Por Andréa Goulart de Carvalho – BH/MG
goulart17@hotmail.com
Quem
nunca...
... Pensou em algo e a “coisa” se
materializou! Sem uma causa, sem que alguém ou alguma circunstância tivesse
forçado o acontecimento.
Um medo de insetos, relatado de dia e,
de noite, uma mariposa enorme está dentro do quarto de dormir. De onde surgiu? Verdadeiro
e, neste caso, terrível mistério!
Quem nunca sentiu saudades de alguém e,
ao dobrar uma esquina, lá está a pessoa, materializada! Assim, do nada! Há
alguns dias, no trajeto para um encontro, passei por um local e lembrei de um
estilista de bolsas de couro que tem um ateliê ali por perto. Pensamento correu
pela história de vida dele e passou. Minutos depois, a amiga com quem me
encontraria estava com uma das criações do estilista.
Sim, nem só mariposas acontecem! Graças
a Deus!
Todos vivenciamos acasos corriqueiros e sem
importância, não é? Afinal, quem liga para uma mariposa num canto do quarto?...
Eu ligo! E a bolsa da amiga, coincidência, uai! Será? Há situações que
ultrapassam a esfera doméstica, as coisinhas do dia-a-dia como bolsas e pessoas
surgidas do nada. Acontecimentos fora da esfera individual, que vêm através de
um pensamento, insights, visões, pressentimos ou em sonhos, como um acidente de
avião, tão real e terrível e que o noticiário da manhã mostra a cena exata do
sonho. Muita calma nessa hora!
Fenômenos
acausais, complexos, profundos, significativos, mas que têm explicação
Esses acontecimentos são os Fenômenos de
Sincronicidade, um conceito empírico, elaborado à partir dos estudos complexos
e profundos de Carl Gustav Jung, sobre fatos relacionados entre si por significados,
e não por terem sido causados ou terem acontecido casualmente. Jung disse:
...“a ligação
entre os acontecimentos, em determinadas circunstâncias, pode ser de natureza
diferente da ligação causal e exige um outro princípio de explicação.” (JUNG,
OC8/3, § 819).
Tais fenômenos
não devem ser avaliados de forma simplista. Segundo Jung:
“...para
captar de um modo ou de outro estes acontecimentos únicos ou raros, parece que
dependemos de descrições ‘únicas’ e individuais.” (JUNG, OC8/3, § 821)
Jung, desde muito cedo em sua carreira, estudava
circunstâncias interessantes que ocorriam nos seus atendimentos. Num
atendimento em especial, em meados de 1920, enquanto a paciente relatava seu sonho
com um escaravelho, um inseto bateu na vidraça do consultório. Jung abriu a
janela e o apanhou, em pleno voo e o mostrou à paciente. A incrível semelhança
do inseto àquele descrito por ela ressaltou que o fato ocorrido envolvia um
elemento diferente, muito além do acaso. Haviam vivenciado um fenômeno de
sincronicidade.
A partir deste fato Jung aprofundou a
pesquisa nos fenômenos sincronísticos. Estudou a física clássica e a moderna, a
casualidade, a causalidade e a acausalidade dos fatos raros, mas possíveis e
reais. Buscou entendimento dos conceitos de serialidade, imitação, atração e
inércia, simultaneidade, estatística, probabilidade e finalidades para explicar
os acontecimentos, aparentemente casuais.
No estudo de culturas diversas e de épocas
distintas, Jung verificou a existência
de uma ligação entre todas as coisas como se fosse numa grande rede de
correspondências. A ideia da existência de uma sabedoria maior e superior à
alma humana e a necessidade de retomada de uma visão transcendente sobre os
acontecimentos, foi também visualizada por Jung, para que um sentido mais amplo, mais humano e
menos científico, pudesse tentar explicar os fenômenos da psique, as
sincronicidades.
Os
peixes
A complexidade do tema adiou, por muitos
anos, a publicação de estudos sobre a sincronicidade. Em 1949 Jung desenvolvia a
simbologia do peixe como símbolo do inconsciente, quando uma série de sete fatos
relacionados a peixes, ocorridos nos dias 1o e 2 de abril deste
mesmo ano, fez com que ele retomasse o estudo dos eventos sincronísticos à luz
da psicologia profunda associada à física moderna. Desta forma pôde evidenciar
que o inconsciente coletivo e os arquétipos, conceitos desenvolvidos por ele,
têm total participação nos fenômenos de sincronicidade.
