Por Lucia Palermo - RJ
llpalermo5@gmail.com
INTRODUÇÃO
ARTETERAPIA E A
INTERDISCIPLINARIDADE
A Arteterapia é uma área do conhecimento que
propõe a integração das diferentes linguagens e áreas do conhecimento, pois
“como se vê no caso da Carta da Transdisciplinaridade (documento elaborado por
Freitas, Morin e Nicolescu, em 1994, no primeiro Congresso Mundial de
Transdisciplinaridade [...]) no qual seu Artigo 3 registra que “...
transdisciplinaridade não procura o domínio sobre as várias disciplinas, mas a
abertura de todas elas àquilo que as atravesse e as ultrapasse. E neste
contexto, a Arteterapia vai interligar arte, criatividade, teorias
psicológicas, antropológicas e inúmeros outros campos de conhecimento,
ultrapassando suas limitações formais e acadêmicas e criando uma urdidura em
que a informação de cada campo completa e é completado pelas outras.” (Phillipini,
2011)
ARTE MARAJOARA:
mais antiga Arte do Brasil
“Segundo os conhecimentos atuais a respeito do
passado, o homem surge na história como um ser cultural. Ao agir, ele age
culturalmente, apoiado na cultura e dentro de uma cultura [...] cultura são as
formas materiais e espirituais com que os indivíduos de um grupo convivem, nas
quais atuam e se comunicam e cuja experiência coletiva pode ser transmitida
através de vias simbólicas para a geração seguinte”. (OSTROWER, 2002, P.13)
A
Arte dos povos indígenas antes da colonização, ou seja, antes da chegada de
Pedro Álvares Cabral, chama-se Arte Pré-Cabralina. Nesse período pré-cabralino
dois conjuntos de produção artística se destacam: a fase Marajoara e a
cultura Santarém. A fase Marajoara é a quarta das cinco fases em que
se dividiu a produção cultural dos povos da ilha de Marajó, a Nordeste do
estado do Pará. Esta produção destaca-se sobretudo pela cerâmica, que é
conhecida também, por suas cerâmicas decoradas com motivos gráficos, geométricos
e figurativos. Suas características são de inspiração na fauna, flora e
mitologia indígena da região, representações de animais, humanos, simetria,
padrões geométricos, círculos, losangos e triângulos. O Museu de Marajó, localizado em Cachoeira de Arari, no
Pará, foi fundado em 1972 por Giovanni Gallo, e atualmente completa três
anos de reabertura e ganhará sala de cinema, que além da exibição de filmes, a
sala será espaço para palestras, cursos e oficinas, com atividades de segmentos
audiovisuais. Até os dias atuais, a Cerâmica Marajoara é produzida,
comercializada e exposta, sendo símbolo da identidade cultural da
região. A mais antiga arte do Brasil continua a inspirar artistas e designers.
A GEOMETRIA, ARTE
E A ARTETERAPIA.
