segunda-feira, 3 de julho de 2017

UM MERGULHO NA INTIMIDADE DO BRINCAR: Arteterapia com bebês

Por Maria Matina - RJ, atualmente residindo em Portugal
matinarte@gmail.com


“Acho que o quintal onde a gente brincou é maior do que a cidade. A gente só descobre isso depois de grande. A gente descobre que o tamanho das coisas há que ser medido pela intimidade que temos com as coisas. Há de ser como acontece com o amor. Assim, as pedrinhas do nosso quintal são sempre maiores do que as outras pedras do mundo. Justo pelo motivo da intimidade.”  Manoel de Barros

É com um sentimento de gratidão enorme em meu peito que volto ao Não Palavra para seguir falando sobre o universo do bebês, esse universo em que temos tanto para aprender e que cada vez percepciono de forma mais ampla e intensa.

No meu texto anterior “Aprendendo a ver a arte com os bebês” (CLIQUE AQUI) comentei que: “o primeiro passo para trabalhar com os bebês foi me abrir à percepção deles, me ‘despir’ das minhas defesas e rigores, me permitir brincar e me relacionar. Ao estarmos dispostos a nos relacionar abrimos o caminho para a troca. É importante estar consciente de que tudo é novo e fascinante para o bebê e que o aprendizado e interesse podem estar em tudo (na brisa, no olhar, na textura, no som, na sombra, no sabor, etc)”  e desde que escrevi esse texto vejo que dar forma escrita a minha prática me fez observá-la de maneira muito mais profunda e crítica.

A partir desse meu olhar desperto, inspirado nos bebês, venho sendo abençoada por encontros e oportunidades gratificantes de estar em contato com pensadores e fazedores de arte para bebês. E isso tem sido um sinal magnífico de estar caminhando no sentido certo, e o mais importante de tudo, não me sentir só nesse caminho! Sei que somos muitos e estou maravilhada de nos reconhecermos.

O primeiro trabalho que tive o privilégio de conhecer me foi apresentado de forma despretensiosa em uma livraria portuguesa, como um conteúdo que pudesse me interessar já que sempre busco livros e materiais para utilizar no trabalho com bebês, mas quando conheci o “Manual para a Construção de Jardins Interiores” da Companhia de Música Teatral, fiquei em êxtase, estava diante de uma joia, era o sonho de consumo de qualquer pessoa que trabalha com arte para a infância, nesse livro estão compactados quatro anos de pesquisa e prática da companhia, descrito em detalhe todo o processo de idealização, preparação e as possibilidades de execução.

Manual para Construção do Jardim Interior e Ecos de Opus Tutti. Portugal

Parti da livraria com o desejo de conhecer mais sobre esse trabalho incrível que ainda não conhecia mas já sabia que adorava. Naveguei na internet e fui conhecendo mais sobre os diferentes espetáculos da companhia e já percebi que utilizavam uma linguagem cênica diferente do que eu já havia visto, um olhar focado no bebê tanto sonora quanto plasticamente, fui ficando cada vez mais encantada.

Passados alguns meses vi, através da mesma livraria, que estavam oferecendo uma ‘formação transitiva de música para a infância’ e corri para me inscrever, felizmente fui aceita e pude conhecer mais de perto esse trabalho magnífico. A formação consistia em três oficinas focadas em três diferentes espetáculos da Companhia (Bebé PlimPlim, Colos de Música e SuperSonics) nesses encontros eram apresentados parte do repertório dos shows, e compartilhado o pensamento e forma de atuar que o OPUS TUTTI apresenta, com o intuito de difundir essa ideia e fazer germinar e frutificar a maneira de se trabalhar a arte na infância.

“Espetáculo Alibabach”, espetáculo interativo para bebês - Portugal

“Os bebês 'cantam' antes de falar e 'dançam' antes de andar. Somos seres musicais. Albergamos nos corpos ritmos e vozes de outros que não nos pertencem. Pulsamos memórias coletivas que estão muito para além das crenças, dos conhecimentos, das palavras e da realidade vulgar. Nasce-se para contactar.” Paulo Maria Rodrigues e Helena Rodrigues

E nessa formação tive a oportunidade de ver brotar na minha frente a música a partir de uma folha de papel, a comunicação através da dança e a fala através do som, vi e senti ali a arte que surge do encontro, e o encontro enquanto cerne do trabalho. Finalmente comprei meu "Manual para a Construção de Jardins Interiores" e estava feliz mergulhando pouco a pouco nesse saber.