Jung relatou os sete fatos, inicialmente
denominados coincidências significativas, uma organização acausal, com caráter numinoso, ou seja, sagrado, sobrenatural, misterioso:
1- naquele dia teriam peixe para o
almoço;
2- havia o costume do peixe de 1o de
abril, brincadeira que deu origem ao Dia da Mentira em que eram colados
desenhos de peixes nas costas de pessoas e eram chamadas de “os peixes de
abril”;
3- uma anotação feita por ele, pela
manhã - “todo homem é peixe pela metade, na parte de baixo”;
4- uma paciente ter-lhe mostrado
pinturas, feitas por ela, de figuras de peixes;
5- outra paciente relata seu sonho com
peixes;
6- outras pessoas mostraram bordados de
peixes;
7- Jung encontrou um peixe morto na
mureta do lago de Zurique.
A sincronicidade acontece quando dois
fatos ou mais, sem ligação causal, significativos para quem os vivencia, não necessariamente
acontecendo ao mesmo tempo, no mesmo lugar ou repetidamente.
Jung afirma que a sincronicidade
complementa a tríade da física clássica - tempo/espaço/causa, tornando-a uma
tétrada ou quatérnio, formando o princípio da totalidade, mais coerente com a
física moderna e as leis da relatividade. Afirma também que as coincidências
significativas acontecem quando um arquétipo é constelado em um padrão dinâmico
e que se manifestam mediante três categorias:
a) estado psíquico associado a evento
externo e simultâneo (ex.: escaravelho);
b) estado psíquico associado a evento
externo e simultâneo, mas sem ligação no espaço (ex.: encontrar uma pessoa/
bolsa);
c) estado psíquico associado a evento
externo sem ligação no tempo (ex.: sonho com o acidente de avião).
Arquétipo
e significado
O
arquétipo tem uma forma própria de manifestação, numa ordenação acausal, por
trás do fenômeno, sem controle por parte da pessoa que o vivencia e está
mostrando algo sobre esta pessoa que experimenta o fato.
O significado do fenômeno de sincronicidade
é único e pessoal. É um portal para uma realidade particular. Uma chave para
perceber significados ao transpor este portal. Como as imagens e sensações
permanecem e/ou modificam seu entorno. Suas atitudes e a sua forma de se comunicar.
Como poderia a pessoa que sonhou com o acidente de avião criar as imagens ou entender
sobre ele, antes de o fato acontecer? De onde surgiu a imagem, a visão no
sonho? Qual o significado no contato, quase imediato, de uma pessoa com um dos
artigos de um estilista lembrado aleatoriamente? Qual a probabilidade de isto
acontecer com alguém e qual seria o arquétipo constelado? Como tudo isto atua
na vida de uma pessoa?
Arteterapia, sincronicidade, arquétipo
Existem muitas formas de compreender e tentar responder às inúmeras questões que surgem depois da vivência de um evento sincronístico. Devemos porém, permitir que nossos conteúdos sejam assimilados e não necessariamente entendidos. As respostas vêm da emoção mais do que da razão.
Existem muitas formas de compreender e tentar responder às inúmeras questões que surgem depois da vivência de um evento sincronístico. Devemos porém, permitir que nossos conteúdos sejam assimilados e não necessariamente entendidos. As respostas vêm da emoção mais do que da razão.
A
Arteterapia tem se apresentado como uma das mais eficazes maneiras de acessar o
inconsciente e obter respostas e elaborar conteúdos psíquicos, de forma lúdica,
prazerosa e profunda, tendo a arte como ferramenta.
No
setting ou fora dele é muito provável que o fenômeno de sincronicidade se
apresente. De certa forma já o esperamos antes, durante ou depois do
atendimento como motivo ou parte da elaboração dos conteúdos.