“Em
Arteterapia com abordagem junguiana, o caminho será favorecer suportes
materiais adequados para que a energia psíquica plasme símbolos em
criações diversas. Estas produções simbólicas retratam múltiplos
estágios da psique, ativando e realizando a comunicação entre inconsciente e
consciente”. (PHILLIPINI, 2008)
A Matemática
produzida historicamente, objetivando desenvolver o pensamento geométrico,
apresenta representações simbólicas, que caracterizam seus aspectos
sociais, cognitivos e culturais, e que são parte da evolução histórica do homem
desde os primórdios da raça humana. A Arte matemática dos grafismos, simetria e
ornamentos decorativos geométricos presentes na Cerâmica Marajoara, de acordo
com a BNCC – Base Nacional Comum do Currículo, propõe “nessa unidade
temática, estudar posição e deslocamento no espaço, formas e relações entre
elementos de figuras planas e espaciais pode desenvolver o pensamento
geométrico dos alunos. Esse pensamento é necessário para investigar
propriedades, fazer conjecturas e produzir argumentos geométricos convincentes”,
representou a base de estudo nas produções em Arte, com
cunho Arteterapêutico, desenvolvendo a sensorialidade, sensibilidade, a
percepção..., proporcionando assim, a busca do desenvolvimento das habilidades
cognitivas de um grupo de alunos Deficientes Visuais cegos e baixa-visão/visão
subnormal, na faixa etária de 9 até 21 anos, do Ensino Fundamental/Séries
Iniciais, do IBC - Instituto Benjamin Constant, tendo a matéria-prima
barro/argila, como recurso tátil, auxiliando no processo da leitura e
escrita, e que teve subjacente o desenvolvimento psicomotor, o desenvolvimento
das habilidades básicas necessárias ao preparo da leitura e escrita, em Braille
(sistema de leitura e escrita tátil) e em Tinta (método de
escrita tradicional, impressa em tinta, em alto relevo para facilitar a leitura
tátil) , através
de uma diversidade de noções conceituais de forma concreta, propiciando uma
aprendizagem significativa. “Ensinar a uma pessoa uma habilidade nova
implica maximizar o potencial de funcionamento de seu cérebro. Isso porque
aprender exige necessariamente planejar novas maneiras de solucionar desafios,
atividades que estimulem diferentes áreas cerebrais a trabalhar com máxima
capacidade de eficiência”. (RELVAS, 2010, p.15).
DESENVOLVIMENTO
A Arteterapia em
Educação se difere essencialmente, tanto em sua proposta quanto em sua
concepção da aula de Educação Artística, pois o objetivo desta última é a
aprendizagem artística, enquanto que o objetivo da Arteterapia é a apropriação
de recursos que possibilitem a expressão do sujeito (Sei e Gonçalves,
p.103,2010),
Em
uma obra de arte, ao contemplá-la, observamos muitos detalhes, como as cores,
formas geométricas, as texturas, linhas, enfim os elementos da linguagem
visual, além das sensações e emoções, que nos transmite. Artistas
cujas obras de Arte têm uma forte presença das figuras geométricas: Joan Miró,
Paul Klee, Wassily Kandinsky, Beatriz Milhazes, Piet Mondrian
.... “Nise da Silveira verificou, no seu trabalho junto a
esquizofrênicos, no Museu do Inconsciente, que as imagens geométricas
revelavam esforços instintivos para acalmar conflitos emocionais,
transformando-os em construções estáveis e palpáveis (pela identificação da
forma construída”. (Silveira, 1981, p.100 apud Urrutigaray, 2008).
TECNOLOGIA E ARTE
“A tecnologia tem ajudado a
tornar a arte mais acessível para pessoas com deficiência visual. Isso pode ser
feito por meio de descrições audiovisuais, releituras em alto relevo, impressão
3D e tecnologias vestíveis (também conhecidas como wearables, que são
dispositivos eletrônicos que podem ser usados no corpo. Eles podem ser
semelhantes a acessórios do dia a dia, como relógios, pulseiras ou óculos)”.
(Chat IA,2025)
RECONHECENDO E CONHECENDO OBRAS DE
ARTE DOO ARTISTA PIET MONDRIAN
Recurso tátil: textura.