Em junho deste ano voltei ao Rio de Janeiro a trabalho, depois de ter estado 10 meses fora do Brasil acumulei em mim toda a saudade do mundo, o desejo do encontro e do estar perto de amigos, cheiros e corpos, saudade dos abraços e das risadas. Então, na semana da minha chegada já comecei a planejar um final de semana para matar saudades entre um trabalho e outro. E assim foi meu domingo, dia 18/06, comecei o dia conhecendo o Museu do Amanhã e fiquei absolutamente encantada com aqueles tecidos dançantes, que se transformavam em tudo que minha mente pudesse imaginar, de bichos a bailarinos, e eram apenas dois tecidos com o vento e a ação do caos em seu dançar. Estava na companhia da minha família, com meu sobrinho e afilhado explorando esse Museu e de lá seguimos para a Caixa Econômica Cultural onde iríamos assistir um teatro para bebês "Achadouros", eu estava eufórica com a possibilidade de ver uma peça de teatro para bebês, felizmente chegamos com bastante antecedência e conseguimos pegar senha. Mal sabia eu que ia me deparar com uma poesia em forma de teatro, uma peça em forma de toque, aquele toque mágico na alma e no coração.

Antes da peça começar o José Regino, diretor da peça, preparou o público com uma fala fundamental, pedindo sabiamente que os pais resistissem a tentação de direcionar o olhar dos bebês, que os deixassem livres para absorver a experiência da forma que fossem capazes, ou que fosse interessante pra eles. Lembrando que a peça não era interativa e portanto os bebês não poderiam se aproximar do cenário.

Entramos no teatro e me deparei com um cenário forrado de sacos plásticos, percebi que já me sentia em casa, era uma peça que já falava a minha língua. O espetáculo iniciou e cada vez fui me encantando mais, as duas atrizes Caísa Tibúrcio e Nara Faria iniciaram uma interação de encantamento e descoberta com o espaço e com a plateia, representando o olhar dos bebês e das crianças sobre o mundo. Assim, gradativamente todo o público estava conectado com elas vivenciando todas as descobertas e achadouros do universo da criança e da poesia de Manuel de Barros.

"Achadouros", teatro para bebês. Brasil

E foi através desse olhar compartilhado que dos sacos de plástico surgiu uma galinha, um cachorro, um peixe, um rebanho de ovelhas, uma revoada de borboletas, o fundo do mar, o céu e o infinito, esse infinito mágico da intimidade e esse encantamento do olhar lúdico sobre o mundo. Saí de lá levitando de felicidade e para completar minha alegria pude ir na terça-feira no bate papo com José Regino, e ouvir por três horas a história por detrás daquela bela peça e os caminhos para a chegada no teatro para bebês.

Oficina: Desmontagem artística - Teatro para a primeira infância - Brasil
E eu que estava engatinhando no trabalho para bebês hoje me sinto mergulhando de cabeça nesse universo encantado, agradecida pela oportunidade de receber tanto de todos esses profissionais e tentando compartilhar um pouco da minha descoberta com vocês. Muito feliz de ter a certeza de que hoje somos muitos que olhamos para infância com o intuito de aprender mais do que ensinar, e que percebemos que o trabalho com bebês se faz pela verdade e pelo afeto.


Referências Bibliográficas:


Companhia de Música Teatral , Projecto Opus Tutti , ‘Manual para Construção de Jardins Interiores’, Fundação Calouste Gulbenkian, 2016, Portugal.


Companhia de Música Teatral , Projecto Opus Tutti, ‘Ecos de Opus Tutti: Arte Para a Infância e Desenvolvimento Social e Humano’, Fundação Calouste Gulbenkian, 2016, Portugal.


Site Grupo Germinarte- Portugal CLIQUE AQUI
Canal you tube, OPUS TUTTI CLIQUEAQUI
Site da peça Achadouros CLIQUE AQUI
Peça ‘Achadouros’ - Brasil CLIQUE AQUI


Caso você tenha se identificado com a proposta do “Não palavra abre as portas” e se sinta motivado a aceitar o nosso convite, escreva para naopalavra@gmail.com

Assim poderemos iniciar nosso contato para maiores esclarecimentos quanto à proposta, ao formato do texto e quem sabe para um amadurecimento da sua ideia.



