terça-feira, 3 de junho de 2025

A ARTETERAPIA NO CONTEXTO DE PESSOAS COM DEFICIÊNCIA VISUAL - PARTE II



Por Lucia Palermo - RJ

llpalermo5@gmail.com 

 

 INTRODUÇÃO

 

ARTETERAPIA E A INTERDISCIPLINARIDADE

                A Arteterapia é uma área do conhecimento que propõe a integração das diferentes linguagens e áreas do conhecimento, pois “como se vê no caso da Carta da Transdisciplinaridade (documento elaborado por Freitas, Morin e Nicolescu, em 1994, no primeiro Congresso Mundial de Transdisciplinaridade [...]) no qual seu Artigo 3 registra que “... transdisciplinaridade não procura o domínio sobre as várias disciplinas, mas a abertura de todas elas àquilo que as atravesse e as ultrapasse. E neste contexto, a Arteterapia vai interligar arte, criatividade, teorias psicológicas, antropológicas e inúmeros outros campos de conhecimento, ultrapassando suas limitações formais e acadêmicas e criando uma urdidura em que a informação de cada campo completa e é completado pelas outras.” (Phillipini, 2011)

 

ARTE MARAJOARA: mais antiga Arte do Brasil 

 “Segundo os conhecimentos atuais a respeito do passado, o homem surge na história como um ser cultural. Ao agir, ele age culturalmente, apoiado na cultura e dentro de uma cultura [...] cultura são as formas materiais e espirituais com que os indivíduos de um grupo convivem, nas quais atuam e se comunicam e cuja experiência coletiva pode ser transmitida através de vias simbólicas para a geração seguinte”. (OSTROWER, 2002, P.13)

A Arte dos povos indígenas antes da colonização, ou seja, antes da chegada de Pedro Álvares Cabral, chama-se Arte Pré-Cabralina. Nesse período pré-cabralino dois conjuntos de produção artística se destacam: a fase Marajoara e a cultura Santarém. A fase Marajoara é a quarta das cinco fases em que se dividiu a produção cultural dos povos da ilha de Marajó, a Nordeste do estado do Pará. Esta produção destaca-se sobretudo pela cerâmica, que é conhecida também, por suas cerâmicas decoradas com motivos gráficos, geométricos e figurativos. Suas características são de inspiração na fauna, flora e mitologia indígena da região, representações de animais, humanos, simetria, padrões geométricos, círculos, losangos e triângulos. O Museu de Marajó, localizado em Cachoeira de Arari, no Pará, foi fundado em 1972 por Giovanni Gallo, e atualmente completa três anos de reabertura e ganhará sala de cinema, que além da exibição de filmes, a sala será espaço para palestras, cursos e oficinas, com atividades de segmentos audiovisuais. Até os dias atuais, a Cerâmica Marajoara é produzida, comercializada e exposta, sendo símbolo da identidade cultural da região. A mais antiga arte do Brasil continua a inspirar artistas e designers.

 

A GEOMETRIA, ARTE E A ARTETERAPIA.

“Em Arteterapia com abordagem junguiana, o caminho será favorecer suportes materiais adequados para que a energia psíquica plasme símbolos em criações diversas. Estas produções simbólicas retratam múltiplos estágios da psique, ativando e realizando a comunicação entre inconsciente e consciente”. (PHILLIPINI, 2008)