Recursos tecnológicos utilizados pelos
alunos deficientes visuais do IBC: DOSVOX (é uma série de ferramentas
que permite que pessoas cegas interajam com o computador)
JAWS
(é um leitor de tela que permite a pessoa com deficiência visual ler e navegar
na internet). Comunicação com o usuário por síntese de voz; editor e leitor de
texto; amplificador de tela para pessoas com visão reduzida. (Chat IA)

Os alunos apresentavam, durante a conversa em
grupo, o interesse em aprender Geometria. A interação propiciada pela
temática, teve como ponto de partida a vida social e cultural da Cerâmica
Marajoara e sua Geometrização, contada de forma contextualizada e assim, em
cada encontro era enriquecida a busca do processo de aprendizagem e o desejo deles de construírem suas peças de
cerâmica não muito volumosas. O
processo de aprendizagem é desencadeado a partir da motivação e que esse
processo se dá no interior do sujeito, estando, entretanto, intimamente ligado
às relações de troca que o mesmo estabelece com o meio, principalmente, seus professores
e colegas, afirma Relvas (2010). Nas situações escolares, o interesse é
indispensável para que o estudante tenha motivos de ação para apropriar-se do
conhecimento”. Enquanto eu,
estagiárias e alunos, trabalhávamos sobre o que poderíamos acrescentar,
diminuir, modificar e adaptar de forma a atender, a especificidade de
cada um, pois eram de séries diferentes e possibilidades diferenciadas, foi
observado as conexões criativas e pedagógicas que eles promoviam no pensamento
e exteriorizavam verbalmente, já com autonomia.
SENSAÇÃO E
PERCEPÇÃO
“A
sensação é o primeiro contato com os estímulos e dá-se através dos órgãos dos
sentidos: visão, paladar, audição, olfato e tato. Já a percepção consiste na
aquisição, interpretação, seleção e organização das informações obtidas pelos
sentidos, ou seja, é o processo de organização da informação sensorial. Assim,
a percepção é a função do cérebro que atribui significado aos estímulos
sensoriais a partir do histórico de vivências do indivíduo”. (Moraes, p.99,
2018)

A constante exploração tátil (é um
sentido que permite perceber o toque) e sensorial (se refere a todos os
sentidos) nos diferentes processos da argila, dos objetos basilares da
Geometria e de alguns elementos básicos da comunicação visual/tátil,
apresentados inicialmente, foi possibilitando o desenvolvimento da
proposta de “Como se aprende de forma concreta? ” E assim, como afirma Gil (op cit, p.44), “o
aprendizado da leitura e da escrita em Braille requer um elevado
desenvolvimento das habilidades motoras finas, além da flexibilidade nos punhos
e agilidade nos dedos”.
ELEMENTOS DA
LINGUAGEM VISUAL / TÁTIL NA ARGILA
Após o desenvolvimento sensorial, o conhecimento e
reconhecimento da arte Marajoara nas réplicas concretas de peças de cerâmica,
os alunos iniciaram a prática dos elementos da linguagem visual/tátil,
através do tato. E assim, foram desenvolvidas as adaptações curriculares,
que são estratégias que favorecem o desenvolvimento do estudante no contexto
escolar de sua escola, considerando suas individualidades, através do princípio
de atenção à diversidade, pois nesse aspecto centrado na aprendizagem, a
informação é arquitetada e reconstruída continuamente (JOSÉ e COELHO, 1989. In
CARLOU, 2019. Desta forma
o estímulo sensorial, com a manipulação da argila, experenciando sensações
e desenvolvendo o tônus muscular (para uso da reglete: instrumento criado
para a escrita Braille e do punção: é um instrumento em madeira ou plástico no
formato de pera ou anatômico, com ponta metálica, utilizado para a perfuração
de pontos na cela Braille), propiciaram onde mão e massa se encontraram,
e então veio o momento de dar forma.
EXPOSIÇÃO INTERATIVA NO IBC/INSTITUTO
BENJAMIN CONSTANT
CONSIDERAÇÕES
FINAIS
Considerando
que em todos os momentos foi dada ênfase às potencialidades dos alunos e não às
dificuldades, foi alcançado na medida de suas possibilidades, a superação de
alguns obstáculos e limitações. A percepção da “forma”, realizada com a argila
terracota e posteriormente se tornado cerâmica, favoreceu o desenvolvimento e a
formação da consciência, tanto no processo arteterapêutico no qual a argila age
como um material transformador promovendo o caminho do equilíbrio, como no pedagógico, pois o desenvolvimento do
pensamento geométrico, que gerou representações simbólicas a partir das
réplicas da Arte Marajoara produzida pelos alunos Deficientes Visuais, através
de estratégias pertinentes à proposta do Projeto/Oficina para o desenvolvimento
do processo de alfabetização em Braille e Tinta, caracterizaram os aspectos
reflexivos, sociais, cognitivos e culturais que assinalam a evolução dos
alunos, e em geral da raça humana.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRASIL. Ministério da Educação. BNCC-
Base Nacional Comum Curricular
CARLOU, Amanda. Estratégias
Pedagógicas para Ensino-Aprendizagem – n.205 –Junho/2018 – mensal – Ano VII.
