Por Sheila Leite - RJ
Tomo, enfim, a
iniciativa de me inserir no mundo da Arteterapia – com certa precaução, claro,
assim como todo iniciante em novos caminhos. Caminhos esses que não são desconhecidos
totalmente, mas têm novas propostas de atuação. O incentivo maior veio de uma
supervisão que já se estende por quase dois anos, de uma grande profissional e
amiga, Eliana Moraes. O carinho e o valor com os quais ela trata a Arteterapia me
direcionaram ao curso de formação que iniciei. E também ao presente texto.
Pensando bem, as sementes
já tinham sido lançadas alguns anos antes: durante o período de supervisão,
ainda na graduação em Psicologia, na Universidade Estácio de Sá. Dessa vez, com
outra grande mestra, analista Jungiana e arteterapeuta, Maria Cristina
Urrutigaray. Em seu livro “Arteterapia: a transformação pessoal pelas imagens”,
ela cita Jung. É com a mesma citação que dou início ao meu primeiro texto sobre
arteterapia:
Numa época em que toda
a energia disponível é empregada na pesquisa da natureza, pouca atenção se dá
ao essencial humano, isto é, sua psique, ainda que haja muitas pesquisas sobre
suas funções conscientes. Mas sua parte realmente desconhecida, que produz os
símbolos, continua sendo terra desconhecida. (JUNG in URRUTIGARY,
2011, p.14)
A intensidade da
energia psíquica não pode ser verificada e nem medida, mas pode ser observada
quando se volta para alguma ação, pensamento ou atitude. Isso porque, naquele
instante, ela está sendo direcionada a um ponto específico. Dependendo da
direção, pode estar em um movimento de regressão, levando a pessoa a novas
possibilidades de desenvolvimento ou a um movimento de progressão, promovendo a
sua adaptação ao mundo.
Tal energia é vista por nós, por nossa consciência,
através das imagens que são geradas em nosso inconsciente e que se manifestam
por representações mentais. Nós somos seres psíquicos e somáticos – portanto, a psique atua no corpo e
este atua na psique.
Com as técnicas trazidas pela Arteterapia, o corpo vai
propiciar à psique diferentes formas de comunicação, facilitando a sua manifestação
simbólica nas imagens que são produzidas por ele.
Por símbolo,
devemos entender algo, seja na forma de um termo, um conceito ou mesmo uma
imagem que, apesar de nos parecer familiar, pode alcançar outras conotações
diferentes de seu significado evidente e convencional. Assim, uma imagem é
portadora de um conteúdo simbólico porque ela transcende a realidade manifesta,
ou empírica, possuindo um aspecto inconsciente mais amplo, que não consegue ser
precisamente definido ou explicado, sendo sempre uma aproximação. (URRUTIGARY, 2011, p.32-33)
O ato de criar, assim, apresenta-se de forma terapêutica,
ao trazer conteúdos emocionais através das imagens.
Como exemplo, trago uma técnica de colagem feita por mim.
Intitulada “Qual o seu chamado para a Arteterapia?”, desenvolvi o trabalho
durante o curso de formação em Arteterapia. O objetivo foi realizar uma
experiência pessoal e individual dentro do grupo, na qual cada um deveria fazer
uma colagem que traduzisse o porquê de estarmos ali.
Ao recortar imagens de revistas, logo me deparei com a
figura do estresse. Esta imagem me remeteu imediatamente ao meu trabalho de
atendimento na clínica. Vi-me no consultório, sentada em minha cadeira e,
diante de mim, alguns pacientes se dizendo muito estressados e desorganizados mentalmente.
“O mesmo que gavetas amontoadas”, foi o que me veio à mente. Coloquei-me no
lugar deles. Naquele momento, eu era o paciente, e foi quando pude perceber o quão
difícil é traduzir em palavras algo que possa concretizar aquilo dentro de mim.
As emoções e os
sentimentos dos pacientes são complexos, geralmente confusos. Por isso a
dificuldade de falar, em voz alta, o que realmente se passa no íntimo. Isso se
traduz, muitas vezes, em uma espécie pedido de socorro silencioso: que, na
minha colagem, ilustrei com a figura do olhar do menino. O choro, que muitas
vezes aparece como um desanuviador, deixa surgir uma angústia de alguém sem
forças: nesse caso, como a imagem da moça, que aguarda uma “fórmula mágica”
para ser curada.
É aí que entra a Arteterapia. Trata-se de um trabalho na
terapia que faz uso de outros instrumentos do corpo além da fala. Utiliza as
mãos, por exemplo, o que às vezes por si só já traz certo alívio ao estresse. Estimula
a criatividade, o olhar. Através das imagens que vão surgindo, as emoções podem
emergir, para que sejam trabalhadas de forma consciente. É como se uma luz
envolvesse a escuridão e o paciente pudesse nela penetrar, enfrentar a sombra e
visualizar o que o aflige: na colagem, isso é representado pela luminária. O
foco de luz iluminando o corpo escuro simboliza o inconsciente, que seria,
assim, a transformação na existência do indivíduo.
Tudo isso que retratei no trabalho de colagem trata-se de
um processo, lento e pessoal. O passo a passo desse encontro é o tempo da
terapia, chamado de Kairós, segundo a mitologia grega (diferente do Cronos,
o tempo cronometrado ao qual estamos acostumados). É um processo atemporal,
pois depende do despertar da consciência de cada um.
Dito isso, podemos concluir que as técnicas expressivas
usadas pela Arteterapia são meios do paciente se conectar com o inconsciente,
usando uma linguagem que é própria do mesmo. É assim que a Arteterapia nos convoca
para resgatar o potencial de entrar em contato com o “eu” interior.
E você? Qual o seu chamado para a Arteterapia?
Referências bibliográficas:
URRUTIGARAY, Maria Cristina. Arteterapia: a transformação pessoas pelas imagens. 5. Ed. Rio de
Janeiro, 2011.
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Sobre a autora: Sheila Leite
Psicóloga e Arteterapeuta em formação
Pós Graduação em Psicologia Junguiana
Psicóloga convidada da Rádio Rio de Janeiro, 1400
AM, Programa Ouvindo Você.
Atendimento Clínico: individual e grupo. Crianças,
adolescentes e adultos na Ilha do Governador
Lindo texto, amei!
ResponderExcluirAmei amiga!
ResponderExcluirMuito Interessante essa visão!
ResponderExcluirQue lindo. Eu já tinha ouvido falar em Arteterapia, mas achava que fosse uma abordagem infantil. Lendo seu texto eu tive um outro olhar, entendi que é uma linguagem que acessa onde as palavras não alcançam. Parabéns e sucesso!
ResponderExcluirTexto leve e esclarecedor. Despertou meu interesse pela abordagem!
ResponderExcluirTexto muito bonito,parabéns.
ResponderExcluirAmei o texto da sheila Leite, como arteterapeuta, tbm uso bastante a técnica de colagem e escrita expressiva, pois essas nos retem a uma viagem ao nosso intetior e ressona expressivamente.
ResponderExcluirParabéns, pelo texto.
ÍtalaRegina Brittz Lisboa Souza
correção: "nos remetem"
ResponderExcluirMaior orgulho de você minha irmã!! Você é uma pessoa iluminada em tudo que faz!!!
ResponderExcluirMuito bom o seu texto !
ResponderExcluirAh,....o olhar...e as gavetas....
Parabéns !!!
Isso é só o começo da sua caminhada...
Claudia Abe