valdiniz.td@gmail.com
Instagram @valeriadiniz50
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Olhos grudados no
tablet, dedinhos ágeis passam as fases de algum jogo, ouvidos atentos ao
discurso preocupado dos pais. A escola encaminhou aos “doutores” entendidos de
crianças. Laudos, papéis, receitas, avaliações são apresentados a mim. Espanto-me
com a quantidade de papel que acompanha a história de Viny, 8 anos de idade.
Não gosta da escola,
tem dificuldades de aprendizado, não tem amigos porque é agressivo. Larga tudo
que começa. O Inglês, o Judô, a Natação. Nem ao “play” ele vai.
Ouço, compreendo e
pergunto:
- Quando é que ele
brinca?
É nesse momento que
sinto aqueles olhinhos desgrudarem do jogo e rapidamente me encontram.
Sempre
que ouço expressões do tipo; “fulaninho é muito arteiro!” ou “essa criança só
sabe fazer arte!” me surpreendo com o tom de desaprovação. É como se fosse algo
proibido e feio.
Mas
o que é “fazer arte”?
Arte,
do latim “Ars”, significa técnica e/ou habilidade.
Fazer
(transitivo direto) - Produzir através de determinada ação, realizar.
Logo:
Fazer arte - Produzir
habilidades através da ação.
Fazendo
arte, aprende-se do corpo, dos limites, ganha e desenvolve habilidades.
Fazendo
arte, expressa-se emoções mesmo antes de saber falar.
Fazendo
arte, conhece de si, dos outros e do meio.
Fazer
arte é o meio disponível onde a criança encontra uma forma de entender esse
mundo e esses adultos tão impossíveis, contraditórios e estranhos.
Criança
não brinca apena para se divertir. Brinca para entender. Faz arte para
desenvolver seu potencial e habilidades importantes e necessárias para a vida. E,
que fique entendido, brincar e fazer arte é muito diferente de ficar preso por
horas em alguma tela luminosa retangular.
- Então, vamos brincar
Viny?
Ao nosso redor estão
caixas de jogos, bonecos de todo os tipos, monstros, heróis, princesas,
panelas. Pincéis, tintas, lápis coloridos.
Meu convite é recusado.
A tela luminosa se
apresenta menos assustadora. Bloqueia o contato, impede que tenha novas
experiências.
Permito que ele traga o
tablet para o atendimento e que use como quiser.
Uma hora de encontro
com alguém que me desdenha, menospreza e troca monossílabos.
Revejo as teorias e
técnicas.
Faço contato com minha
impotência e frustração.
...
- Hoje quero te propor
um jogo.
Explico as regras,
mostro, dou exemplos. Ganho nova recusa. E outra e mais algumas.
Olho para aquele menino
com um mundo de possibilidades ao seu redor, mas que decide ficar preso em sua
confortável missão de passar fases e ganhar bônus apenas mexendo os dedos.
Busco ajuda em minha
curiosa criança interior que ainda se encanta diante de coloridas tintas.
Sento no chão e começo
a pintar com os dedos. Surgem flores, borboletas, figuras abstratas.
Vamos ver quem faz
coisas mais interessantes? Se ele é
rápido no jogo, sou potente com as tintas. Agora é guerra!!
- “Você está sujando a
mão”.
- É bom!
E
Viny foi fazendo sua arte, foi descobrindo.
Aprendeu
que jogos (qualquer um que não seja uma tela, varetas, pega-pega,
esconde-esconde, dentre inúmeras possibilidades) implicam em perder ou ganhar.
Que tem dias e momentos de perdas e ganhos. Que regras precisam ser cumpridas. É
gratificante ganhar, é frustrante perder. Mas, que bom mesmo é quando a “gente
empata”!
Com
cola, tesoura, recortes, escolhas e ajustes percebeu que limites servem para
respeitar, a si e aos outros. Descobriu que podemos nos expressar através das
cores. Que nem sempre conseguimos controlar, que borramos, que erramos. Que se
ficar difícil é preciso tentar e tentar de novo. Mas que se “prestar atenção dá
mais certinho”!
Com
argila criou monstros e destruiu e recriou com novos poderes. E foi entendendo
que os monstros podiam ser “até legais”. Já não precisava mais agredir os colegas e
podia fazer bons amigos. Nos desenhos foi sabendo de si. Que era um menino
curioso, inteligente, criativo, bonito. Um “cara bom”!
Agora
está em nova “fase”. Resolveu desmontar alguns objetos de sua casa. Relógios,
carrinhos, liquidificador porque quer saber como “as coisas funcionam”. E
sabendo das coisas vai entendendo desse mundo que se apresenta diante dele com imensas
possibilidades para além de uma tela virtual.
Eu
também sigo tentando entender de mim e do mundo através da minha própria arte.
Então,
vamos fazer arte?!
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Sobre a autora: Valéria Diniz
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Sobre a autora: Valéria Diniz
Psicóloga
Gestalt terapeuta
Mestra em Saúde Mental
Adorei o texto e a experiência. Obrigada por compartilhar :)
ResponderExcluirMuito bom o texto. Vamos às artes e que elas venham conosco!
ResponderExcluirGostei demais! Transportei-me para esse lugar incrível de contato com a criança bloqueada a minha frente e com a criança desejosa de descobrir a "mágica" das artes! Parabéns! Que a arte continue fluindo em nós, nos tratando e transbordando para alcançar outros!
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