Por
Eliana Moraes
naopalavra@gmail.com
A
partir das perguntas trazidas por arteterapeutas colegas, alunos e
supervisionandos, tenho me dedicado à “Série: Arteterapia Clínica”, encontros
aos quais estudamos sobre a prática da Arteterapia em atendimentos individuais.
Estes encontros têm se configurado em um ciclo de palestras em que estudamos
embasamentos teóricos diversos, no campo “psi” e teorias da arte, as
propriedades e especificidades da Arteterapia como procedimento terapêutico e
estudo de casos clínicos. Penso que o aprofundamento deste estudo para o
arteterapeuta que intenta trabalhar com a modalidade clínica, seja estrutural,
pois:
“... o
refinamento para a escuta clínica arteterapêutica é algo que é construído com o
tempo de estudo e prática, pois se difere das modalidades semi-estruturada ou
estruturada, típicas de vivências pontuais ou propostas breves, oferecidas principalmente
para grupos: aqui, parte do arteterapeuta um disparador inicial para que o
paciente/cliente projete de si e crie a partir deste ‘estímulo externo’. Na
clínica, o arteterapeuta recebe um paciente, ouve a demanda daquele sujeito e a
partir desta escuta aciona algum material para oferece-lo, sendo este um
facilitador expressivo e mobilizador de atos criativos, na arte e na vida.”
(MORAES)
Neste sentido, o manejo consciente dos materiais se
faz como a espinha dorsal do ofício do arteterapeuta: cabe a ele a escuta do
seu paciente/cliente, pois este já pede intuitivamente o material que lhe será
facilitador expressivo e mobilizador do ato de criar em um sentido amplo.
Assim, o arteterapeuta promoverá o encontro entre o sujeito que fala e o
material pertinente, e através deste encontro ele seguirá seu caminho.
Em textos anteriores deste blog, comecei a publicar
fragmentos deste ciclo de palestras para potencializar o compartilhamento deste
conteúdo para aqueles que estão longe geograficamente, mas que tenham o desejo
de estudar conosco. São eles: “Série Arteterapia Clínica: o arteterapeuta como
promotor de encontros” CLIQUE AQUI e “A colagem na clínica da Arteterapia: propriedades e
aplicabilidades” CLIQUE AQUI.
No texto de hoje, a protagonista é a pintura,
linguagem da arte tão próxima de nós e amplamente utilizada como técnica
expressiva no setting arteterapêutico. Entretanto, mesmo tão presente em nosso
cotidiano, cabe a reflexão sobre variados aspectos que a compõem como material
em Arteterapia.
Primeiramente, cabe ressaltar que a pintura pode ser
utilizada como estímulo projetivo quando lançamos mão de um infindável acervo
produzido por artistas ao longo da história. Tomando como princípio que os
artistas possuem o dom de mergulhar nas funduras do inconsciente individual e
coletivo, e traduzir na linguagem de seu tempo dando forma aos conteúdos mais
profundamente humanos, naturalmente estas imagens farão eco ao fruidor, que os
reconhecerá. Assim o arteterapeuta poderá compor um repertório de obras de
grandes artistas que entenda que dialogará com questões pertinentes em sua
clínica. Em meu repertório pessoal conto com imagens de René Magritte, Salvador
Dali, Frida Kahlo, Edward Hopper e outros artistas aos quais apresento para meu
paciente quando identifico uma ligação entre sua fala e uma obra artística, com
o intuito de aquecer sua associação livre e elaborações. Esta é a maneira que
utilizamos a pintura como projeção na clínica da Arteterapia.
Como processo, a oferta das tintas ao
paciente/cliente, possui suas propriedades e aplicabilidades aos quais algumas
delas abordarei a seguir:
a) As
propriedades
A pintura é uma técnica
diluidora, de flexibilidade e não controle. No diálogo com a imagem coloca o
autor em relação prioritariamente com a cor em detrimento da forma.
Todas as técnicas expressivas estimulam as quatro funções
psíquicas descritas por Jung, mas naturalmente em cada uma delas, uma função
específica se torna protagonista. Na experiência da pintura, a função principal
é a Função Sentimento.
