presente em muitos dos grupos de nossas redes
pessoais.
A solução encontrada foi simples: estabelecer horários. Como estávamos nos adequando a uma realidade que nos “cortou” momentos de afeto, ao invés de acabarmos com ele fizemos uso racional. Estava instituído horário para cumprimentos, para “jogar conversa fora”, para se aproximar do outro e banidos os assuntos que pudessem “roubar a energia do grupo” , trazer debates e embates desnecessários.
Era um relacionamento diário que começou a tomar vulto, criar forma e foi crescendo em conteúdo e temática. Um grupo altamente heterogêneo que se visitava e que precisava falar. Via enfim a janela para o contato exterior. E foi exatamente por conta de uma atividade cujo tema era “o que você vê através da janela” que surgiu a primeira reflexão. O uso de uma tecnologia possibilitaria o canal necessário.
O trabalho terapêutico em grupo parece-nos bastante pertinente em nossa contemporaneidade, pois uma das características que mais saltam aos olhos em nossa sociedade atual faz-se no fenômeno da tecnologia atravessando as relações humanas (MORAES, 2018, p 108)
O grupo então se formatou. Trazemos atividades diárias para entretenimento, e dentre elas atividades arteterapêuticas em especial as de escrita criativa. Todos são incentivados a pensar o tema e o compartilhamento funciona como um exercício continuo de escrita criativa (alguns participantes que não conseguem se expressar através da escrita encontraram no recurso “áudio” a possibilidade de expressão).
Quando percebemos a dificuldade dos cuidadores com seus “cuidandos” que, retirados de sua rotina escolar não conseguiam entender o que nós não conseguíamos explicar, estes atendidos passaram a efetiva participação, e o enriquecimento foi notório.
Um dos participantes, aluno
da instituição e que faz atendimento arteterapeutico desde 2018, sugeriu um
tema, ”árvore da vida “; deveriam fazer a sua utilizando o material que tivesse
em casa. Ele resolveu explicar como fazer.
E continuamos seguindo
com este trabalho... convívio diário, atividades relacionadas a um tema
previamente escolhido, entretenimento, atividades arteterapêuticas e reflexões
para garantir um fechamento.
Uma das participantes do grupo sugeriu que as reflexões diárias tomassem corpo, dessem origem a compilação de textos que poderia ser nomeada de “Efeitos colaterais do Covid 19”. E se tudo tem seu lado bom, a arteterapia com certeza assume seu lugar neste espaço.
Bibliografia
MORAES, E. Pensando
a Arteterapia. Rio de Janeiro: Semente Editorial, 2018.
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Sobre a autora: Silvia Quaresma
Graduada em Letras
Pós-Graduada em
Finanças
Pós-Graduada em
Arteterapia e Criatividade
Professora especialista
de artesanato
Idealizadora do Projeto
Customizando Emoções –Interface entre Artesanato e Arteterapia
Coordenadora de Grupos
de Arteterapia em Instituição para cuidadores e voluntários
Atendimento individuais
e em grupos em Arteterapia
Que experiência incrível e inovadora! Parabéns, Sílvia! Obrigada por compartilhar. Beijos.
ResponderExcluirIsabel...tem sido um aprendizado. Utilizar os recursos que temos a mão, que estejam ao alcance de todos e de uma forma que faça sentido...Grata pelo carinho
ResponderExcluirGrata
ExcluirEste comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirQuero acompanhar o blog . Como devo proceder ?
ResponderExcluirSilvia, parabéns pela narrativa! Quanta riqueza, acolhimento e persistência! Amei o título e o exercício proposto de ver o lado positivo que esta pandemia trouxe, reforçando e aprofundando os vinculos e ampliando o afeto. Simplicidade aliada a potencia da Arteterapia que não se detem mesmo diante de algo tão inusitado. Muito bom! Que venham outros textos como este! Tania Salete - Fortaleza - Caminhartes.Arteterapia
ResponderExcluirTania... É tão gratificante chegar ao final do dia e ter a certeza que este valeu a pena. E este tipo de trabalho nos ensina muito. Grata pelo incentivo.
ExcluirParabéns, Silvia, você cativa pela narrativa. Nos instiga a segui-la até o final do texto acompanhando construção de uma experiência tão rica e criativa.
ResponderExcluirSueli...agradeço a colocação. Tem sido mesmo instigante manter este trabalho e muito compensador o resultado.
ExcluirSilvinha, parabéns pelo seu profissionalismo, empenho, disposição e principalmente pela dedicação com esse trabalho magnífico.
ResponderExcluirTodo sucesso é fruto de um grande trabalho, e o seu trabalho colherá bons frutos.
Parabéns.
Amanda Góes
Amanda...que alegria vê-la reconhecendo um trabalho que há tempo você acompanha. Gratidão!!!
ExcluirSilvia,
ResponderExcluirQue texto , muito bom ! E que fotos, adorei as ideias que surgiram ! Grande desafio você está enfrentando agora. Parabéns por tanto empenho , dedicação, criatividade. E persistência.
Bem vinda ao mundo dos textos neste blog. Começou com o pé direito !
Parabéns ! Bjs, Claudia Abe
Amiga...texto dedicado a você. Agradeço o nosso estágio que deu inicio a tudo isto. Agradeço sua colaboração, seu incentivo sempre. E acima de tudo, agradeço a sua generosidade em compartilhar tudo e me apresentar a Eliana, a Regina, o Não Palavra. Valeu!!! Que venham então outros desafios
ExcluirSilvia, adorei o texto, você redesenhou outra realidade em cima dos rabiscos que a pandemia fez nas nossas agendas como vc bem escreveu. Utilizar recursos tecnológicos para manter a essência humana: poder expressar toda a "dor e delícia" de viver. Parabéns.
ResponderExcluirAmiga...sei que estamos afastadas momentaneamente da nossa atividade em arteterapia nesta Instituição. Sei também que quando retornarmos, modificadas na essência e melhoradas na concepção,continuaremos nosso trabalho com maestria, com Cláudia Abe, Luciene (desde a época de estágio em 2018) e com Elaine, nosso grupo querido.
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