segunda-feira, 30 de junho de 2025

A.COR.DAR - O Poder da Autobiografia na Arteterapia

 

Por Dani Lyrio

@acordar.arteterapia

O trabalho biográfico é uma ajuda para todos que querem aprofundar seu autoconhecimento e, ao mesmo tempo, desenvolver interesse e compreensão por outras pessoas e situações de vida. (Michaela Glöckler,1992,prefácio)

 

O trabalho final da minha especialização em arteterapia foi um livro autobiográfico. A proposta era registrar nossa jornada pessoal, nossa trajetória ao longo da formação ou, alternativamente, relatar o processo vivenciado durante o estágio.

Mas senti que eu precisava revisitar toda a minha trajetória de vida até aqui, pois sabia que a profissional que nascia ali não vinha apenas dessa formação, vinha também de toda a minha história de vida. E isso precisaria estar no livro. Afinal, sou o resultado de tudo o que me aconteceu e de como reagi a tudo isso. Revisitar memórias foi uma grande viagem. Eu até encontrei um desenho feito por mim quando criança, mas infelizmente sem data.

 Na arteterapia, esse resgate autobiográfico pode acontecer usando diversas técnicas e ferramentas, citarei três maneiras nesse texto. Uma delas é a autobiografia baseada nos setênios, que, segundo a antroposofia, organiza a vida em ciclos de 7 anos, cada um com características e desafios específicos. O resgate acontece a partir de perguntas simbólicas que ajudam a acessar memórias e vivências marcantes de cada fase. O objetivo não é apenas lembrar, mas integrar a própria história com consciência e sentido. Nessa técnica, existem perguntas norteadoras para cada setênio, que nos auxiliam nesse mergulho no passado.

Outra maneira é a linha do tempo, em que seguimos uma ordem cronológica e deixamos emergir datas, momentos e lembranças marcantes. É uma abordagem mais intuitiva, livre de técnicas específicas, que também propõe um resgate desde a infância, mas sem a delimitação dos ciclos de 7 anos. Aqui, deixamos que as memórias venham mais livremente.

O uso de fotografias também é um excelente recurso nesse processo de resgate autobiográfico. Elas nos ajudam a revisitar momentos marcantes, despertam memórias afetivas e sensações que talvez estivessem adormecidas. Como diz Regina Aparecida dos Santos no livro Percursos em Arteterapia 1, organizado por Selma Ciornai:

A fotografia nos transporta para um determinado tempo, resgata na memória as informações e as emoções. É um resgate individual e social que registra um momento da vida, situado no tempo e no espaço. Promove o encontro da pessoa com seu passado, com imagens carregadas de significados e também de perguntas. (Regina Aparecida dos santos , p 231, 2004)

 

O meu TCC foi feito de uma maneira muito intuitiva. Não segui nenhuma técnica. Embora as estudasse, deixei-me levar por aquilo que sentia que precisava acessar e me conectar.

A escolha do nome A.COR.DAR  para o meu livro, veio justamente desse movimento. Eu me sentia saindo de um torpor, despertando para a vida. E ao revisitar a criança, a adolescente, a jovem adulta, fui acordando também os sentimentos, dores, forças e potências que estavam adormecidas. Era isso que esse nome representava para mim: o reencontro comigo mesma.

É natural que esse rememorar traga emoções variadas, algumas acolhedoras e outras desafiadoras. Porém, percebo que esse confronto com nossas lembranças é necessário para avançarmos na vida com mais presença, saindo daquele modo automático, como um despertar interior.

A intenção do trabalho biográfico não é a pessoa se prender ao passado, mas entendê-lo e integrá-lo para poder viver o presente, livre do passado, e nortear melhor o futuro - à medida que ela amadurece se torna cada vez mais livre. Para isso, no entanto, é preciso ter elaborado, integrado e aceito o próprio passado. (Grudun Burkhard, 2019, pos. 224)

 

Trago aqui um breve relato da parte que abordei infância, juventude e a fase adulto nesse trabalho.

Recordei a criança dentro de mim usando uma fotografia,  através dela entrei em contato com aquela criança cheia de sonhos e fantasias.  A foto nesse caso me ajudou também visualmente, eu me vi criança, isso me auxilia no resgate de algumas memórias. O uso de cores faz ressaltar o lúdico e o colorido do mundo infantil.

 


Passei pela adolescência, essa parte da vida em que tantas vezes me senti deslocada, como se não pertencesse a lugar nenhum. Foi uma fase difícil, sim, mas necessária. Entrar em contato com as dores e as delícias desse período me permitiu lembrar que, apesar do sofrimento, ali também habitavam sonhos, ideologias e potências que ainda hoje falam sobre quem eu sou. Para representar essa fase, escolhi fazer um autorretrato com giz pastel oleoso.

 


E por fim, a fase adulta, marcada pelos compromissos da vida e pela urgência de fazer, conquistar, cumprir. Muitas vezes entrei no modo automático e, nesse movimento, acabei deixando de lado minha verdadeira essência. Para representar esse momento, utilizei a técnica do mosaico, picando e reconstruindo os pedaços, formando um espelho. A imagem ainda está borrada, como um novo olhar que começa a surgir. Um resgate da minha identidade neste processo de A.COR.DAR.


 

Durante minha formação em arteterapia, vivi essa experiência de forma intensa. Meu trabalho final não foi apenas uma entrega acadêmica, mas o resultado de um processo em que cada criação visual me devolvia uma parte de mim. Essa vivência me mostrou que contar a própria história pode ser um ato de escuta. Nem sempre sabemos o que vamos dizer. Mas ao criar, permitimos que algo venha à tona.

Se você deseja resgatar suas memórias, a arteterapia pode te acompanhar nessa jornada. É fundamental que o trabalho seja realizado por um arteterapeuta capacitado, que valorize a sua individualidade e ofereça o acolhimento e suporte necessários para um processo seguro e respeitoso.



Bibliografia

BURKHARD,Grudun. Tomar a Vida Nas Próprias Mãos, São Paulo : Antroposófica. 2010.

 

CIORNAI, Selma(organizadora).Percursos em Arteterapia: arteterapia gestáltica, arte em psicoterapia, supervisão em arteterapia/Selma Ciornai. São Paulo: Summus, 2014.

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Sobre a autora: Dani Lyrio

 


Graduação em Administração de Empresas com Ênfase em Comércio Exterior. Especialização em Arteterapia pelo Nape, em São Paulo.

 

Atendimentos on-line e presencial (Zona sul)  na cidade de São Paulo.

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