A Equipe Não Palavra te aguarda!

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Sobre a autora: Maria Matina



Maria Matina é artista, educadora e arteterapeuta, nasceu no Rio de Janeiro numa família de artistas. É coordenadora e co-fundadora da Casa Benet Domingo, atualmente divide-se entre a Europa e o Brasil realizando projetos artísticos e culturais e em busca de parcerias institucionais para a Casa.

segunda-feira, 26 de junho de 2017

UMA ARTE QUE NOS SALVE DA LOUCURA DESTES TEMPOS: DADAÍSMO E ARTETERAPIA


Por Eliana Moraes
naopalavra@gmail.com
No último dia nove estive no II Congresso de Clínica Junguiana e Arteterapia: Tradições e História da Arte, realizado pela Universidade Veiga de Almeida no período de sete a onze de junho. Neste dia tive a oportunidade de compartilhar pela primeira vez, de forma mais estruturada, um tema que tem me atravessado e feito parte de minhas reflexões profissionais e pessoais. Alguns fragmentos desta reflexão já venho compartilhando em aulas e supervisões de Arteterapia oferecidas por mim, em alguns posts de conteúdo na fan page do Não Palavra e em textos anteriores, que hoje vejo como embrionários da articulação que vem tomando forma: “Política e Arteterapia: Plateia e Canção”  (CLIQUE AQUI) e “O mundo necessita de arte” (CLIQUE AQUI). O texto de hoje se dá como seguimento desta articulação.

Há cerca de um ano comecei a experimentar uma sensação que tenho certeza, também é sentida por outras pessoas. Atualmente, quando sentamos para assistir um jornal ou nos informarmos sobre o que está acontecendo no mundo, no nosso pais, estado, município, experimentamos uma sensação de estranheza. Se fôssemos enumerar cada um dos fatos que nos estarrecem, nas mais variadas esferas e seguimentos, faltaria tempo e espaço, tamanha avalanche de conteúdos e velocidade de acontecimentos.

Profundamente atravessada neste contemplar do mundo em que vivo, encontrei na História da Arte algum eco para minhas inquietações. Afinal, segundo Nise da Silveira:
“O artista é ‘um homem coletivo que exprime a alma inconsciente e ativa da humanidade’. No mistério do ato criador, o artista mergulha até as funduras imensas do inconsciente. Ele dá forma e traduz na linguagem de seu tempo as intuições primordiais e assim, fazendo, torna acessíveis a todos as fontes profundas da vida.” (SILVEIRA, 2007)
O Dadaísmo
"Dadá é um estado de espírito" Breton (ADES)
Não por acaso retomei meus estudos sobre o movimento dadaísta, já há algum tempo adormecidos e lembrei-me de uma de suas características fundamentais: a função política exercida por este movimento ao expressar o grito contido diante do horror da I Guerra Mundial e também, através de seus processos criativos, a busca de algum possível.
O questionamento dos dadaístas era: “Para onde o excesso de razão nos levou?”, fazendo crítica à exaltação da razão, característica dos pensamentos filosóficos dos séculos anteriores, com raízes no iluminismo. Acreditavam que as últimas consequências desta cultura culminava na guerra produzida pelos seres humanos daqueles tempos. Alguns destes artistas inclusive foram convocados para os frontes da batalha e voltavam absurdados com o que viam. Assim, nas palavras de Arp:
Em Zurique, em 1915, tendo perdido o interesse pelos matadouros da guerra mundial, voltamo-nos para as Belas Artes. Enquanto o troar da artilharia se escutava a distância, colávamos, recitávamos, versejávamos, cantávamos com toda nossa alma. Buscávamos uma arte elementar que pensávamos, salvasse a espécie humana da loucura desses tempos.”
(ADES)
O dadaísmo ficou conhecido por suas performances barulhentas e provocativas exibidas na casa noturna Cabaret Voltaire. Promovendo a incoerência em detrimento do sentido, os dadaístas atacavam a crença de que a sociedade podia usar a lógica e a ciência para resolver qualquer problema. (FARTHINHG) Conta-se que ao serem indagados sobre a loucura daqueles espetáculos nonsense, em contrapartida questionavam se a loucura estava neles ou nos seres humanos que se matavam e destruíam.


