segunda-feira, 11 de novembro de 2019

SALVADOR DALI E "AS MINHAS GAVETAS INTERNAS"




"Girafa em chamas" Salvador Dali 

Por Claudia Maria Orfei Abe - São Paulo / SP

É com muito entusiasmo que escrevo aqui o meu segundo texto no blog Não Palavra, cuja equipe me acolheu tão bem na minha primeira experiência, com o texto “'O olhar que não se perdeu': diálogos arteterapêuticos entre pai e filha” CLIQUE AQUI

Em fevereiro de 2018, iniciei sessões arteterapêuticas com meu pai e minha tia, num setting terapêutico na casa dele, com sessões estruturadas, temas diversos e experimentações de materiais, com o objetivo de trabalhar a estimulação cognitiva.
Denominei aqui carinhosamente “pai” e “tia” para descrever suas características e participações:

Pai – 85 anos, viúvo há dois anos e meio, cinco filhos, ascendência japonesa, dentista aposentado, caminhando para estágio moderado da Doença de Alzheimer. Faz uso de rivastigmina e sertralina. Tem artrose nos joelhos, utiliza andador, possui certa autonomia e tem cuidadores formais 24 horas. Perdeu a visão do olho direito no início deste ano por causa de glaucoma.

Tia – 93 anos, solteira, sem filhos, ascendência italiana, professora de português aposentada. Estado de saúde bom.

Em 04/outubro/2019, fizemos a sessão de número 57, denominada “Minhas Gavetas Internas”.

Foi a mais longa sessão, com duração de uma hora e quarenta e cinco minutos, comparada com as sessões iniciais que costumavam ter a duração média de meia hora.


Setting arteterapêutico

Iniciei perguntando se eles conheciam o pintor espanhol Salvador Dali. Mostrei a pintura “A Persistência da Memória”, e em seguida trabalhamos com uma fotocópia em preto e branco da obra “Girafa em Chamas”.

Ao perguntar “O que você vê nesta obra?”, pai e tia descreveram literalmente as imagens com detalhes.

Em seguida perguntei: “O que você sente ao ver a obra?”:

Tia: Sinto que se fossem pessoas reais elas estariam sofrendo uma terrível dor.

Pai: Eu acho que é uma deformação humana. O artista estava totalmente alterado com a mente, a visão alterada. Eu sinto que esses dois seres humanos inexistem ao vivo, muito menos a girafa pegando fogo. Um desenho mal inspirado. Um desenho ilógico.

Em seguida perguntei: “O que vocês querem falar sobre as gavetas (na obra)?”:

Tia: Devem estar repletas de alguns materiais: joias, dinheiro, lenços.

Pai: Eu acho que as gavetas contêm a atividade humana.

Pai e tia passaram a construir suas “gavetas internas” utilizando as caixas de fósforos, os retalhos de tecidos e escolhendo peças como puxadores; definiram a montagem e posição das gavetas, abertas ou fechadas.

Meu pai colou o tecido de modo que uma gavetinha não abria... “As suas explicações vieram um pouco tardia...”.

Durante a atividade, pai fala: “Meus trabalhos manuais eram admirados, viu tia, porque eu tinha habilidade (referindo-se ao período escolar quando criança). Os outros alunos nem sabiam pegar na tesoura... eu causava até inveja dos meus colegas de classe. Vou fazer a terceira (gaveta) e depois vou para o recreio”.

“O que você tem ou gostaria de ter nelas? Objetos ou sentimentos?”, perguntei.


Tia: “Gavetas Abertas”
Conteúdos: Anéis, Pulseiras, Colares.
Palavra final: Utilidade


Pai: “Gavetinhas Empilhadas”
Conteúdos: Ideias, Realização da Ideia, Carinho.
Palavra final: Pura Arte
(Utilizou grãos de milho como puxadores, nos dois lados da gaveta que não abria).

Durante o compartilhamento:

Tia: Achei que ficou muito bonito.

Pai: Gavetas - guardam recordações agradáveis e bem sucedidas.

Aproveito para agradecer duas pessoas queridas, Silvia Quaresma e Grace, por terem me presenteado em outra ocasião, com tecidos e peças de bijuterias, os quais foram utilizados nesta sessão.

Esta sessão me chamou muito a atenção pela duração e principalmente porque pude perceber que os dois estavam trabalhando com bastante concentração e calma e pareciam estar apreciando a atividade.

Pela primeira vez, minha tia fica muito satisfeita e contente com o resultado e adora olhar a foto de suas gavetinhas no meu celular, de vez em quando.


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Sobre a autora: Claudia Maria Orfei Abe




Arteterapeuta e Farmacêutica

Farmacêutica-Bioquímica graduada pela UNESP Araraquara-SP.
Especialista em Farmácia Homeopática pela USP-SP.
Especialista em Organização de Serviços em Dependência Química pela UNIFESP-SP.
Especialista em Gestão da Assistência Farmacêutica pela UFSC-Universidade Federal de Santa Catarina-SC
Especialista em Arteterapia e Criatividade pela Faculdade Vicentina-PR  
Focalizadora de Danças Circulares pela Prefeitura do Município de São Paulo-SP

23 comentários:

  1. Nossa, q criatividade, hein, xará arteterapeuta? Parabéns pela atividade!

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  2. Quê bacana, Cláudia.
    Entendo como se sente. Eu também estou com intervenção Arteterapêuta nos cuidados com a minha mãe, em momento posterior, irei divulgar a experiência. Parabéns pela sua ação.

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  3. Claudia sinto que este trabalho que você desenvolve com seu pai traz uma paz muito grande para ele.É uma oportunidade de sentí-lo mais próximo de você. Parabéns por sua dedicação.Com certeza servirá de exemplo para outros que também estão vivenciando esta situação com algum familiar.