GIL, Marta Pires. Deficiência Visual.
Caderno da TV Escola. Brasília: Mec. Secretaria de Educação a Distância,
N1/20000. 80.;I/(Cadernos da TV Escola. 1.ISSN 1518-4692.
MORAES, Eliana. Pensando a
arteterapia. 1. Ed. – Divino de São Lourenço, ES : Semente Editorial, 2018.
OSTROWER, Fayga. Criatividade e
processos de criação. -Petrópolis, Vozes, 1987.
PHILIPPINI, Angela. Grupos em
Arteterapia: redes criativas para colorir vidas/Rio de Janeiro: Wak Editora,
2011.
RELVAS, Marta Pires. Neurociência e
educação: potencialidades dos gêneros humanos na sala de aula. 2 ed. – Rio de
Janeiro: Wak Ed., 2010.
SEI, Maíra Bonafé .GONÇALVES, Tatiana
Feccio C. (Orgs).-São Paulo: Casa do Psicólogo, 2010. (Coleção arteterapia)
SELENI, Coletti. Matemática: a
geometria da arte. NOVA ESCOLA – Maio/2022. https://novaescola.org.br
https://museus.pa.gov.br/noticia/4/museu-do-maraj
https://museus.pa.gov.br/noticia/125/biblioteca-antnio-landi-no-mep--fonte-de- pesquisa-no-par
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Sobre a autora: Luigina Lucia Palermo Antas
Formação:
Arteterapeuta
AARJ 672/0515
Graduação em
Pedagogia/Licenciatura Plena
Graduação em
Educação Artística-Artes Visuais
Pós graduada
em Arteterapia em Educação e Saúde
Pós graduada
em Psicopedagogia
Formação
Clínica em Arteterapia na Clínica POMAR
Área de
atuação/ Projetos/Trabalho
Professora de Artes Plásticas/Visuais do
Município do Rio de Janeiro, no âmbito da Secretaria Municipal de Educação.
Proponente, coordenadora e docente do Projeto Caminhos
Facilitadores do Desenvolvimento Humano – Desenvolvido no IBC / Instituto
Benjamin Constant – Integrantes: Equipe de Saúde Multidisciplinar e estagiárias
do Curso de Pedagogia da Universidade Veiga de Almeida .
Publicado no site
Instituto Arte na Escola em Relato de Experiência; Publicado no Caderno de
Resumo dos Anais do CEDERJ, após conclusão do Curso de Aperfeiçoamento em
Educação Especial e Inclusiva para Professores de Educação Básica/Fundação
CECIERJ.
Projeto
Todos Somos: Arte e Cultura Africana. Instituto Arte na Escola. Projeto
Semifinalista XIX Prêmio Arte na Escola Cidadã. São Paulo. Brasil
Projeto
Caminhos Flexíveis para a Aprendizagem. Caminho Educativo percorrido com
Abordagem Terapêutica Breve/Junguiana. Rede Municipal de Ensino/RJ. Turmas do
Ensino Fundamental/Alfabetização. E.M. Pedro Ernesto/Lagoa/RJ
Pesquisa
Independente em Arteterapia, Arte e Educação : sem vínculo institucional.
Publicação:
https://nao-palavra.blogspot.com/2024/05/dialogo-do-barro-com-o-processo-de.html
Diálogo com
o Barro com o Processo de Aprendizagem
de alunos com Deficiência Visual