A Matemática produzida historicamente, objetivando desenvolver o pensamento geométrico, apresenta representações simbólicas, que caracterizam seus aspectos sociais, cognitivos e culturais, e que são parte da evolução histórica do homem desde os primórdios da raça humana. A Arte matemática dos grafismos, simetria e ornamentos decorativos geométricos presentes na Cerâmica Marajoara, de acordo com a BNCC – Base Nacional Comum do Currículo, propõe “nessa unidade temática, estudar posição e deslocamento no espaço, formas e relações entre elementos de figuras planas e espaciais pode desenvolver o pensamento geométrico dos alunos. Esse pensamento é necessário para investigar propriedades, fazer conjecturas e produzir argumentos geométricos convincentes”, representou a base de estudo nas produções em Arte, com cunho Arteterapêutico, desenvolvendo a sensorialidade, sensibilidade, a percepção..., proporcionando assim, a busca do desenvolvimento das habilidades cognitivas de um grupo de alunos Deficientes Visuais cegos e baixa-visão/visão subnormal, na faixa etária de 9 até 21 anos, do Ensino Fundamental/Séries Iniciais, do IBC - Instituto Benjamin Constant, tendo a matéria-prima barro/argila, como recurso tátil, auxiliando no processo da leitura e escrita, e que teve subjacente o desenvolvimento psicomotor, o desenvolvimento das habilidades básicas necessárias ao preparo da leitura e escrita, em Braille (sistema de leitura e escrita tátil) e em Tinta (método de escrita tradicional, impressa em tinta, em alto relevo para facilitar a leitura tátil) , através de uma diversidade de noções conceituais de forma concreta, propiciando uma aprendizagem significativa. “Ensinar a uma pessoa uma habilidade nova implica maximizar o potencial de funcionamento de seu cérebro. Isso porque aprender exige necessariamente planejar novas maneiras de solucionar desafios, atividades que estimulem diferentes áreas cerebrais a trabalhar com máxima capacidade de eficiência”. (RELVAS, 2010, p.15).

 

DESENVOLVIMENTO 

A Arteterapia em Educação se difere essencialmente, tanto em sua proposta quanto em sua concepção da aula de Educação Artística, pois o objetivo desta última é a aprendizagem artística, enquanto que o objetivo da Arteterapia é a apropriação de recursos que possibilitem a expressão do sujeito (Sei e Gonçalves, p.103,2010), 

 Em uma obra de arte, ao contemplá-la, observamos muitos detalhes, como as cores, formas geométricas, as texturas, linhas, enfim os elementos da linguagem visual, além das sensações e emoções, que nos transmite. Artistas cujas obras de Arte têm uma forte presença das figuras geométricas: Joan Miró, Paul Klee, Wassily Kandinsky, Beatriz Milhazes, Piet Mondrian .... Nise da Silveira verificou, no seu trabalho junto a esquizofrênicos, no Museu do Inconsciente, que as imagens geométricas revelavam esforços instintivos para acalmar conflitos emocionais, transformando-os em construções estáveis e palpáveis (pela identificação da forma construída”. (Silveira, 1981, p.100 apud Urrutigaray, 2008).

  

TECNOLOGIA E ARTE

            “A tecnologia tem ajudado a tornar a arte mais acessível para pessoas com deficiência visual. Isso pode ser feito por meio de descrições audiovisuais, releituras em alto relevo, impressão 3D e tecnologias vestíveis (também conhecidas como wearables, que são dispositivos eletrônicos que podem ser usados no corpo. Eles podem ser semelhantes a acessórios do dia a dia, como relógios, pulseiras ou óculos)”. (Chat IA,2025)

 

RECONHECENDO E CONHECENDO OBRAS DE ARTE DOO ARTISTA PIET MONDRIAN

Recurso tátil: textura.

Recursos tecnológicos utilizados pelos alunos deficientes visuais do IBC: DOSVOX (é uma série de ferramentas que permite que pessoas cegas interajam com o computador)

 JAWS (é um leitor de tela que permite a pessoa com deficiência visual ler e navegar na internet). Comunicação com o usuário por síntese de voz; editor e leitor de texto; amplificador de tela para pessoas com visão reduzida. (Chat IA) 