As expressões e obras destes artistas traziam como premissa a desconstrução do tradicionalismo, a quebra do estabelecido. Grandes exemplos são os “ready mades” de Duchamp, aos quais partia de objetos funcionais fabricados industrialmente exibidos com pouca ou nenhuma alteração, mas assinados como obras de arte. Duas das obras mais representativas do dadaísmo: “A fonte” e “A roda de bicicleta”:




Um observador desatento poderia questionar “isso é arte?” De fato, desafiar as ideias pré-concebidas sobre a definição de arte era uma das motivações de Duchamp. Além disto, quando compreendemos seu  contexto, podemos visualizar o conceito da obra e a mensagem dada pelo artista sobre a necessidade de uma desconstrução do que o ser humano havia estabelecido até ali, e assim concluímos: é arte. Ao lançar mão de um mictório, virá-lo de cabeça para baixo e chama-lo de fonte ou ao pousar uma roda de bicicleta em cima de um banco, Duchamp, sutil mas provocativamente, descontruía as invenções humanas e as concepções instituídas.  
Através de seus processos criativos, os dadaístas também exploravam e manifestavam seus movimentos em busca de outros caminhos possíveis para além da razão. Trabalhos movidos pelo acaso, o caos, o não controle, não racionalização e não escolha. Bom exemplo são as colagens de Arp, que em seu processo criativo rasgava desenhos em pedaços e deixava que os fragmentos caíssem, formando um novo padrão, convidando assim o acaso para suas composições.

Em Berlim, o Dadá assumiu uma forma mais ostensiva e política. A invenção da fotomontagem a partir de recortes de jornais e fotografias, usando materiais visuais do mundo à volta e do ambiente familiar, tornou-se uma arma política incisiva e mordaz.  (ADES). Podemos citar as fotomontagens de Raoul Hausmann que criava fotomontagens abordando eventos políticos contemporâneos e ao mesmo tempo desafiavam o estilo mais representativo dos expressionistas. (FARTHING)


Vejo aqui um simbolismo muito interessante a ser pensado, pois a partir do processo criativo da colagem, que tanto ganhou força neste período (no dadaísmo mas também a partir do cubismo), os artistas intuitivamente começavam através da arte  gerar movimentos  que reverberariam no coletivo. Buscando algum possível, através da colagem os artistas fracionavam, selecionavam elementos fragmentados, rejuntavam, recompunham, reinventavam, ressignificavam. Processo que instiga a resiliência, individual e coletiva, movimentos que seres humanos atravessados pelas destruições das guerras, mais do que nunca necessitariam acessar.

A loucura e os artistas de nossos tempos



Tomando como inspiração o movimento dadaísta, acredito que devemos pensar sobre a loucura e os artistas de nossos tempos. E esta reflexão me tocou de forma especial quando soube da manifestação feita pelos funcionários do Theatro Municipal do Rio de Janeiro no dia nove de maio deste ano. Estes artistas de nossos tempos estão impossibilitados de gerir suas vidas e inclusive irem ao trabalho pois não recebem seus salários há meses, consequência de um estado falido, como todos sabemos, pelo enlouquecimento de nossos governantes (e naturalmente, a arte é apenas um dos seguimentos afetados). Não pude estar presente neste dia, mas me dediquei por alguns instantes a pesquisar os registros deste evento na internet (sugiro que o leitor também o faça) e conversar com pessoas que estiveram presentes. Os relatos são unânimes sobre o quão impactante foi este protesto em forma de espetáculo. E particularmente fiquei muito emocionada quando assisti o vídeo de um dos discursos proferidos na manifestação:
"... viemos mostrar nossa indignação da maneira que nós sabemos: fazendo arte. Porque o povo que não cuida da sua cultura é um povo sem identidade... Então nós viemos aqui da maneira mais lúdica possível, gritar a nossa indignação, o nosso horror, fazendo arte. Trazendo para vocês música, canto e dança. Que é o que nós sabemos fazer e queremos voltar a fazer dentro desta casa que é tão amada e tão respeitada pela população do Rio de Janeiro e do nosso país.“

                  (Para assistir o discurso completo CLIQUE AQUI)

Outro grande artista brasileiro que tem me orientado nestes tempos de estranheza é Oswaldo Montenegro que em seu poema “Metade” reconhece o poder da arte quando nos sentimos fragmentados:
“Que a arte nos aponte uma resposta
mesmo que ela não saiba
e que ninguém a tente complicar
porque é preciso simplicidade pra fazê-la florescer

porque metade de mim é plateia
e a outra metade é canção.”