Há
pouco tempo, num atendimento a um grupo formado por 4 mulheres, foi pedido que
se apresentassem como gostariam de serem reconhecidas. Foi usada a técnica da
Imaginação Ativa, um dos muitos recursos de abordagens terapêuticas, utilizada
por Jung e sistematizada por Robert Johnson. Coincidentemente todas as mulheres
se descreveram como árvores, com as dores e as delícias de serem árvores grandes
ou pequenas, com flores e frutos ou não. Uma se apresentou como uma mangueira. Outras
duas como arbustos com flores e uma delas se apresentou como um loureiro, uma arvorezinha
franzina, inicialmente sem grandes expectativas para elaboração de conteúdos da
participante.
Porém,
o loureiro não se tratava de imaginação e sim de uma lembrança, uma árvore real
que fazia parte das memórias de sua infância, passada no quintal da casa de uma
tia querida, chamada Apolônia. Apesar da
vívida lembrança do vasto quintal, com flores e árvores de espécies variadas,
grandes e maravilhosas, o loureiro era a imagem que teimava em representá-la na
atividade solicitada.
Uai, gente!
Durante
a sessão sentiu uma imensa saudade de si mesma e um forte ardor no estômago. O
mal estar perdurou e a obrigou a ingerir um medicamento. Costumava tomar
daquele tipo de remédio, mas pela primeira vez teve necessidade dar uma
olhadinha na bula. Com surpresa, leu que o remédio era feito de louro. Uai,
gente!!
Mais
tarde, a viu uma postagem na internet uma reportagem sobre o louro e suas propriedades
curativas e de harmonização energética em ambientes e corporais. A noite, ao
assistir a uma aula de mitologia, o tema estudado foi o mito de Dafne, uma
ninfa transformada em um loureiro para fugir do deus Apolo. Eu, hein!! Como assim? O remédio, os nomes e o
mito!
Mito
pessoal revelado! E Agora?
Amplificação
do símbolo é necessária ao processo e
com Arteterapia para ficar melhor, mais bonito e mais gostoso! Tudo mudou de figura e um sentido incrível começou
a transparecer, num descortinar de véus. Sincronicidades numa sequência
avassaladora, logo após o atendimento arteterapêutico, com sensações físicas,
emocionais e significativas para a pessoa que as vivenciou, possibilitando um
diálogo intenso com conteúdos profundos e o reconhecimento do mito pessoal, de
extrema importância para o desenvolvimento do processo de individuação que se
iniciara. Muitos trabalhos de desenho, pinturas e SoulCollage® foram elaborados
após a vivência.
Sabemos
que teoria e embasamento do conhecimento são importantes para a compreensão do nosso
universo pessoal e o coletivo e, podendo associá-lo ao fazer artístico da Arteterapia,
coagulando as imagens vindas das vivências, dão ainda mais sentido às nossas
vidas, possibilitando o autoconhecimento e a individuação.
Desta
forma, convido a todos para nos entregarmos ao cotidiano com mais atenção aos
sinais. Convido a percebermos o nosso entorno e voltarmos para conversar mais sobre
as sincronicidades e a Arteterapia com
ferramentas que ajudam a trazer nossos conteúdos à tona, com a beleza da arte e
a sabedoria da psicologia analítica.
Até
breve, com a Graça de Deus e das sincronicidades!
Referência Bibliográfica:
JUNG,C.G. OC., Sincronicidade 8/3, 21a. Petrópolis: Vozes, 2014.
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JUNG,C.G. OC., Sincronicidade 8/3, 21a. Petrópolis: Vozes, 2014.
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Sobre
a autora: Andréa Goulart de Carvalho
Arteterapeuta
- AMART 107/0112, afiliada a UBAAT.
Especialista em Psicologia Analítica.
Facilitadora
de SoulCollage®/2015; Artista Plástica;
Atendimento
arteterapêutico individual e em grupos no AME – Arteterapia
Ministrante de
curso introdutório de SoulCollage®
e aulas de desenho nos Ateliês de Artes AGC e AREA
Sincronicidade.
ResponderExcluirObservar o que nos cerca e perceber o quão estamos orientados e guiados. Obrigada por compartilhar seu belo trabalho. Parabéns!
Obrigada pela leitura e pelo seu carinho comigo! Muito grata , desde muito tempo! Bj
ExcluirSincronicidade é a vida dialogando conosco...
ResponderExcluirIsto Cris Recco! Intenso w constante diálogo!
ExcluirBjo
MUITO BOM O TEXTO!
ResponderExcluirACONTECE MUITO COMIGO!
PARABÉNS!