segunda-feira, 9 de abril de 2018

A COLAGEM: UMA REFLEXÃO SOBRE O AGIR DE COLAR


O Blog Não Palavra está de portas abertas para receber textos dos interessados em compartilhar suas experiências e estudos pela estrada da Arteterapia e temas relacionados. Abre-se um campo para sincronicidades. Fui surpreendida ao receber em sequência três textos que abordavam aspectos teóricos, práticos e vivenciais da COLAGEM. Percebi que era hora de colocar como protagonista esta técnica tão rica, e quantas vezes não conferida em seu devido valor e potência criativa. 

Sendo assim, no mês de abril o Não Palavra dedicará seu espaço à colagem em uma sequência de textos, a partir de diversos olhares, experiências e reflexões. Você leitor, também está convidado a compartilhar nos comentários suas experiências com a técnica da colagem.

Eliana Moraes

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Por Valéria Diniz – RJ
valdiniz.td@gmail.com 

Observando a palavra colagem aprendi que ela é composta por dois verbos: Colar e Agir.
Colar, transitivo direto; de unir, pregar com cola, grudar - Colar imagens.
Colar, intransitivo; ajustar-se, moldar-se - no Colar imagens.
Colar, pronominal; ligar-se, unir-se, aderir, aconchegar-se - Colar-se através imagens. 

Agir, intransitivo; de tomar providências, atuar, fazer - com a Colagem das imagens.
Agir, transitivo indireto e intransitivo; de provocar uma reação, produzir um efeito -  na Colagem das imagens.

Colagem, do fazer e executar através da cola. Da cola de pedaços, de sentimentos, de situações, do que não se expressa por palavras... mas sim, no Agir de Colar.

Colamos imagens? Sim e mais, os pedaços de nós espalhados, sem sentido, confusos...Perdidos.
Escolhemos cores, formas, tamanhas e texturas... Prioridades.
Damos forma ao caos, aos excessos, às faltas e às emoções... Um sentido.
Organizamos o espaço, a quantidade, o lugar e a vida.

O fundo escolhido, preto, branco ou colorido é a base que dá suporte e estrutura a criação.
Fundo preto pode ser sólido, seguro, sem luz. O branco pode ser o nada, a possibilidade, o vazio. As cores escolhidas refletem, naquele momento, um aspecto de nós, dentre um universo de possibilidades. 

“Eu vi laranjas alegres, verdes serenos, azuis sombrios, roxos vigorosos, vermelhos medrosos.”

As cores falam por si só e nos oferecem milhões de sensações impossíveis ao espaço desse texto. O significado é individual, único e valioso.

As imagens escolhidas, figuras, palavras, recortes de texturas variadas emergem potencializando contatos. São pedacinhos de nós. Alguns já conhecidos, outros desconhecidos e ainda outros nebulosos, enevoados. Surpreendentes. 

“E a cola???”.
A cola é a energia necessária para dar a liga, fazer os ajustes, os acertos.
Usada em excesso, com economia. Espalhada com o dedo ou um pinguinho tímido. 

“Muita cola, borro tudo, foi demais. Transbordo.
Pouca cola e tudo solta. Perco.
E nesse agir de colar sou aprendiz. Em minhas colagens fui percebendo que juntava meus pedaços espalhados em momento de caos. E o caos está aqui, lá e acolá.” 

Muitos artistas se apropriaram do caos e usaram como fonte criadora. Caos de guerras, de doenças, de horrores, de fome, de desamores, de partidas, de dores. Caos de Frida Khalo em seu corpo e coração tantas vezes partido e consertado que se transformaram em imagens potencialmente intensas e arrebatadoras. Caos da guerra, de onde emergiu a Guernica de Pablo Picasso, que poderosamente nos impacta e emudece. Caos de Henry Matisse, que impossibilitado de usar as tintas, nos presenteou com belíssimas colagens. 

“Em agir de colar eu fui aprendendo... a dar sentido, achar um jeito de funcionar. E o caos ainda segue. Está aqui, ali e acolá, mas não me impede de continuar. Minha cola foi achando a medida. As imagens foram organizadas no fundo, dei limites. Ajustei, priorizei. E, assim fazendo, com papel, figuras e cola, ensaiei, testei e fiz na vida!” 