O papel político da Arteterapia na atualidade


A partir de todas estas referências, vejo como essencial que seja pensado o ofício do arteterapeuta no cenário atual: alguém que oferece ao social e aos indivíduos um continente suportado pela transferência em que a arte servirá como linguagem diante da estranheza e como busca de possíveis caminhos.
O exercício da arte mobiliza emoções, expressões, tomadas de consciência, senso crítico, pensamentos, ações, movimentos internos e externos, individuais e coletivos. Assim considero que a Arteterapia coopera para saúde de sujeitos atravessados por seus horrores e para que voltem para o social em si, aptos a contribuírem para que "a roda gire para o outro lado".
É imperativo que nós arteterapeutas tomemos consciência sobre a "loucura dos nossos tempos" e munidos da sensibilidade do artista aos quais guardamos no peito, sejamos movidos a protestar e contribuir para o social, a partir das mais variadas modalidades em Arteterapia, através daquilo que sabemos fazer: arte.
Hoje enxergo com mais clareza as palavras que escrevi no texto que iniciou esta reflexão há pouco mais de um ano:
Neste contexto, descobri a resposta para as minhas perguntas pessoais sobre qual é o meu papel como cidadã brasileira neste cenário cheio de nuances e perspectivas, pouco exploradas. Para além do imperativo de um posicionamento partidário e ideológico, perante a pergunta: “Qual é seu posicionamento político?” eu respondo: ‘Sou arteterapeuta’

Em meu ofício como arteterapeuta promovo um espaço de afeto e acolhimento em meio ao clima de ódio. Quando as relações humanas estão em crise, promovo um grupo arteterapêutico em que os participantes se pensam em suas relações interpessoais no grupo e no coletivo. Enquanto o ser humano produz para si o caos e o sofrimento, promovo um espaço em que produzem arte!” (MORAES)
Reconhecer e me apoderar do papel poilítico da Arteterapia nos dias atuais é o meu possível, a orientação que encontrei para meu estar e agir no mundo em que habito. Sigo acreditando que minha micropolítica é "simples", e Oswaldo Montenegro me lembra que é preciso simplicidade para que a arte possa florescer. Assim me considero lutando diante da guerra em que vivemos atualmente, não uma guerra nomeada, mas justamente tão perigosa por não ser declarada.
Aos arteterapeutas que possam se identificar com esta reflexão, lembro que se o movimento “... dada era um modo de ser, e o melhor palco para o dadaísta era a vida...” (BRADLEY), da mesma forma ser arteterapeuta é um modo de ser, e o melhor palco para o arteterapeuta é a vida.
Quanto a mim, a articulação sobre este tema ainda não se esgotou. Sigo pensando sobre ele e compartilhando nos espaços virtuais e presenciais do Não Palavra. Sua companhia é bem vinda! Hoje estarei em Niterói, no Espaço Seyva Atelier com a palestra vivencial "Uma arte que nos salve da loucura destes tempos".

E para continuar acompanhando este percurso,  se inscreva na nossa mala direta: naopalavra@gmail.com

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Referências Bibliográficas:
ADES in STANGOS, Nikos. Conceitos da Arte Moderna.
BRADLEY, Fiona. "Surrealismo - Movimentos da Arte Moderna".

FARTHING, Stephen. Tudo sobre arte: Os movimentos e as obras mais importantes de todos os tempos.
MORAES, Eliana. Política e Arteterapia: Plateia e Canção.
SILVEIRA, Nise. Jung Vida e Obra. 2007.


segunda-feira, 19 de junho de 2017

NEM SÓ DE LEMBRANÇAS DEVE VIVER UM IDOSO



Por Juliana Ohy
Site: www.julianaohy.com.br
Email: julianaohy@gmail.com



            Muitas vezes as decepções e tristezas da historia de vida de um idoso não permitem que o diálogo surja. A arte vem para preencher essa lacuna.

            Quando pintamos uma mandala, nos acalmamos, nos centramos e desviamos a energia vital para algo produtivo e não somente para lembranças e amarguras passadas. A pintura é como um mantra de cores, em que movimentos são repetidos com alternância de tons e ritmos.

