Por Eliana Moraes
elianapsiarte@gmail.com
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“Dizem que a vida é para quem sabe viver,
mas ninguém nasce pronto. A vida é para quem é corajoso o suficiente para
arriscar e humilde o bastante para aprender.” Clarice Lispector
Os textos deste blog em geral
são escritos na primeira pessoa, pois sua proposta inicial é registrarmos nosso
dia a dia de estudo, prática e reflexões. Mas hoje em especial o texto se
configura autobiográfico. As pessoas próximas a mim sabem o quanto faço da
ocasião do meu aniversário uma
experiência*, cada ano em sua singularidade.
Na última semana completei 32 anos
de idade e esta data me convidou a celebrar minha biografia, sobretudo neste
último ano. 2016 trouxe intensos movimentos, provocando grandes transformações
em minha vida, externas e internas. E só Clarice, escritora que frequentemente
me presenteia com seu dom, poderia ilustrar este meu processo de vida, não tão
doce mas profundo, destacando dois verbos que o resumem: arriscar e aprender.
Mas todo este processo só foi
possível como foi, porque nele existia um “espaço sagrado”: o curso “Conhecendo os materiais e aprendo a
usá-los” que em seguida caminhou para o “Ateliê
para Arteterpeutas” mantido pela Flávia Hargreaves.
Sou arteterapeuta e trabalho
diariamente oferecendo a arte como meio de linguagem e agente de transformações
para meus pacientes. Mas este ano tive a privilégio de ter um espaço que eu
autorizasse e confiasse para que eu investisse meu tempo e energia em um
encontro pessoal com os materiais e ter uma experiência com minha própria produção de imagens. Este lugar me
deu a oportunidade de, em meio à tantos pontos de interrogação, revalidar o sentido da Arteterapia para mim, não
“somente” pela teoria buscada e estudada, mas por vivê-la. E sim, eu acredito na Arteterapia!
Durante o processo de gestação
deste texto, que se estendeu por três semanas, pude revisitar meus trabalhos desde maio até aqui,
e ao colocá-los lado a lado pude contemplar como todo meu processo foi
registrado nas imagens produzidas neste espaço sagrado, em paralelo com os
acontecimentos da minha biografia. Símbolos que nasceram de forma espontânea,
estimulados pelas potências de cores e formas.
Através da pluralidade das
técnicas e materiais oferecidos o elemento base das imagens, o triângulo
amarelo sem ponta com sua base em um círculo azul e com alguma participação do
laranja, foi emergindo, repetindo-se,
desenvolvendo-se, caminhando, ressiginificando-se, até chegar na última semana,
uma imagem de integração: uma forma que busca equilíbrio e raízes – meu desejo
para os próximos tempos.
Esta sequência de trabalhos é
o registro de um intenso processo, carregado de símbolos espontâneos, com
profundas elaborações internas e externas, espelhado pelas imagens que
transbordaram de mim.
Embasamentos
teóricos
Envolvida com tantas reflexões e buscando compreender um
pouco mais sobre este processo tão pessoal, encontrei estruturação teórica em
uma autora que tanto tem me feito pensar nos últimos tempos, Fayga Ostrower:
“... criar corresponde a um formar, um dar
forma a alguma coisa... Toda forma é
forma de comunicação ao mesmo tempo que forma de realização. Ela
corresponde, ainda, a aspectos
expressivos de um desenvolvimento anterior na pessoa, refletindo processos
de crescimento e de maturação cujos níveis integrativos consideramos
indispensáveis para a realização das potencialidades criativas.” (OSTROWER, p
5)
“Acompanhando o nosso fazer... a tensão psíquica se transmuta em forma
física. Desempenha, assim, a função a um tempo estrutural e expressiva,
pois é em termos de intensidade,
emocional e intelectual, que as formas se configuram e nos afetam.”