Os alunos apresentavam, durante a conversa em grupo, o interesse em aprender Geometria. A interação propiciada pela temática, teve como ponto de partida a vida social e cultural da Cerâmica Marajoara e sua Geometrização, contada de forma contextualizada e assim, em cada encontro era enriquecida a busca do processo de aprendizagem e o desejo deles de construírem suas peças de cerâmica não muito volumosas. O processo de aprendizagem é desencadeado a partir da motivação e que esse processo se dá no interior do sujeito, estando, entretanto, intimamente ligado às relações de troca que o mesmo estabelece com o meio, principalmente, seus professores e colegas, afirma Relvas (2010). Nas situações escolares, o interesse é indispensável para que o estudante tenha motivos de ação para apropriar-se do conhecimento”. Enquanto eu, estagiárias e alunos, trabalhávamos sobre o que poderíamos acrescentar, diminuir, modificar e adaptar de forma a atender, a especificidade de cada um, pois eram de séries diferentes e possibilidades diferenciadas, foi observado as conexões criativas e pedagógicas que eles promoviam no pensamento e exteriorizavam verbalmente, já com autonomia.

 

SENSAÇÃO E PERCEPÇÃO

“A sensação é o primeiro contato com os estímulos e dá-se através dos órgãos dos sentidos: visão, paladar, audição, olfato e tato. Já a percepção consiste na aquisição, interpretação, seleção e organização das informações obtidas pelos sentidos, ou seja, é o processo de organização da informação sensorial. Assim, a percepção é a função do cérebro que atribui significado aos estímulos sensoriais a partir do histórico de vivências do indivíduo”. (Moraes, p.99, 2018) 



  A constante exploração tátil (é um sentido que permite perceber o toque) e sensorial (se refere a todos os sentidos) nos diferentes processos da argila, dos objetos basilares da Geometria e de alguns elementos básicos da comunicação visual/tátil, apresentados inicialmente, foi possibilitando o desenvolvimento da proposta de “Como se aprende de forma concreta? ”  E assim, como afirma Gil (op cit, p.44), “o aprendizado da leitura e da escrita em Braille requer um elevado desenvolvimento das habilidades motoras finas, além da flexibilidade nos punhos e agilidade nos dedos”.

 

ELEMENTOS DA LINGUAGEM VISUAL / TÁTIL NA ARGILA

Após o desenvolvimento sensorial, o conhecimento e reconhecimento da arte Marajoara nas réplicas concretas de peças de cerâmica, os alunos iniciaram a prática dos elementos da linguagem visual/tátil, através do tato. E assim, foram desenvolvidas as adaptações curriculares, que são estratégias que favorecem o desenvolvimento do estudante no contexto escolar de sua escola, considerando suas individualidades, através do princípio de atenção à diversidade, pois nesse aspecto centrado na aprendizagem, a informação é arquitetada e reconstruída continuamente (JOSÉ e COELHO, 1989. In CARLOU, 2019. Desta forma o estímulo sensorial, com a manipulação da argila, experenciando sensações e  desenvolvendo o tônus muscular (para uso da reglete: instrumento criado para a escrita Braille e do punção: é um instrumento em madeira ou plástico no formato de pera ou anatômico, com ponta metálica, utilizado para a perfuração de pontos na cela Braille), propiciaram onde mão e massa se encontraram, e então veio o momento de dar forma.

 

EXPOSIÇÃO INTERATIVA NO IBC/INSTITUTO BENJAMIN CONSTANT 



 

CONSIDERAÇÕES FINAIS 

Considerando que em todos os momentos foi dada ênfase às potencialidades dos alunos e não às dificuldades, foi alcançado na medida de suas possibilidades, a superação de alguns obstáculos e limitações. A percepção da “forma”, realizada com a argila terracota e posteriormente se tornado cerâmica, favoreceu o desenvolvimento e a formação da consciência, tanto no processo arteterapêutico no qual a argila age como um material transformador promovendo o caminho do equilíbrio,  como no pedagógico, pois o desenvolvimento do pensamento geométrico, que gerou representações simbólicas a partir das réplicas da Arte Marajoara produzida pelos alunos Deficientes Visuais, através de estratégias pertinentes à proposta do Projeto/Oficina para o desenvolvimento do processo de alfabetização em Braille e Tinta, caracterizaram os aspectos reflexivos, sociais, cognitivos e culturais que assinalam a evolução dos alunos, e em geral da raça humana.