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  4. Oi, Clau!
    Tô emocionada!
    Que maravilha!
    Muito amor, cuidado, criatividade...tudo de bom!
    Vocês realizaram uma atividade que mexeu no "passado", mas com esperança no futuro!
    Obrigada por compartilhar!
    Beijão,
    Érica.

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  5. Oi, Clau
    Tô emocionada!
    Que maravilha!
    Muito amor, cuidado, criatividade...tudo de bom!
    Vocês realizaram atividade que "mexeu no passado", mas trouxe esperança no futuro!
    Muito obrigada por compartilhar!
    Beijão,
    Érica.

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  6. Cláudia, bom dia.
    Achei muito interessante esse trabalho. Ele permite externar os sentimentos. Conscientiza, encaixa a alma. Adorei! Parabéns! Beijos.

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  7. Cláudia você é uma pessoa especial! Senti carinho , muito carinho ao ler o seu relato. Você faz a diferença!
    Parabéns!

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  8. Claudia, parabéns! Que sensibilidade criatividade conexões e amor! A gente fica emocionada imaginando as cenas de construção das caixinhas, a concentração deles, a escolha de cada material com todo cuidado.. Um.lindo trabalho e eficaz. .muito Bom!

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  9. É isso q vale a pena nesta vida, interações e conexões de amor!
    "Ontem eles por mim e hj eu por eles!"
    Bacana D+, Claudinha Maria!

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  10. Embecedor ver a reação deles no processo. Fica claro o vínculo que vocês atingiram parabéns a todos! Utilizo a Arterapia com pacientes psicóticos há mais de 30 anos. O material que obtive mais resultado foi com tinta acrílica nas cores primarias em tela pequena,e, uso dos dedos como pinceis;conseguimos trabalhar nelas por ate dez sessões. O resultado da obra é levada para casa ou presenteada a quem o paciente escolher.
    Tudo em prol da melhora do paciente e família é o que importa.
    Beijo Claudia

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  11. Ah! Os monstros sagrados que chamamos de pais... não perdem a chance de nos ensinar...
    Claudia, parabéns por trazer a tona o belo que reside no interior deles...
    Obrigada!!!!

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  12. Lindo trabalho! Conteúdo precisoso dessas gavetas!

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  13. Nossa que legal, Parabéns Cláudia
    A arte é muito importante pra mim.
    Eu viajo muito em pintura, principalmente com esse cara DALÍ.
    Quando tiver outra pode me chamar.
    Grande Abraço para você e o Leonardo.

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  14. Querida, Tenho certeza que Dali... estremeceu, pois na sua excentricidade não enxergou tanta amorosidade, carinho e dedicação na sua obra. Sua vivência nos inspira a revisitar o olhar deste Surrealista. Parabéns sua Fã

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  15. Olá, Cláudia!
    Lendo o texto a sensação que eu tinha é que seu amor ia dobrando a cada explicação. E como se a cura, o instante vivido plenamente, se fizesse graças ao seu amor. Em cada sessão o amor brincando entre você e o seu pai e sua tia. E você crescendo sempre para poder amar e curar através do instante presente.
    A temática de Dali, por si, já é inspiradora e transcendente, as gavetas de nossa alma, o que cada um guarda nelas.
    Parabéns pela sua vontade de viver!!!

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  16. Oi Claudia...
    Muitooooo legal.
    Mais uma vez, o seu pai demonstrou a riqueza da alma humana. Digo alma ou poderia dizer o interior, aquilo que somente é visto com os “Olhos Mágicos” de cada um.
    A beleza da vida está aí, pode ver além do que é mostrado e principalmente expressar sem reservas o que sentimos e o que guardamos nas nossas gavetas.
    O capricho da sua tia é muito singelo, gavetinhas certinhas, arrumadinhas e abertas, mas indicando que ela mostra apenas o que todos podem ver: botões, etc. Suas gavetas internas continuam fechadas e com reservas, e somente ela sabe o que guardam.
    Muito lindo este trabalho que você fez e que lhe deu mais uma oportunidade de conhecer aspectos do seu pai e tia.
    Maria da Penha

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  17. Parabéns Cláudia!!
    Você é muito criativa. Tem a alma de terapeuta e artista.
    Como a arte também salva; você dá vida e doa a sua vida a está nova vocação/missão.
    Que está trajetória de realizações e sucesso perdure.
    Com admiração.
    Lis

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  18. Claudia, sua contribuição é inestimável, ao mesmo tempo sensível e rigorosa, focando em cada detalhe e contextualizando as situações sempre com estímulos de qualdade. Um grande apoio para todos nós, obrigada, Cláudia e parabéns!

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  19. Muito lindo seu trabalho Cláudia ,o que vc faz com seu pai e tia é esplêndido, muito amor e dedicação e a arterapia transformada em amorterapia.

    Amiga admiro vc.

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  20. ELIZ REGINA Lacerda Kruger27 de abril de 2020 às 12:34

    Cláudia, eu gostei demais desse trabalho. Muito sensível a forma como você faz a sua arteterapia. Obrigada por compartilhar. Um abraço! Eliz Regina.

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  21. Estou encantada.Em relação ao seu pai ele esta recebendo oque ele propocionor a todos que conviveram com Ele principalmente sua mae rvoceis filhos.ADOREI Dalva

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  22. Claudia, cumprimentos pelo excelente trabalho executado com seu pai/tia. Muito interessante, produtivo e eficaz, tanto ao paciente como ao aplicador do teste.
    Abs, Neusa V. de Arruda

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