Na relação com a cor o
autor é acessado em seus sentimentos, emoções, sensações, afetos. Uma grande
referência teórica que aqui nos embasa é a literatura de Kandinsky, pois
segundo ele, cada cor tem uma potência, uma vibração e provoca um impacto específico.
Para ele, as cores têm a capacidade de agir como um estímulo sensorial e
psíquico e são um “caminho que serve para
atingir a alma.” (KANDINSKY)
No manejo com o material, associado a cor, o autor
entra em contato com o elemento água, que proporcionará justamente a “expansão”
do traço, a flexibilidade, a diluição e o não controle, quanto mais aguada for
a tinta.
b) O
processo: verbos, ações e movimentos externos/internos
Colocar o sujeito na experiência com o material significa colocá-lo para
agir sobre suas questões. Desta forma é interessante ao arteterapeuta
atentar-se para os “verbos” ou as ações que cada material proporcionará externa
e internamente em seu paciente/cliente.
No processo da pintura, em relação à cor, as ações provocadas estão no
campo do sentir, perceber, sensibilizar, expressar. Em relação à água, são estimulados
os movimentos para umedecer, lubrificar, azeitar, amolecer, diluir,
flexibilizar, expandir, dissolver, fluir, “transbordar”, abrir mão do controle.
c) Os
potenciais
c.1)
Perfis de pacientes/queixas, palavras chave:
Promover o encontro com a pintura é interessante
para pacientes/clientes que apresentam a necessidade e busca de expressão de
sentimentos, sensações, conteúdos talvez tão profundos que ainda não possuem
nome ou possibilidade de expressão verbal. As cores associadas aos sentimentos
e os movimentos corporais provocados por eles, servirão como linguagem
expressiva.
Para aqueles que demonstram seus excessos, misturas,
espalhamentos ou transbordamentos,
escoar este conteúdo para uma superfície externa, seja ela um papel, tela ou
outros, promove um contorno, um tamanho. Este processo de catarse inicial,
promove uma “diferenciação”, a visualização destes conteúdos como se fosse um
terceiro e como um espelho encaminha-os para a conscientização e elaboração.
Já os que apresentam enrijecimentos diversos, mas
que a dinâmica fluida da vida convoca a capacidade de flexibilizar ou lidar com
o não controle, o diálogo com as tintas promove a tolerância com as surpresas
de traços que escapam das mãos e fogem daqueles idealizados racionalmente.
Em relação ao elemento água, podemos também explorá-la
metaforicamente, em diálogo com aquilo que
é trazido como “seco” ou “ressecado” - objetivo e/ou subjetivo, literal e/ou
simbólico, corporal e/ou psíquico – apresentando um material que traz em seu
processo o “aguar”.
c.2) Resistência
A prática nos mostra que a proposta da pintura apresenta
alguma resistência quando não há intimidade com o material e uma autoexigência
de fazer uma imagem figurativa/símbolo. De fato, originalmente a pintura
figurativa demanda alguma técnica para que a imagem se forme. E como
arteterapeuta não tenho o procedimento de deslegitimar quando um
paciente/cliente demonstra incômodo com sua criação, quando não se trata de
resistência ao conteúdo acessado, mas sim pela falta de intimidade com o
material.
Penso que esta sensação deve ser acolhida e
compreendida no sentido de que quando recebemos aqueles que chamo de “pacientes
leigos”, recebemos sujeitos que ainda “não aprenderam a falar” naquela
linguagem (outra que não é a verbal). Visualizo estes sujeitos como uma criança
que ainda está em processo de formação de seu vocabulário. Não devemos esperar
dela uma associação livre, mas sim acolher seus sentimentos e investir para que
ela, passo a passo, se instrumentalize para se expressar.
Expressar-se através da arte, para quem não possui
este histórico, se mostra como um processo de “alfabetização” para uma nova
gramática. E este é um caminho construído na companhia do arteterapeuta que
orientará o autor no que for necessário. Naturalmente, o arteterapeuta não é um
professor de artes, porém faz parte do seu ofício instrumentalizar seu
paciente/cliente sobre os materiais, encaminhando-o para a autonomia criativa na
expressão por outras linguagens.