 

REFERÊNCIAS  BIBLIOGRÁFICAS

 

BRASIL. Ministério da Educação. BNCC- Base Nacional Comum Curricular 

CARLOU, Amanda. Estratégias Pedagógicas para Ensino-Aprendizagem – n.205 –Junho/2018 – mensal – Ano VII. 

GIL, Marta Pires. Deficiência Visual. Caderno da TV Escola. Brasília: Mec. Secretaria de Educação a Distância, N1/20000. 80.;I/(Cadernos da TV Escola. 1.ISSN 1518-4692. 

MORAES, Eliana. Pensando a arteterapia. 1. Ed. – Divino de São Lourenço, ES : Semente Editorial, 2018. 

OSTROWER, Fayga. Criatividade e processos de criação. -Petrópolis, Vozes, 1987.

 PHILIPPINI, Angela. Grupos em Arteterapia: redes criativas para colorir vidas/Rio de Janeiro: Wak Editora, 2011.

 RELVAS, Marta Pires. Neurociência e educação: potencialidades dos gêneros humanos na sala de aula. 2 ed. – Rio de Janeiro: Wak Ed., 2010.

SEI, Maíra Bonafé .GONÇALVES, Tatiana Feccio C. (Orgs).-São Paulo: Casa do Psicólogo, 2010. (Coleção arteterapia) 

SELENI, Coletti. Matemática: a geometria da arte. NOVA ESCOLA – Maio/2022. https://novaescola.org.br 

https://museus.pa.gov.br/noticia/4/museu-do-maraj

https://museus.pa.gov.br/noticia/125/biblioteca-antnio-landi-no-mep--fonte-de-  pesquisa-no-par

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Sobre a autora: Luigina Lucia Palermo Antas

 


 

Formação:

Arteterapeuta AARJ 672/0515

Graduação em Pedagogia/Licenciatura Plena

Graduação em Educação Artística-Artes Visuais

Pós graduada em Arteterapia em Educação e Saúde

Pós graduada em Psicopedagogia

Formação Clínica em Arteterapia na Clínica POMAR

 

Área de atuação/ Projetos/Trabalho

 Professora de Artes Plásticas/Visuais do Município do Rio de Janeiro, no âmbito da Secretaria Municipal de Educação.

Proponente, coordenadora e docente do Projeto Caminhos Facilitadores do Desenvolvimento Humano – Desenvolvido no IBC / Instituto Benjamin Constant – Integrantes: Equipe de Saúde Multidisciplinar e estagiárias do Curso de Pedagogia da Universidade Veiga de Almeida .

 Publicado no site Instituto Arte na Escola em Relato de Experiência; Publicado no Caderno de Resumo dos Anais do CEDERJ, após conclusão do Curso de Aperfeiçoamento em Educação Especial e Inclusiva para Professores de Educação Básica/Fundação CECIERJ.

Projeto Todos Somos: Arte e Cultura Africana. Instituto Arte na Escola. Projeto Semifinalista XIX Prêmio Arte na Escola Cidadã. São Paulo. Brasil

Projeto Caminhos Flexíveis para a Aprendizagem. Caminho Educativo percorrido com Abordagem Terapêutica Breve/Junguiana. Rede Municipal de Ensino/RJ. Turmas do Ensino Fundamental/Alfabetização. E.M. Pedro Ernesto/Lagoa/RJ

 

Pesquisa Independente em Arteterapia, Arte e Educação : sem vínculo institucional.

Publicação:

https://nao-palavra.blogspot.com/2024/05/dialogo-do-barro-com-o-processo-de.html

Diálogo com o  Barro com o Processo de Aprendizagem de alunos com Deficiência Visual

2 comentários:

  1. Parabéns, Luigina pela riqueza deste texto, repleto de conteúdos interessantes. Que trabalho magnifico! Como a Arteterapia é abrangente, inclusiva e interativa.

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  2. Obrigada Tânia, pois você fez parte deste trabalho, estimulando e sugerindo o título da pesquisa. Beijos ⚘️

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