Por Dani Lyrio
@acordar.arteterapia
O trabalho biográfico é uma
ajuda para todos que querem aprofundar seu autoconhecimento e, ao mesmo tempo,
desenvolver interesse e compreensão por outras pessoas e situações de vida.
(Michaela Glöckler,1992,prefácio)
O trabalho final da minha especialização
em arteterapia foi um livro autobiográfico. A proposta era registrar nossa
jornada pessoal, nossa trajetória ao longo da formação ou, alternativamente,
relatar o processo vivenciado durante o estágio.
Mas senti que eu precisava revisitar toda
a minha trajetória de vida até aqui, pois sabia que a profissional que nascia
ali não vinha apenas dessa formação, vinha também de toda a minha história de
vida. E isso precisaria estar no livro. Afinal, sou o resultado de tudo o que
me aconteceu e de como reagi a tudo isso. Revisitar memórias foi uma grande
viagem. Eu até encontrei um desenho feito por mim quando criança, mas
infelizmente sem data.
Na arteterapia, esse resgate autobiográfico
pode acontecer usando diversas técnicas e ferramentas, citarei três maneiras
nesse texto. Uma delas é a autobiografia baseada nos setênios, que, segundo a antroposofia, organiza a vida em ciclos de
7 anos, cada um com características e desafios específicos. O resgate acontece
a partir de perguntas simbólicas que ajudam a acessar memórias e vivências
marcantes de cada fase. O objetivo não é apenas lembrar, mas integrar a própria
história com consciência e sentido. Nessa técnica, existem perguntas
norteadoras para cada setênio, que nos auxiliam nesse mergulho no passado.
Outra maneira é a linha do tempo, em que
seguimos uma ordem cronológica e deixamos emergir datas, momentos e lembranças
marcantes. É uma abordagem mais intuitiva, livre de técnicas específicas, que
também propõe um resgate desde a infância, mas sem a delimitação dos ciclos de
7 anos. Aqui, deixamos que as memórias venham mais livremente.
O uso de fotografias também é um
excelente recurso nesse processo de resgate autobiográfico. Elas nos ajudam a
revisitar momentos marcantes, despertam memórias afetivas e sensações que
talvez estivessem adormecidas. Como diz Regina Aparecida dos Santos no livro Percursos em Arteterapia 1, organizado
por Selma Ciornai:
A fotografia nos
transporta para um determinado tempo, resgata na memória as informações e as
emoções. É um resgate individual e social que registra um momento da vida,
situado no tempo e no espaço. Promove o encontro da pessoa com seu passado, com
imagens carregadas de significados e também de perguntas. (Regina Aparecida dos
santos , p 231, 2004)
O meu TCC foi feito de uma maneira muito
intuitiva. Não segui nenhuma técnica. Embora as estudasse, deixei-me levar por
aquilo que sentia que precisava acessar e me conectar.
A escolha do nome A.COR.DAR para o meu livro,
veio justamente desse movimento. Eu me sentia saindo de um torpor, despertando
para a vida. E ao revisitar a criança, a adolescente, a jovem adulta, fui
acordando também os sentimentos, dores, forças e potências que estavam
adormecidas. Era isso que esse nome representava para mim: o reencontro comigo
mesma.
É natural que esse rememorar traga
emoções variadas, algumas acolhedoras e outras desafiadoras. Porém, percebo que
esse confronto com nossas lembranças é necessário para avançarmos na vida com
mais presença, saindo daquele modo automático, como um despertar interior.
A intenção do
trabalho biográfico não é a pessoa se prender ao passado, mas entendê-lo e
integrá-lo para poder viver o presente, livre do passado, e nortear melhor o
futuro - à medida que ela amadurece se torna cada vez mais livre. Para isso, no
entanto, é preciso ter elaborado, integrado e aceito o próprio passado. (Grudun
Burkhard, 2019, pos. 224)
Trago aqui um breve relato da parte que
abordei infância, juventude e a fase adulto nesse trabalho.
Recordei a criança dentro de mim usando
uma fotografia, através dela entrei em contato com aquela
criança cheia de sonhos e fantasias. A
foto nesse caso me ajudou também visualmente, eu me vi criança, isso me auxilia
no resgate de algumas memórias. O uso de cores faz ressaltar o lúdico e o
colorido do mundo infantil.
Passei
pela adolescência, essa parte da vida em que tantas vezes me senti deslocada,
como se não pertencesse a lugar nenhum. Foi uma fase difícil, sim, mas
necessária. Entrar em contato com as dores e as delícias desse período me
permitiu lembrar que, apesar do sofrimento, ali também habitavam sonhos,
ideologias e potências que ainda hoje falam sobre quem eu sou. Para representar
essa fase, escolhi fazer um autorretrato
com giz pastel oleoso.
E por fim, a fase adulta, marcada pelos
compromissos da vida e pela urgência de fazer, conquistar, cumprir. Muitas
vezes entrei no modo automático e, nesse movimento, acabei deixando de lado
minha verdadeira essência. Para representar esse momento, utilizei a técnica do
mosaico, picando e reconstruindo os
pedaços, formando um espelho. A imagem ainda está borrada, como um novo olhar
que começa a surgir. Um resgate da minha identidade neste processo de
A.COR.DAR.
Durante minha formação em arteterapia,
vivi essa experiência de forma intensa. Meu trabalho final não foi apenas uma
entrega acadêmica, mas o resultado de um processo em que cada criação visual me
devolvia uma parte de mim. Essa vivência me mostrou que contar a própria
história pode ser um ato de escuta. Nem sempre sabemos o que vamos dizer. Mas
ao criar, permitimos que algo venha à tona.
Se você deseja resgatar suas memórias, a
arteterapia pode te acompanhar nessa jornada. É fundamental que o trabalho seja
realizado por um arteterapeuta capacitado, que valorize a sua individualidade e
ofereça o acolhimento e suporte necessários para um processo seguro e
respeitoso.
Bibliografia
BURKHARD,Grudun. Tomar a Vida Nas
Próprias Mãos, São Paulo :
Antroposófica. 2010.
CIORNAI, Selma(organizadora).Percursos
em Arteterapia: arteterapia gestáltica, arte em psicoterapia, supervisão em
arteterapia/Selma Ciornai. São Paulo: Summus, 2014.
Sobre a autora: Dani Lyrio
Graduação em Administração de Empresas com Ênfase em
Comércio Exterior. Especialização em Arteterapia pelo Nape, em São Paulo.
Atendimentos on-line e presencial (Zona sul) na cidade de São Paulo.
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