sexta-feira, 14 de agosto de 2020

SÉRIE: ARTETERAPIA EM GRUPOS ONLINE

 


Por Eliana Moraes (MG) RJ

naopalavra@gmail.com 

E assim chegamos a cinco meses deste fenômeno chamado pandemia. De março a agosto, quantas surpresas, mudanças, reinvenções, quanta resiliência! Quantos ciclos se fecharam e quantos outros abriram-se. Quantas transformações, no mundo, na vida e... na Arteterapia.

Algo tão inimaginável aconteceu quando a Arteterapia corajosamente decidiu adentrar aos territórios virtuais quando a ordem era o isolamento social. Afinal, não nos cabe resistência à palavra “tecnologia” uma vez que, por definição, ela está intimamente ligada ao nosso mote como arteterapeutas: a criatividade. Com origem no grego "tekhne", que que significa "técnica, arte, ofício" juntamente com o sufixo "logia" que significa "estudo", esta palavra se refere a toda invenção humana de um recurso ou instrumento, que colaborou para seu progresso e evolução ao longo da história. Nisto incluímos a roda, o fogo, a escrita e, mais especificamente a partir do século XX, as tecnologias da informação, como por exemplo a internet.

No cenário em que vivemos, a internet como tecnologia é o produto da criatividade humana e é a partir dela que encontramos recursos para lidar com tamanhos desafios que enfrentamos e aqueles que estão por vir. E a Arteterapia se fez participante deste fenômeno. Neste período, adentramos um tempo de desenvolvimento de novas práticas arteterapêuticas quando admitimos a modalidade online.

Considero esta uma prática de suma importância se fizermos uma escuta do social em tempos de pandemia e seus desdobramentos na saúde mental. Tenho estimulado e instrumentalizado arteterapeutas para que assumam este campo de atuação com consciência e responsabilidade. Acredito que todos estamos aprendendo uma nova forma de atuar e penso que a construção desta nova modalidade se faz através da troca entre nossa rede.

Hoje iniciamos no blog uma série de textos de arteterapeutas que têm atuado em práticas grupais no formato online dentro do contexto da pandemia. Nosso objetivo é compartilhar nossas impressões, aprendizados, pontos positivos ou pontos de atenção, para que possamos instrumentalizar e encorajar outros arteterapeutas para que se lacem ao campo de atuação, com a consciência do desafio que temos a frente.

Iniciando esta série, hoje trago alguns pontos que têm permeado minhas reflexões ao sustentar encontros online de modalidade teórico-vivencial, uma vez que meu público alvo, nesta fase de minha jornada profissional, está direcionado à arteterapeutas e estudantes com o objetivo de colaborar para o aprimoramento de suas atuações.

Vale ressaltar que justamente o primeiro ponto que tenho pensado ser de extrema importância é que o arteterapeuta tenha clareza de qual é a sua proposta e por consequência seu público alvo. O território online é característico por ser tão sem contorno, sem fronteiras e desta forma, podemos nos perder dentro das diversas modalidades teórico e/ou vivenciais, assim como a mistura do público profissional/estudante e o leigo.

Tenho sugerido que os arteterapeutas percebam a diferença de uma proposta téorico-vivencial, em que haverá uma parcela do encontro oferecendo um embasamento teórico e referência de autores, direcionado para um público que se propõe a aprimorar-se em sua prática e naturalmente experimentará uma vivência inspirada nestes conceitos. Em outro contexto, quando a proposta é efetivamente vivencial, os estímulos devem ser estritamente disparadores de profundas experiências nos participantes e este campo é aberto para todo o público que se faça interessado em vivenciar a Arteterapia. (Cabe ressaltar aqui, minha impressão de que nesta última modalidade seja interessante um número reduzido de participantes para que se possa haver um bom acolhimento, compartilhamento e fechamento dos conteúdos acessados, sendo o terapeuta responsável por aquilo que estimula à vivência)

Temos percebido que em tempos de isolamento social e aumento da exploração de ofertas no campo virtual, está ocorrendo a proliferação da curiosidade das pessoas de forma geral, aos mais variados assuntos disponíveis na internet. Assim, naturalmente, as propostas arteterapêuticas estão acessíveis a todo e qualquer público que acesse as divulgações dos eventos. Penso que uma triagem atenta dos interessados que nos acessam, faz parte da preparação do arteterapeuta para sua proposta, cabendo aqui algum recurso como ficha de inscrição ou até mesmo uma entrevista, para separarmos o que são possíveis alunos e possíveis pacientes.