            Quando pedimos a um idoso que nos ensine a cozinhar, a dirigir, a costurar, a ler, a ter paciência, estamos tirando-o do lugar comum do passado e trazendo-o para o presente, dando função, fazendo-o enxergar que vale a pena viver agora e não só de lembranças passadas.

            É preciso flexibilizar o terapêutico. Nem sempre a melhora vem através da fala, do resgate do antigo, muitas vezes vem do silêncio e do movimento.

            Em um dos trabalhos que faço em uma casa de repouso para idosos, acredito que meu atendimento, muitas vezes silencioso, possa causar curiosidade em quem observa. Quando necessário, minha sessão se limita ao toque, ao olhar e a proposta arteterapêutica. A transformação emocional é imediata.

            Quantos de nós passamos um dia inteiro sem silenciar e tampouco voltar a consciência para dentro. Uma sessão de arteterapia em que o silêncio impera e o fazer transforma, a fala torna-se complemento apenas. A arte transforma aquele que se entrega a ela, sem resistência. Posso dizer que a ‘fala’ é o elo entre o passado e o presente, entre o fato e a lembrança: Falo daquilo que vivi! A arte é elo entre o Eu e o presente: Faço o que sou!

O que percebo é que construímos estigmas e marcas ao longo da nossa história e, muitas vezes, estes se dão pela linguagem verbal. Muitas discussões, conflitos e incômodos da história podem ser pautados por palavras e ter outro instrumento que não seja a fala, para trabalharmos o emocional, é crucial nessas ocasiões.

“Há tesouros imensos ocultos no seio de todas as montanhas e no ventre de todos os rios; porém, nenhum tão valioso quanto o que se oculta no âmago de cada criatura humana. Todavia é mais fácil remover as montanhas e desviar os rios do que garimpar no próprio ser” (HENRIQUE MATTEUCCI, apud GODOY, 2015).

Através da arte é possível aterrissar no ‘aqui e agora’ e fazer o que se pode. A terapia com idosos nem sempre deve se basear apenas nas suas lembranças. A velhice tem um vasto potencial para criar o novo, porém dificilmente essa habilidade é estimulada, baseado na premissa de que aqueles que já viveram muitos anos têm mais a contar do que a criar.

Estimulem os idosos a criarem, criarem textos, palavras, imagens e por que não, alternativas, possibilidades, soluções. A rigidez não é condição "sine qua non" do envelhecimento.

A psicoterapia e a arteterapia estão cada vez mais atuantes para a população idosa, pois entende-se que a capacidade de autoconhecimento e transformação é ilimitada e a criatividade preenche a lacuna que aumenta com o passar dos anos, se a pessoa permanecer vivendo apenas de lembranças.

“O que passou fugiu, o que você espera está ausente, mas o presente é seu” (Provérbio árabe).


             
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Referências Bibliográficas

GODOY, Lucy. Terceira idade... Que idade é essa? Buscando qualidade de vida. Rio de Janeiro: Wak Editora, 2015.

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Sobre a autora: Juliana Ohy



Formação:
Psicóloga, Arteterapeuta, Psicopedagoga, Especializada em Psicogeriatria e Mestre em Saúde Mental (IPUB-UFRJ)

Área de atuação/projetos/trabalhos:
Sócia-diretora do Instituto da Mente, Pesquisadora do núcleo de Depressão em idosos da UFRJ, Professora dos cursos Arte e Cognição: Estimulando o cérebro
através da arte e Jogos Cognitivos, Membro da equipe e professora do curso Neurociências da Educação do CBI of Miami e Palestrante na área de Neurociências, Gerontologia e Arteterapia.

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Este é o segundo texto de Juliana para o Não Palavra.
Para ler o primeiro CLIQUE AQUI

segunda-feira, 12 de junho de 2017

A MAGIA DAS MANDALAS



Por Janaína de Almeida Sérvulo
janainaservulo@gmail.com


Entre tantas técnicas utilizadas na arteterapia, tenho um encantamento especial pelas mandalas e será sobre elas que irei falar hoje. O texto a seguir foi elaborado a partir da minha apostila do curso “Oficina de Mandalas”, voltado para profissionais da saúde e da educação, e para o público em geral interessado no autoconhecimento.


A palavra mandala vem do sânscrito (língua antiga falada na Índia) e aparece em alguns dicionários como substantivo masculino, significando centro, círculo mágico, símbolo de totalidade e harmonia e da integração do homem com o cosmos.  Pelo costume e para evitar o estranhamento geral, optei por usar aqui o feminino, uma vez que é assim também que a palavra se apresenta na maior parte da literatura sobre o assunto.