(OSTROWER, p 28)
“Trata-se de formas significativas...
porque através da matéria assim configurada o conteúdo expressivo se torna passível de comunicação.” (OSTROWER,
p 33)
Naturalmente este processo
proporcionou um efeito singular em minha análise pessoal. Sinto-me bem acolhida
por meu analista, que mesmo lacaniano, acolhe amorosamente quando digo que a
imagem tem um papel fundamental em minha linguagem. A teoria da arte nos ampara
nessa percepção de que a palavra é uma
forma de expressão, mas não a única:
“Traduzir em formas mentais, não significa
necessariamente pensar com palavras... a
palavra é uma forma e, por ser forma, abrange níveis de significação... além das verbais existem outras formas.
São ordenações de uma matéria, formas igualmente simbólicas cujo conteúdo
expressivo se comunica.” (OSTROWER, p 35)
Percebo que aqueles que de fato
experimentaram um encontro com a Arteterapia vivenciam com mais clareza os
limites da palavra. E em seu processo terapêutico sentem a necessidade de
materializar e dar forma às suas questões. Em Fayga encontrei a expressão que
me responde sobre o papel da produção de imagens dentro de um setting
terapêutico, pois ela funciona como a:
“...
objetivação da linguagem pela matéria
constitui em referencial básico para a comunicação... A matéria objetivando a linguagem, é uma condição indispensável
para podermos avaliar as ordenações e compreender o seu sentido... Sem ter a
matéria presente, isto é, sem condições de objetivar a linguagem, as eventuais
contribuições subjetivas se desvalorizam, ou seja, não chegam a se
concretizar.” (OSTROWER, p 37)
Para o arteterapeuta, fazer um
mergulho em sua própria produção de imagens e demorar-se neste diálogo consigo
mesmo é essencial para sua estruturação e contornos pessoais mas também para
lhe dar subsídios para sua atuação no setting arteterapêutico e evitar:
“... um fenômeno chamado de ‘síndrome de
clinificação do arteterapeuta’... descrita como um processo através do qual o
arteterapeuta ‘gradualmente absorve as habilidades características de outros
clínicos, enquanto, ao mesmo tempo, o investimento e a prática da arte
declinam’. (Allen, 1992)
Afastando-se da sua especificidade (a
utilização da arte como terapia), o profissional tenderia a lançar mão de
intervenções verbais cada vez com mais frequência, descaracterizando o seu
trabalho, caindo na interpretação das imagens produzidas pelo paciente.
Enfatizando a verbalização, o terapeuta desestimularia o investimento do
paciente na produção plástica que se tornaria cada vez mais rudimentar. O
potencial transformador da linguagem plástica se esvazia neste contexto, já que
cada vez menos energia envolvida na produção de imagens e sem energia não pode
haver transformação.” (SANTOS, 31)
Concluo agradecendo à Flávia
Hargreaves por sustentar este espaço sagrado e às minhas companheiras de
ateliê, que juntas constelamos um fenômeno grupal, sobretudo, de generosidade.
* Ver texto escrito nesta
mesma época, ano passado: “Salvador Dali e Manoel de Barros em diálogo por um
aniversário” < http://nao-palavra.blogspot.com.br/2015/10/salvador-dali-e-manoel-de-marros-em.html >
Referências Bibliográficas:
OSTROWER, Fayga. Criatividade e Processos de Criação. 12ª ed. Petrópolis, Editora Vozes, 1997.SANTOS, Marco Antônio. O ateliê e a construção da identidade do arteterapeuta in Revista Imagens da Transformação, vol 1. Belo Horizonte, Editora LUZAZUL Editorial, 1994.
Caso tenha dificuldades em postar seu comentário, nos envie por e-mail que nós publicaremos no blog: naopalavra@gmail.com
Muito bom texto.
ResponderExcluirRealmente, manter o diálogo a partir das obras e dá produção própria é o mais correto em arteterapia. A produção artística a meu ver, é como uma planilha, um mapa, que mostra tudo de uma vez.A leitura e interpretação dessa planilha ou mapa é um caminho que devemos trilhar junto com nosso cliente e sem esquecer as especificidades do fazer artístico
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