Em minha percepção, a participação de possíveis pacientes em propostas téorico-vivenciais pode ser um caminho não indicando pois corremos o risco de acessarmos questões vivenciais que não poderemos dar contorno em um contexto de aprendizado. Por outro lado, terapeutas e estudantes, podem participar de propostas vivenciais, desde que estejam conscientes de que aquele espaço se destina a retirarem suas personas profissionais, para efetivamente beberem da fonte daquilo que oferecem em seu trabalho, inclusive sendo uma prática altamente saudável para sua regeneração periódica.

Outro ponto interessante à nossa reflexão é que o território online pode ser bastante frio ou impessoal, sendo um desafio que deve estar no radar do arteterapeuta, o investimento na formação do vínculo grupal com uma atenção diferenciada. Tenho percebido em minha prática que a firmeza do arteterapeuta para a sustentação do têmenos é a espinha dorsal do processo, atualizando com ainda mais propriedade o que nos diz Angela Philippini:

A presença do arteterapeuta como facilitador é de fundamental importância, pois, de sua firmeza para sustentar o território criativo e simbólico para o grupo e o ritmo regular das atividades, depende uma parte significativa do processo. Esta responsabilidade com a tarefa terapêutica é fundamental, conforme nos assegura Almeida (2009), quando lembra que: “em vários momentos é necessário que o terapeuta sustente com sua energia o processo, por exemplo, promovendo o acolhimento empático, não fazendo grandes exigências, favorecendo uma visão mais ampla.” (PHILIPPINI, 2011, 31-32)

A prática nos surpreendeu de forma muito positiva: é possível gerar e sustentar um setting arteterapêutico em campos virtuais, mas é essencial que o arteterapeuta sustente com sua própria energia e faça circular o afeto catalizador que gerará as mobilizações psíquicas de cada experienciador da Arteterapia. Em específico, nas vivências grupais, tenho dedicado um tempo de sensibilização para que os participantes visualizem e se apropriem de uma grande roda formada com todos os presentes de mãos dadas, e assim fazemos com que a energia do vínculo grupal seja gerada.

Neste contexto, um grande recurso para minha prática se faz na trilha sonora compartilhada. A música tem um acesso direto à alma (como nos diz Kandinsky). Sendo assim, tenho utilizado de forma bastante consciente a música de sensibilização para colaborar que os participantes mudem o registro de suas experiências, não racionais mas vivenciais. E quando a música é compartilhada com todo o grupo de forma única, ela colabora para a homogeneização daqueles que chegam, cada um em uma frequência e possivelmente dispersados com os não contornos da internet.

Aliás a música tem sido uma grande aliada em minhas práticas artetereapêuticas online. Mas deixo para explorá-la melhor em outros espaços da rede Não Palavra. Na próxima semana voltamos com um texto de outra autora que seguirá compartilhando suas experiências sobre grupos arteterapêuticos online.

Sigamos nossa construção compartilhada!

Referência Bibliográfica:

PHILIPPINI, Angela. Grupos em Arteterapia, WAK, 2011.

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Sobre a autora: Eliana Moraes


Arteterapeuta e Psicóloga.

Pós graduada em História da Arte
Especialista em Gerontologia e saúde do idoso.
Fundadora e coordenadora do "Não Palavra Arteterapia".
Escreve e ministra cursos, palestras e supervisões sobre as teorias e práticas da Arteterapia. 
Atendimentos clínicos individuais e grupais em Arteterapia. Nascida em Minas Gerais, coordena o Espaço Não Palavra no Rio de Janeiro.

Autora dos livros "Pensando a Arteterapia" Vol 1 e 2

Um comentário:

  1. Realmente o confinamento permitiu essa possibilidade de um retorno às coisas mais essenciais dentro de nós.Imagino poder tonar-se um território fértil para a arteterapia.Obrigada Eliana.

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