Em muitas culturas, as mandalas fizeram parte da expressão religiosa e artística, sendo observadas desde as pinturas rupestres (arte pré-histórica). Já na área terapêutica, foi Carl Gustav Jung, psiquiatra suíco, o primeiro a utilizá-las enquanto instrumentos que facilitam a estruturação psíquica.

Durante os anos de 1918 a 1919, Jung fez mandalas diariamente e percebeu que, sempre que estava em conflito, desenhava uma mandala alterada. Dia a dia, foi observando sua transformação psíquica e percebeu que este instrumento tinha uma eficácia dupla: conservava a ordem psíquica se ela já existia, ou ajudava a restabelecê-la quando ela havia desaparecido.

No cenário brasileiro, Nise da Silveira, psiquiatra precursora no uso da arte nos hospitais psiquiátricos do Rio de Janeiro, observou que essas formações circulares eram muito comuns nas produções artísticas dos seus pacientes esquizofrênicos. Correspondendo-se com Jung, este não teve dúvida que as imagens enviadas por Nise eram mandalas, e que “representavam, no seu ponto de vista, o potencial autocurativo da psique, mobilizado espontaneamente como uma forma natural e não consciente de compensar a dissociação vivida pelos indivíduos que as configuravam”.



Minha história pessoal com as mandalas começou há muitos anos atrás... Inicialmente, eu apenas admirava a beleza e a simetria perfeita destes “círculos mágicos” que, só de olhar, já me acalmavam. Afinal, não é à toa que são muito utilizadas nas meditações e nos rituais de cura...

Mas construir minha própria mandala foi uma experiência intensa e transformadora. Aos poucos, pude perceber que, enquanto eu desenhava, pintava ou colava sementes buscando um traçado organizado e harmônico, meus pensamentos se organizavam e meus sentimentos se harmonizavam. E para cada detalhe que eu precisava reproduzir ao redor do círculo diversas vezes, era necessário um exercício de paciência, atenção, concentração e persistência...



As primeiras não foram fáceis. A autocrítica era implacável e me dizia que não estavam perfeitas, e foi aí que começou meu diálogo com elas... E como elas me ensinaram! Com umas, aprendi que era preciso arriscar mais. Ousar com cores diferentes, formas menos delicadas... Já outras insistiam numa verdadeira explosão de energia e cores, sinalizando em outro momento que era preciso voltar ao meu centro. Em algumas, percebi claramente símbolos surgindo do inconsciente, como recados claros do que eu precisava aprimorar.

Trabalhar com mandalas é, acima de tudo, um diálogo franco consigo mesmo. É exercitar a percepção e a criatividade, e começar a conhecer faces de você mesmo que não viriam à tona de outra forma. Por isso é um recurso tão valioso para ser utilizado na prática clínica, tanto na psicologia como na arteterapia, facilitando a expressão das emoções, a materialização de conflitos e a organização psíquica. Na educação também, afinal, através delas, é possível trabalhar desde a coordenação motora até habilidades fundamentais ao processo de aprendizagem, como percepção, atenção, concentração e persistência.

E você, o que está esperando? Não perca tempo! Experimente e descubra como pode ser transformador construir a sua!



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Referências Bibliográficas:

JUNG, Carl Gustav. Memórias, sonhos e reflexões. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986.
JUNG, Carl Gustav. O Homem e seus Símbolos. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2008.
MELLO, Luiz Carlos. Nise da Silveira: caminhos de uma psiquiatria rebelde. Rio de Janeiro: Automática Edições LTDA, 2014.

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Sobre a autora: Janaína de Almeida Sérvulo



Graduada em Psicologia pela UFMG, com especialização em Arteterapia pela FAVI, em convênio com o INTEGRARTE.
Atua como psicóloga e arteterapeuta em clínica particular em Belo Horizonte-MG e na rede pública da região metropolitana. Experiência de mais de 15 anos com atendimento individual e em grupo a crianças, adolescentes e adultos.
Para conhecer mais sobre seu trabalho, visite a página do facebook: @artisticamente7
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Este é o segundo texto escrito por Janaína para o Não Palavra.
Para ler o primeiro texto CLIQUE AQUI