E experimentando esse fazer na vida, faço o convite na clínica: vamos colar? Faço inspirada nas falas de meus clientes que me presenteiam com suas histórias. Histórias como a de Thay, cujas colagens ilustram esse texto. 



“Estou mesmo em busca da Forma Essencial... cercada por muitas coisas que me impedem de ser eu mesma. Estou presa em conceitos, relações e padrões limitantes... são muitas prisões.” 

E colando foi sabendo de si.


“... quando eu colei essa figura achei que era um sol com chuva... porque eu estava assim mesmo... confusa. Hoje percebi que não tem sol... o que eu achei que era sol, é ,apenas o rabo de cavalo da menina. É só uma menina brincando na chuva”

E fazendo contato consigo mesma através das imagens foi mudando e ampliando sua percepção.



“Eu não estou mais presa. Essas pessoas continuam a mesma coisa... elas não mudaram nadinha... tá todo mundo fazendo a mesma coisa. Mas eu não preciso ficar de bode expiatório...Meu mundo de ilusão ruiu... eu vejo a realidade” 

E no agir de colar foi aprendendo do seu jeito de funcionar. 


“ ... quis voltar a essa colagem porque queria dar um fechamento a ela. A forma essencial é minha, são meus conteúdos,o que tenho aqui dentro,o que eu sou.O que estou me tornando.Eu tirei as rédeas que estavam com outras pessoas..agora é tudo meu mesmo.Tudo aqui sou eu....Voltar a escrever , coisa que gosto tanto, retomar a minha tese, meu projeto..voltar a minha criação.” 

E sabendo de si com contato e consciência pode então fazer suas próprias escolhas. 

Finalizando essa reflexão, surgiu grande colagem! Usei minhas imagens, as de Frida, Picasso, Matisse e as de Thay. Peguei um pedaço de cada um, uni com a cola das palavras e te entrego com novo convite: Vamos agir de colar?

Caso você tenha se identificado com a proposta do “Não palavra abre as portas” e se sinta motivado a aceitar o nosso convite, escreva para naopalavra@gmail.com
Assim poderemos iniciar nosso contato para maiores esclarecimentos quanto à proposta, ao formato do texto e quem sabe para um amadurecimento da sua ideia.
A Equipe Não Palavra te aguarda!_________________________________________________________________________________
Sobre a autora: Valéria Diniz


Psicóloga 
Gestalt terapeuta
Mestra em Saúde Mental

3 comentários:

  1. Comentário enviado por Tatiana Sasse:

    O mundo se abre, rico em possibilidades! Mas nesse mundão de meu deus, as coisas acontecem uma de cada vez!
    É nesse instante, momento rico da escolha, que o mundo fica vivo, que ele pode acontecer!
    Então da escolha de uma cor, combinada com um céu, e o pedaço de um bolo de chocolate, conto uma estória! Conto e reconto a minha história! Separo partes, aumento detalhes, Num clarão escolho um novo adereço!
    Pronto! Tá pronto!
    Olhei, selecionei, recortei e colei!
    Contei uma história!
    Amanhã conto outra!

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  2. Comentário enviado por Tania Salete:

    Sensacional! Parece até que as palavras estão saltitando no texto de pura alegria, pois assim o percebi. Talvez seja a alegria da autora em compartilhar esta beleza de técnica. Tão potente, tão marcante e essencial que virou versos e poesia. Parabéns! Quanto ao convite? Claro que aceito, com muito prazer. Aliás, o farei para mim mesma todos os dias.

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  3. Texto maravilhoso!!

    Minha história com a colagem começa quando recebo a triste noticia que um grande amigo havia sido assassinado, fiquei em estado de choque, literalmente sem palavras. O cãos manifestava na minha cabeça, eu não conseguia escrever fiquei travado.
    Três horas e meia depois de ter recebido a noticia fiz uma colagem;encontrei imagens das torres gemêas, recortei e montei uma composição muito significativa, após colar os prédios e as chamas de fogo, colei uma pessoa saltando de uma das torres para cair dentro de um copo de cerveja com um peixe vivo dentro de um saco.
    Fiquei tão encantado com o resultado da arte e com o alivio que continue colando, passaram dias e messes, e continuo colando e experimentando diversas técnicas e repetindo o movimento.
    Facilito vivências de arte colagem como prática terapeutica e fico muito feliz em saber que esse mês você vai abordar e aprofundar a colagem. Obrigado por esse e os outros textos!!!

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