Neste contexto, um caminho eficaz é apresentar o que
os surrealistas chamavam de automatismo ou do que Susan Bello chama de Pintura Espontânea:
“... relaxar a mente crítica racional e
pintar corajosamente o que aparecer na mente inconsciente. Na
Pintura Espontânea, em vez de usarmos nossos olhos sensoriais para copiar e
reproduzir o mundo exterior, expressamos nossa visão interior... A psique fará
o trabalho. Nossa mente racional somente tem de suspender seu domínio...”
(BELLO)
Além destas, mais uma vez tomo como referência a
literatura de Kandinsky, que tanto teorizou sobre o caminho para a abstração
com o intuito de expressar “emoções puras” através das cores e das formas. (Ver
texto “Contribuições de Kandinsky ao arteterapeuta” CLIQUE AQUI). Apresentar as imagens
abstratas para o autor e estimulá-lo que utilize destas na busca da expressão de
seus sentimentos, mostra-se um recurso muito potente na clínica da Arteterapia.
Quando um “paciente leigo” encontra a Arteterapia,
recorrentemente diz a célebre frase: “mas
eu não sei desenhar, eu só faço bonequinhos de palitinhos...!”. Penso que o
material de desenho – que por definição proporciona maior controle do traço –
já se demonstra desafiador para aquele sujeito na produção de uma imagem
figurativa, assim as tintas se mostrarão mais desconfortáveis ainda para
aqueles que não possuem uma intimidade com a técnica da pintura. A prática nos
mostra que neste contexto, a introdução da pintura abstrata inspirada a partir
da expressão das emoções, associando cores, movimentos e formas, se dá como uma
excelente porta de entrada para a pintura pelo sujeito que cria dentro do
setting arteterapêutico.
Conclusão:
“A forma e a cor harmonizam-se para criar o quadro,
segundo o Princípio da Necessidade Interior. Nasce então a obra de arte
autêntica, a composição entra em contato ‘eficaz’ com a alma humana,
estabelece-se a ressonância” (SERS in KANDINSKY)
A partir destas considerações,
podemos concluir que a linguagem da pintura na clínica da Arteterapia se
apresenta como um processo menos racional, mais espontâneo, ao qual será
encaminhado para a expressão dos sentimentos e emoções mais puros daquele que
deseja se expressar. Ao arteterapeuta cabe promover o encontro entre o autor e os
materiais de pintura quando entender a partir de sua escuta, que as tintas
serão o material mais facilitador para esta profunda expressão.
Caso você tenha se identificado com a proposta do “Não palavra abre as portas” e se sinta motivado a aceitar o nosso convite, escreva para naopalavra@gmail.com
Assim poderemos iniciar nosso contato para maiores esclarecimentos quanto à proposta, ao formato do texto e quem sabe para um amadurecimento da sua ideia.
A Equipe Não Palavra te aguarda!
Assim poderemos iniciar nosso contato para maiores esclarecimentos quanto à proposta, ao formato do texto e quem sabe para um amadurecimento da sua ideia.
A Equipe Não Palavra te aguarda!
Referências Bibliográficas:
BELLO, Susan PhD. Pintando
sua alma: Método de desenvolvimento da personalidade criativa. Ed Wak, Rio de
Janeiro, 2007.
KANDINSKY, Wassily. Do
espiritual na arte.
MORAES, Eliana. SÉRIE ARTETERAPIA CLÍNICA: O ARTETERAPEUTA, UM PROMOTOR DE ENCONTROS.
Disponível em http://nao-palavra.blogspot.com/20
________________________________________________________________________________Sobre a autora: Eliana Moraes
Arteterapeuta e Psicóloga.
Especialista em Gerontologia e saúde do idoso e cursando MBA em História da Arte.
Fundadora e coordenadora do "Não Palavra Arteterapia".
Escreve e ministra cursos, palestras e supervisões sobre as teorias e práticas da Arteterapia.
Atendimentos clínicos individuais e grupais em Arteterapia.
Nascida em Minas Gerais, coordena o Espaço Não Palavra no Rio de Janeiro.
Nascida em Minas Gerais, coordena o Espaço Não Palavra no Rio de Janeiro.
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